Pantanal, onde fracos e solitários não tem vez
Duas tentativas espanholas de desbravamento ocorreram no Pantanal quando o litoral começava a ser dominado pelos portugueses. Alvar Nuñes Cabeza de Vaca foi o primeiro europeu a navegar pelas águas do Rio Paraguai entre Porto Martinho e Corumbá. Na região de Aquidauana e Miranda formaram-se missões jesuíticas, logo destruídas pelos paulistas. Mais de 100 anos depois, três empreendimentos portugueses davam início às derrotas de índios Paiaguás e Chiquitanos no Pantanal: Fazenda Jacobina, Forte Coimbra e Vila de Albuquerque. Esses seriam os três modelos a serem seguidos pelos portugueses e paulistas para a ocupação da região.
Fazenda Jacobina e o homem de 1 milhão de hectares.
A formação senhoril do Pantanal guardava aspectos anacrônicos do feudalismo europeu. Assim, a Fazenda Jacobina, localizada nas proximidades da atual Cáceres, no vizinho Mato Grosso, vivia do que produzia. Nela trabalhavam 200 escravos e outros 200 alforriados. Seus paióis eram abarrotados de produtos agrícolas. As moendas de cana enformavam a rapadura, o açúcar de barro e alambicavam cachaça. O algodão arbóreo forneciam matéria prima aos teares, a fazenda também dispunha de seleiros, alfaiates e carpinteiros. De São Paulo e Uberaba só recebiam sal, ferramentas e tecidos finos. Tinha 60 mil cabeças de gado. Seu proprietário gostava de se exibir afirmando possuir "tantas terras quantas o rei de Portugal". Gradativamente conquistaram terras, chegando a inacreditáveis 1 milhão de hectares.
As primeiras fazendas no Pantanal do Mato Grosso do Sul.
As primeiras posses no lado sul ocorreram na região de Aquidauana. Todas tentaram copiar o modelo da Jacobina. De Jacobina irradiaria a gente aventureira, que tomou conta dos Pantanais do Sul. João Alves Ribeiro foi para o Vale do Taboco, em Aquidauana, onde se apossou de área, cuja legitimação abrangeria 244.023 hectares. Na mesma região, estabelecer-se-iam os descendentes de Estevão Alves Correia, oriundo de Portugal. Saíram de Quitanda, nas imediações de Rosario Oeste, no Mato Grosso.
Forte Coimbra e Vila de Albuquerque.
As três fazendas só puderam existir depois da construção do Forte Coimbra. Antes, não conseguiam se defender dos ataques dos Paiaguás e dos Chiquitanos. A partir de 1775, os reis portugueses resolveram construir fortificações militares em alguns pontos do Rio Paraguai. Forte Coimbra foi o primeiro a ser erguido e tal como a Jacobina foi modelo para as fazendas pantaneiras, Coimbra seria o modelo para os demais fortes. O modelo de urbe viria com a Vila de Albuquerque. O capitão Luís de Albuquerque de Melo e Cáceres foi o responsável por construir o Forte Coimbra e o povoado de Albuquerque, cujos habitantes mudaram-se anos depois para o povoamento que viria a ser Corumbá.
Fracos e solitários não tem vez, mas também não havia piromaníacos.
A ideia de que no Pantanal os fracos e solitários não tinham vez, não saiu de uma superprodução holliwoodiana, a lavra da frase pertence a Virgilio Correia Filho, o mais aplaudido dos historiadores do Pantanal. Desde Alvar Nuñez Cabeza de Vaca até os historiadores atuais, não há um só documento que nos conte sobre a ocorrência de queimadas apocalípticas. Todos narram o eterno encher e esvaziar do rio Paraguai e de seus afluentes.
Causos e mais causos pantaneiros. O Ibama está esperando.
Mas o Pantanal também é uma região de "causos". Um dos mais famosos é o da mulher que virou onça. Há outros, como o do peão que fugiu do patrão, por ser flagrado com sua filha, desaparecendo em uma nuvem de mosquitos. Os mais recentes são o do boi-bombeiro e o da folha que se tornou incandescente e queimou todas as árvores. Boi-bombeiro e folha incendiária são os sobrenomes dos fazendeiros que chegaram há pouco no Pantanal. Terão de contar muitos "causos" ao Ibama. Preparem-se. Bloqueio de créditos bancários e de venda das boiadas os aguardam.