Dólar dispara a fecha a R$ 5,3261, com tensão entre Poderes
Real apresentou, de longe, o pior desempenho entre divisas emergentes
O aumento das tensões político-institucionais, após ataques do presidente Jair Bolsonaro ao Supremo Tribunal Federal ontem, em manifestações durante a celebração do Dia da Independência, aumentaram a percepção de risco e castigaram os ativos domésticos nesta quarta-feira, 8.
Já fragilizado pelo ambiente avesso ao risco e ainda absorvendo a alta global do dólar ontem (quando o pregão estava fechado por aqui), o real apresentou, de longe, o pior desempenho entre divisas emergentes, em um claro reflexo de aumento dos prêmios de risco por causa das incertezas locais.
Em alta desde o início dos negócios, o dólar chegou a tocar em R$ 5,30 já no fim da manhã. Mas o movimento mais agudo de depreciação do real veio ao longo da tarde, quando a moeda americana renovou sucessivas máximas e, já na reta final, rompeu o nível de R$ 5,32. Com oscilação de cerca de 12 centavos entre o ponto mais baixo e o mais alto, o dólar à vista fechou com valorização de 2,89%, a R$ 5,3261 (máxima do dia) - o maior valor desde 23 de agosto (R$ 5,3820) e a maior variação porcentual de fechamento desde 30 de julho (R$ 2,57%).
A piora adicional da alta do dólar no fim do dia se deu em meio a uma onda de zeragem de posições e demanda por proteção, na esteira do discurso duro do presidente do STF, ministro Luiz Fux, que avivaram a possibilidade de impeachment do presidente da República. Protestos de caminhoneiros favoráveis ao Bolsonaro ao longo de hoje, com bloqueios de estradas em diversos Estados, e manifestação em Brasília também contribuíram para agravar o quadro de incertezas.
Ontem, Bolsonaro disse que Fux teria que "enquadrar" o ministro Alexandre de Moraes, responsável, pelo inquérito das fake news, que atinge aliados do presidente. Bolsonaro também disse que não via mais cumprir decisões proferidas por Moraes. Em pronunciamento no plenário do STF, Fux alertou para "falsos profetas do patriotismo" e afirmou que o "desprezo as decisões judiciais" configura crime de responsabilidade - que cabe ser analisado pelo Congresso Nacional.
Mais cedo, o presidente da Câmara, Arthur Lira, rejeitou implicitamente o impeachment contra Bolsonaro ao dizer que "o principal compromisso" do País está marcado para outubro de 2022, quando ocorre o primeiro turno do pleito presidencial. Em clima conciliador, Lira disse que a Câmara se apresenta "como um motor da pacificação" e sinalizou com a continuidade da votação das reformas. Já no Senado, casa mais refratária a Bolsonaro, o presidente Rodrigo Pacheco (DEM-MG) suspendeu as atividades até o fim de semana.
Nas mesas de operação, a avaliação é que a postura belicosa do presidente aumenta a deterioração das expectativas econômicas para 2022, já marcadas por piora nas projeções de crescimento e inflação. Isso para não falar sobre as dificuldades na costura de um acordo para o imbróglio dos precatórios, condição essencial para enquadrar o almejado reajuste do Bolsa Família, rebatizado de Auxílio Brasil, no teto de gastos.
"O cenário econômico é bem desafiador, com o problema de inflação alta e crescimento menor pela frente. O aumento do desentendimento entre os Poderes diminui a governabilidade e tira qualquer perspectiva de avanços que pudesse ajudar o País", afirma Sergio Zanini, sócio e gestor da Galapagos Capital, acrescentando que se não fosse o atual ciclo de aperto monetário o real teria se depreciado bem mais. "O problema é que a única resposta dos 'policy makers', que é o aumento dos juros, tem o seu custo para a atividade econômica", acrescenta Zanini, que vê a taxa Selic entre 7% e 8,5%, a depender dos desdobramentos da crise hídrica.
Segundo Zanini, o efeito do fluxo cambial positivo tem sido mais do que "neutralizado" pelas demanda por dólares dos fundos de investimento local nas últimas semanas. Depois de perdas relevantes com a aposta em apreciação da moeda brasileira lá atrás, gestores buscam proteção para suas carteiras no mercado futuro de dólar.
Dados do Banco Central divulgados hoje mostram que o fluxo cambial foi positivo em US$ 3,709 bilhões em agosto, com entrada líquida de US$ 2,577 bilhões pelo canal financeiro e US$ 1,132 bilhão via comércio exterior. Entre 30 de agosto e 3 de setembro, o fluxo é positivo em US$ 1,107 bilhão, graças, sobretudo, a entrada líquida de US$ 915 milhões pelo canal comercial.
Para o economista Alexandre Liuzzi, sócio e diretor de estratégia plataforma Remessa Online, dados os fatores econômicos, a tendência seria de uma queda do dólar. Ele nota até um interesse de investidores estrangeiros por empresas brasileiras e cita a perspectiva de uma oferta inicial de ações do Nubank. "Pelos fundamentos, o dólar deveria cair, mas existe muita incerteza e podemos esperar ainda muita volatilidade", diz