Agricultor familiar, pai de aluno inspira 1ª horta orgânica em escola municipal
Legumes e hortaliças são distribuídas à comunidade e auxilia na alimentação de famílias do Jardim Noroeste
"No ano passado uma aluna chegou em mim e disse: professora, quando não tiver comida na minha casa eu posso pegar na horta da escola?", conta Leda Lima.
A resposta da coordenadora pedagógica foi sim, contra a dura realidade que presencia em seu dia a dia, na Escola Municipal Senador Rachid Saldanha Derzi, localizada no Bairro Jardim Noroeste, região de Campo Grande. A segurança em encontrar o que comer hoje vem da horta cultivada pelos alunos que produzem hortaliças e legumes orgânicos desde novembro do ano passado. A primeira do tipo em toda rede municipal de ensino.
Hoje a comunidade pode levar comida para casa graças à iniciativa inspirada na história de Ulisses Colombo de 46 anos, que ao lado da esposa Franciele Poliana Gimenes, 32, durante a pandemia de coivd-19, passaram a vender verduras em frente à escola onde os filhos Cleomar, de 9, e Ana Carolina, de 5, estudam. O casal ainda tem o pequeno Uilian, de 3.
Ele lembra que em 2020, quando se viu sem renda devido ao distanciamento social teve a ideia de produzir e entregar verduras na porta da escola. “Montamos uma barraca com todos os cuidados necessários, e vendíamos somente para funcionários e professores", comenta Ulisses.
Mesmo sem completar o ensino médio, o ex-pedreiro buscou na vivência do tempo de escola, os ensinamentos que adquiriu sobre hortas e repassou à professora Leda, que o convidou para o projeto. Na manhã desta segunda-feira (8), ele e a esposa estavam presentes no 2º mutirão para rotação de cultura, onde plantaram 1,4 mil mudas de hortaliças.
“Quando fui criança também tinha uma horta em casa, mas faz muito tempo. Agora, estou estudando muito sobre o sistema agroflorestal e colocando em prática, através da comunidade e com auxílio que o Ulisses tem repassado para gente na prática que tem com hortas. Ele lembra de muita coisa que aprendeu dentro da escola quando era criança e percebeu que este tipo de conteúdo foi se perdendo com o tempo. Hoje ele nos traz de volta esse conhecimento na prática”, relata a coordenadora Lima.
Na horta da unidade, que atende aproximadamente 1,5 mil alunos que vão desde o grupo quatro até o sétimo ano, são produzidos alface, rúcula, cebolinha, coentro, rabanete, mandioca, entre outros hortifrútis. Tudo cultivado sem utilização de agrotóxicos, ou seja, todo o material usado na produção é retirado da própria natureza.
“A joaninha a gente não mata de forma alguma, está bem? Ela é o controle biológico de pragas da nossa horta”, ensina a professora à turma. Independente da idade, a bióloga diz que "os alunos compreendem bem sobre o consumo de orgânicos e o sistema agroflorestal, ou seja, como o próprio nome diz é a dinâmica da floresta e lá não tem inseticida, pois é tudo natural”.
Aluna do sexto ano, Anna Vitória de Freitas, 13 anos, chegou recentemente no projeto, que envolve 250 crianças, e entre as verduras afirma gostar de alface, mas o que prefere mesmo é a hora de ‘botar’ a mão na terra para fazer o plantio das mudas. “Eu não sabia como era plantar um pé de alface, mas agora que estou no projeto aprendi”, disse a estudante.
Segundo a professora, a horta é adubada com matéria orgânica que sofre degradação na natureza, além de húmus, um tipo de adubo produzido por minhocas no próprio local. “Aqui tudo é produzido por meio da natureza. Por exemplo, temos o ‘minhocário’ onde são criadas as minhocas que produzem o humus e os adubos naturais, como folhas e restos de árvores, que aproveitamos na forma de compostagem”, explica.
Outro ponto alto do projeto é o sistema de irrigação de baixo custo, com conexões simples de canos plásticos que distribuem a água conforme pressão. O modelo também foi desenvolvido e implantado por Ulisses e é o mesmo que usa em sua própria horta. Segundo a coordenadora, antes da implantação desse sistema foram feitos diversos orçamentos e valor não custava menos de R$5 mil. “Já com o modelo que ele [Ulisses] instalou, o valor não chegou a R$1 mil”, ressalta a professora, que já planeja implantar um temporizador “que vai ser automático e dará mais autonomia à irrigação”.
Atualmente, agricultor e esposa produzem em uma área de 5 mil metros quadrados cerca de 300 a 400 caixas de hortaliças por semana. O espaço era um antigo terreno que antes estava ‘abandonado’ e agora, com consentimento do dono, é produtivo. De acordo com Ulisses a demanda por produtos orgânicos é grande e compensadora. “Um maço de cheiro verde convencional custa cerca de R$3,00, já o orgânico aproximadamente R$5,00. E a procura sé aumenta por esse tipo de produto”, salienta Colombo.
Além de rentável, Franciele diz que o atual trabalho com o marido é mais prazeroso, pois pode desfrutar do mesmo espaço de trabalho com a família. “Aqui é assim, além dos alimentos podemos também ter as crianças por perto que aprendem a conviver e entender o que produzimos e de a forma como fazemos”, comenta Gimenes, salientando ainda que de tudo que produzem, 200 maços de hortaliças são doados por semana às comunidades mais vulneráveis de Campo Grande, por meio da Unidade Técnica de Agricultura Urbana do Fundo de Apoio à Comunidade (UTA).
De acordo com a Semed (Secretari Municipal de Ensino), outras escolas já produzem hortifrútis em hortas criadas em seus espaços, como a escola Nerone Maiolino, no Bairro Vida Nova II e Ana Lucia de Oliveira, no Jardim Paulo Coelho Machado. Porém todas no sistema convencional.
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