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Arquitetura

A casa sem muro da moradora que resiste na avenida será posta à venda

Paula Maciulevicius | 27/08/2013 06:34
A avenida Afonso Pena esquina com a rua Bahia é endereço da família Nachif desde setembro de 1977, sem muro, grade e nem portão. (Fotos: Marcos Ermínio)
A avenida Afonso Pena esquina com a rua Bahia é endereço da família Nachif desde setembro de 1977, sem muro, grade e nem portão. (Fotos: Marcos Ermínio)

A casa dela não tem muro, não tem grade e nem portão. Tem história, lembranças e felicidade. A avenida Afonso Pena esquina com a rua Bahia é endereço da família Nachif desde setembro de 1977, construída pelas mãos do pediatra já falecido, Eduardo Nachif, hoje é o berço de memórias de uma mãe, esposa e mulher apaixonada pela Afonso Pena.

Foi para um especial que o Lado B chegou até Celina Nachif, hoje ela diz ter 68 anos, mas creio que sejam pelos anos bem vividos que ela aparente bem menos. A história dela e daquela casa é tão encantadora que merecia um capítulo a parte e também uma certa homenagem a um lado do médico tão conhecido que muita gente desconhece.

A senhora que nos recebe de sorriso aberto aprontou a mudança às escondidas. O sonho era de todo mundo e nem ela e os cinco filhos viam a hora de se mudar da Mato Grosso para a Afonso Pena, onde boa parte dos amigos já moravam.

“Foi entre 2h da tarde e 7h da noite, eu expliquei que era o horário de trabalho do Eduardo então tinha que fazer toda a mudança até ele sair do consultório. O caminhão encostou em casa 2h e olha que era a mudança de cinco filhos”, relembra.

Encerrado o expediente do pediatra e com a casa toda em caixas, ela foi pegar o marido no consultório com a desculpa de que precisavam ir para a casa nova pra apanhar as crianças. Eduardo entrou e não pensou antes de ir ‘juntando’ os filhos. Talvez pela correria ou desatenção mesmo ele nem reparou as caixas e só soube que a mudança havia sido feita porque um dos pequenos respondeu “pai, nós não vamos. A minha mãe fez a mudança, nós vamos morar aqui hoje”.

Viúva de Eduardo Nachif, Celina conta que aprontou a mudança de surpresa.
Viúva de Eduardo Nachif, Celina conta que aprontou a mudança de surpresa.

Para a surpresa de dona Celina que trabalhou a tarde toda com a ajuda da mãe, irmã, o cunhado (único homem na mudança) e duas empregadas, Eduardo saiu de casa dizendo que já voltava. “Quis fazer surpresa e eu é que fiquei surpresa, porque eu achei que fosse ser a maior glória. Eu trabalhei feito uma condenada e ele me abandona aqui?”, relata o pensamento daquela noite.

“Daqui a pouco ele volta com um buquê de flores e um champanhe que o Gabura tinha dado pra ele para quando ele mudasse pra casa nova, comemorar com aquela garrafa. Ele tinha ido pegar o champanhe”. A lembrança aí já é tomada pelas lágrimas, tanto de quem fala, como de quem escuta.

Como se a cena se repetisse naquele exato momento, Celina conta que o marido chegou e chamou todo mundo para rezar um Pai Nosso e uma Ave Maria. “Eu, ele, cinco filhos, minha mãe, irmã, cunhado e duas empregadas de mãos dadas nesta sala. Tomamos o champanhe em copos de cristal Cica e foi o melhor que já tomei”, brinca. É que como tudo estava ainda embrulhado, a família toda tomou nos copos de massa de tomate.

A casa que tem 850 metros de terreno, da Afonso Pena até a 15 de Novembro e deste tanto 120 metros destinados às plantas e árvores do médico, nunca teve muro, grade e cadeado. Mas carrega no histórico a visita indesejada de um ladrão e o casal sendo acordado pela Polícia.

Bandidos forçaram uma das portas da parte debaixo da casa e entraram na residência. Celina e Eduardo dormiam no quarto e até chegaram a ouvir o barulho, mas acreditaram que fosse um dos filhos que fazia uso de rádio amador.

“O Eduardo levantou e gritou Luciano vai dormir, vai pra casa que você tem mulher e nisso ele tomou um remédio”, relembra. Em seguida o casal foi acordado por policiais que acenderam as luzes do quarto perguntando se eles estavam de mudança porque havia uma televisão entre outros aparelhos para fora de casa. Aí a ficha caiu de que os barulhos não eram do filho e sim de ladrões.

“Fomos salvos pelo entregador do jornal Correio do Estado e por Deus. Ele percebeu quando foi deixar o jornal embaixo da porta que a casa estava aberta e chamou a Polícia”. Ela atribui à falta de muros e por ser uma casa abençoada, o fato da violência nunca ter passado por aquelas portas. “Por isso muro grande, alto, não intimida. Aqui, quem passa lá fora assiste tudo o que está acontecendo”.

A avenida Afonso Pena com a rua Bahia foi a realização de um sonho do marido e da família.
A avenida Afonso Pena com a rua Bahia foi a realização de um sonho do marido e da família.

Apaixonada pela Afonso Pena, Celina e Eduardo Nachif criaram os cinco filhos e viram os netos brincar pelos mesmos gramados. A filha caçula chegou lá com 11 meses. Do início de uma avenida até a imensidão que estende hoje a Afonso Pena, dona Celina, uma das únicas resistentes nos casarões anuncia, com dor no coração e lágrimas pelo rosto, que vai vender o imóvel.

“É uma casa de grandes lembranças, grandes comemorações, onde os filhos aprontaram muito, mas eu vou sair daqui. Já comprei um apartamento e vou colocar a casa à disposição para quem quiser”.

A avenida Afonso Pena com a rua Bahia foi a realização de um sonho do marido e da família. Ainda quando vivo, Eduardo já ouvia da esposa a proposta de se mudar para um lugar menor, mas era categórico em dizer que ali seria sua última morada e da casa ele só iria para o Parque das Primaveras.

“Ele falava Cê, não adianta fazer uma mudança. Aqui a gente tem tudo o que a gente quer, não tem mais os filhos, mas traz os filhos aqui porque a casa é grande”, detalha.

A mudança não é pelo barulho, pelo tumulto trânsito ou qualquer outro desprazer que os anos trouxeram. “A gente diz que cada tijolo dessa casa é o choro de uma criança que o Eduardo atendeu. Com ele eu não sairia, essa casa é a nossa história, os melhores momentos da nossa vida foram aqui. A minha saída é pela idade e não pela modernidade. A idade me obriga para ficar mais despreocupada”.

Um apartamento na região do Parque das Nações Indígenas já foi comprado. Uma das últimas moradoras dos casarões deixará a Afonso Pena ainda este ano. Como a gente já pressupõe, a casa pode vir ao chão para dar lugar a um hotel, banco ou construção comercial. Se para a gente, que é espectador da história de uma casa sem muros, pode bater saudade dos tempos de liberdade, imagine para quem deixa ali a melhor fase da vida.

“Não sei se é a título de consolo ou se eu já sabia, mas o principal já se foi. O resto é acessório. Nesta casa eu já perdi um filho e o marido e perdi um pouco da minha vida também. Perder a casa não vai ser a pior perda, por isso venho amadurecendo, a gente aprende a desapegar dos bens materiais. Essa casa não teve herança, não teve venda de imóvel, foi erguida só pelo trabalho, pelo sacrifício do Eduardo e ele tinha orgulho de ter construído isso sozinho. Hoje, eu te conto isso por amor à Afonso Pena, à minha casa e ao Eduardo”.

O principal já se foi, perder a casa não será a pior perda. "Hoje, eu te conto isso por amor à Afonso Pena, à minha casa e ao Eduardo.
O principal já se foi, perder a casa não será a pior perda. "Hoje, eu te conto isso por amor à Afonso Pena, à minha casa e ao Eduardo.
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