Com mesmo cheiro e saias coloridas, casa de Delinha pode virar museu
Mantida do mesmo jeito desde o último dia 16, “Velha Casinha” acompanhou trajetória da Dama do Rasqueado
Dos chinelos de bucha vegetal ao lado da cama até o despertador no celular para acordar às 3h40min, tudo continua do mesmo jeito que Delinha deixou antes da madrugada do dia 16 no Bairro Amambaí. Com a porta para as lembranças da mãe trancada, o filho da cantora, João Paulo Pompeo, ainda não teve coragem de mover as roupas, isqueiros e cigarros espalhados pelos cômodos da Velha Casinha em que Delanira passou seus últimos momentos, mas conta que o espaço pode virar museu.
“Só vou pedir para vocês não mudarem as coisas de lugar. Podem ver, mas deixem no mesmo lugar em que ela deixou, por favor”, pede o filho. Como uma ligação entre dois mundos, ambos tomados de lembranças, João nos recebeu na área entre a casa de madeira que conserva sala, cozinha e seu quarto e a segunda casinha, em que Delinha mantinha seu escritório, quarto e banheiro.
Na área, Sheik, o xodó de Delinha continua fazendo a união dos dois espaços, como sempre fez. Sem poder ficar perto da melhor amiga, o que restou foi ganhar duas mantas usadas por Delinha, que agora pertencem a ele.
Enquanto o espaço maior seguiu de portas abertas, como de costume, o ambiente mais íntimo da cantora foi trancado. Abertos para nossa visita, uma mistura de cheiros ainda tomava conta dos cômodos, “é o cheiro dela que continua aqui até agora”, explicou João.
Mesmo tendo sido construído depois da casa de madeira, em que Delinha cresceu com os pais, se transformou em cantora e viu a vida passar, as rachaduras no espaço de concreto também guardam as marcas do tempo. E, assim como o passar da idade pediu por mudanças, o quarto precisou ser adaptado desde que sua saúde entrou em declínio.
Antes usado para pendurar roupas, o antigo cabideiro de madeira se transformou em apoio para o tubo extensor de cateter e uma cama extra começou a ser ocupada pela cuidadora. Extensão do quarto, o escritório também manteve as práticas antigas unidas às necessidades mais recentes de Delinha com bombinhas de ar e remédios sobre uma mesa e uísque pela metade ao lado de cantis na estante.
Em conjunto aos móveis antigos de madeira, as famosas saias, xales e sapatos, as cinzas de cigarro, potes com cremes com aroma de macadâmia próximos ao fim e inúmeras imagens católicas, tudo segue sem destino.
“Recebemos a ideia, de um vereador, de transformar tudo em museu do Délio e da Delinha, mas ainda não sei como será. Para isso ser feito, precisamos ver bem certo, mas não sei mesmo. Por enquanto, vou deixar tudo aqui. Não consegui nem mexer nas coisas dela ainda”, o filho conta.
Além da ideia de tornar os relógios de punho, cadeiras de madeira e batons parte de um acervo público, muita gente tem tentado comprar os itens de Delinha, como João narra. “Tem gente me ligando e perguntando se não posso dar uma blusa ou se as coisas podem ser compradas, mas não tem como”.
Memórias extensas
Mais do que guardar as roupas e marcas conhecidas de Delinha, os cômodos são uma surpresa em cada detalhe. Depois de apresentar os ambientes e contar sobre como foram os últimos dias da mãe, João foi se lembrando aos poucos de documentos que são históricos há muito tempo.
Desde um caderninho da época do colegial em que Delinha treinava as lições de inglês até o “rascunho da Bíblia”, como João brinca, tudo ganhou um novo peso nos últimos dias.
Empoeirado, o tal “rascunho” é uma pasta com plástico, folhas amarelas e marcadas por furos de cigarro, em que Delinha escreveu cada letra de música, começando pela Velha Casinha, e levava para tocar nos shows de antigamente.
“Ela e meu pai levavam para os barzinhos, era o repertório que eles cantavam. Continua aqui, enumerado”, relata João. Além das músicas antigas, ele conta que um CD gravado há muito tempo, quando o pai era vivo, também está guardado e será revisitado para um possível lançamento.
Em uma mistura, como era Delinha, os itens da casa como um todo continuam reunindo desde essas memórias da música até as imagens de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. Já fora do seu ambiente mais pessoal, atravessando para a casinha de madeira, o que mais liga os ambientes é justamente o catolicismo.
Pintada de rosa por dentro, a primeira casa também era o ambiente em que Delinha passava seu tempo antes do pulmão piorar. “Ela fazia almoço, assistia televisão, fazia de tudo”, conta o filho.
Decorada com panos de prato bordados por ela e mais imagens de santos, a casinha é o ambiente em que João tem se permitido ficar por mais tempo. E, por ali, os sinais da saúde da mãe já não aparecem.
Explicando saber que a história de Delinha não acabou ali, na casa, João pontua que sua vida está cheia de incertezas, mas que o amor dado pela mãe durante toda a vida continua presente. “Ela sempre se preocupou muito comigo e me dizia que, caso algo acontecesse com ela, eu deveria continuar, cuidar do meu filho e ficar bem. Estou tentando fazer isso”, finaliza.
Confira a galeria de imagens:
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