Casa intacta de Manoel de Barros surpreende com poema inédito
Casa de Manoel de Barros foi transformada em centro cultural e abriu as portas neste domingo (25)
Se preparando para abrir as portas ao público, a casa em que Manoel de Barros viveu durante as últimas três décadas de sua vida foi inaugurada como espaço cultural neste domingo (25). Tomada pelos detalhes deixados pelo escritor, o espaço tem poema inédito, acervo de cartas e itens que vão desde seu relógio até os últimos lápis.
Nomeado “Casa-Quintal Manoel de Barros”, o lar do poeta, localizado na Rua Piratininga, número 363, agora expõe tanto seus itens pessoais, como roupas, quanto os móveis usados por ele, sua esposa Stella Barros e família.
Durante a noite de inauguração, o endereço teve presença da atriz e poetisa, Elisa Lucinda, além de apresentação da poetisa indígena Gleycielli Nonato Guató e do grupo de jazz El Trio.
Extenso, o acervo da Casa-Quintal é rico em detalhes e, por isso, ao fim da matéria você pode conferir nossa galeria de fotos e ter uma prévia de como serão as visitas guiadas abertas ao público.
Visita às invenções de Manoel de Barros
Iniciando o passeio pelo lar de Manoel, em seu quarto, a cama foi mantida no mesmo lugar para receber projeções audiovisuais feitas pelo artista visual Ivan Soares com imagens dos filmes de Joel Pizzini e Maurício Copetti. Ao lado, o guarda-roupas recebeu um conjunto precioso composto por relógio, terço, pente, roupas e, algo inesperado para os organizadores do espaço: um texto nunca divulgado.
Integrante do grupo responsável pelo projeto Casa-Quintal, o cineasta Joel Pizzini, que se tornou amigo de longa data de Manoel, conta que o poema provavelmente foi escrito já nos últimos anos de Barros. “Eu estava folheando um bloco de notas todo em branco durante a organização para o acervo, quando encontrei o poema. Quando escreveu, estava com as letras viajantes, já desenhando com elas”, explica o cineasta.
Ao lado do quarto, integrado ao espaço, o jardim do poeta também mantém as lembranças dos anos ali vividos pelo casal Manoel e Stella. Duas cadeiras de ferro, com as marcas do tempo visíveis na perda da tintura branca, se somam a alguns instrumentos alocados na parede.
Além de samambaias, um pequeno espaço com jardim recebeu placas de versos do poeta. Combinando com o ambiente, os trechos foram selecionados com falas como “Silêncio dele é tão alto que os passarinhos ouvem de longe”.
Jornalista, Ricardo Câmara Pieretti também é um dos organizadores da Casa-Quintal e explica sobre a importância das portas serem abertas. “A casa foi pensada para abrir para a comunidade esse espaço tão importante do nosso principal poeta, que viveu aqui entre 1986 e 2014. Por sermos um Estado jovem, Mato Grosso do Sul está sempre em busca por identidade, acredito que a casa é um tesouro cultural que reverbera no Brasil e também no exterior”.
Tendo convivido com Manoel por entre as paredes da casa, Ricardo detalha que ver o espaço cheio de pessoas que fizeram parte da vida do poeta e que também terão seu primeiro contato com o lar é emocionante. Por isso, pensando na diversidade do escritor, cada ambiente recebeu produções em linguagens diversas.
“Nós fizemos uma narrativa não linear, como era o Manoel, e manter objetos pessoais, detalhes do cotidiano doméstico sem perder de vista a poesia. Então, a casa reúne várias linguagens, incluindo partes lúdicas com os desenhos feitos por ele”, relata Ricardo.
Outro ponto destacado por ele é que, além do acervo de Manoel, a casa também irá receber apresentações culturais. Mensalmente, um artista regional ou nacional se apresentará por ali, sempre com obras relacionadas ao poeta.
E, relembrando sobre seu primeiro contato com espaço, o jornalista narra que é impossível não sorrir. “Eu conheci o Manoel quando era adolescente e estava na faculdade de Jornalismo. Na minha ignorância, achei que poderia chamá-lo para uma entrevista coletiva e vim até aqui. Me lembro que ele aceitou dar a entrevista, mas escrita e sem prazo de entrega”, conta.
Encantado com o resultado do projeto, o cineasta Joel Pizzini foi um dos amigos de Manoel que doaram parte de seus acervos pessoais para a casa. Diretor do filme “Caramujo-Flor”, ele conta que a ideia do espaço é presentificar Manoel ainda mais.
“O Manoel é atemporal, ele atravessou o tempo. Então, a casa tem uma evocação da memória, mas sempre no melhor estilo de Manoel com um projeto interdisciplinar”, diz Joel.
Sobre a ideia de transformar o lar de Manoel em museu, o cineasta explica que a casa continua sendo uma propriedade privada da família, por isso não há definições fixas. “Estamos pensando em o que fazer para que esse projeto seja permanente. Por enquanto, temos um acordo com a família e apoio de instituições como o Sesc e a Energisa, mas a ideia é realmente transformar tudo isso em um espaço museológico”.
Escritório ou "Lugar de Ser Inútil"
No andar de cima da casa, o escritório de Manoel de Barros foi mantido tanto pela família quanto pelo grupo de amigos, que organizou o acervo. Toda de madeira e preenchida por marcas de uso, a escrivaninha segue com os lápis, miniaturas de decoração e alguns blocos de notas.
Com o olhar mais atento para a gaveta aberta, é possível encontrar até fita adesiva e tubo de cola, além de marcadores de páginas que completam o cenário.
Exemplo de todo o acervo da casa, o escritório é tomado por objetos singelos, sendo necessário dedicar tempo a observar cada pequeno detalhe. Por isso, as visitas à casa de Manoel serão totalmente guiadas e feitas em grupos de poucas pessoas. Assim, as dicas para "desaprender", deixadas por Manoel, terão tempo necessário para serem imaginadas.
Cartas, fotos e registros
Assim como os objetos deixados na casa integram o acervo, cartas, fotos e registros enviados por Manoel a amigos, como o jornalista Pedro Espíndola, também se espalham pelos cômodos.
No térreo, as paredes de cada espaço se tornaram murais com fotos e desenhos, enquanto as estantes e balcões agora recebem de volta cartas escritas pelo poeta.
Presente na inauguração do centro cultural, a atriz e poetiza Elisa Lucinda se apresentou na inauguração. E, escolhendo como companhia os retratos de Manoel, conversou com o Lado B sobre como é sentir a herança viva deixada pelo autor.
"A presença da casa de Manoel de Barros é simplesmente a presença de uma referência filosófica, estética, artística e política de um ser totalmente anti esse capitalismo que tá aí, anti esse atraso porque Manoel era um cara avante no seu tempo. Essa é uma casa de resistência, esse espaço não pode morrer porque é muito vivo e a gente sente a presença dele aqui", diz Elisa.
Convidada por Joel Pizzini, a atriz conta que não pensou duas vezes antes de aceitar participar da inauguração. E, destacando que é necessário apoios cada vez maiores, Elisa completa que a herança de Manoel precisa ser compartilhada com o público.
"As palavras de Manoel estão espalhadas por aqui, então, principalmente, o povo daqui tem que ocupar esse espaço e também trazer pessoas internacionalmente comprometidas com essa assunto, que é a poesia, a arte. O Manoel de Barros é um descuido dos vigilantes e uma graça de Deus", narra Elisa.
Responsável por parte do acervo doado para a casa, Pedro Espíndola conta orgulhoso sobre sua participação na criação da Casa-Quintal. Por ter sido amigo de muitos anos, o jornalista guarda inúmeras correspondências com Manoel.
Distribuídas pela casa, entrevistas feitas pelo jornalista e respondidas pelo poeta poderão ser conferidas pessoalmente pelo público.
"Eu, há 40 anos, junto coisas do Manoel, então o acervo que tenho não cabe nem 10% nessa casa. Trouxe muito pouca coisa para cá porque o espaço ainda não consegue receber mais coisas. E é importante compartilhar porque você fica muito vaidoso com todas as coisas sendo guardadas para você, então a ideia é disponibilizar esses itens para outras pessoas", diz Pedro.
Assim como Joel destacou em relação ao projeto de transformar a casa em um museu, Pedro argumenta que é necessário um trabalho intenso para manter as miudezas deixadas pelo amigo. "Ao longo do tempo, nós vamos conseguir transformar isso aqui em um museu, a exemplo de outros intelectuais do mundo que têm sua casa. Enquanto isso não acontece, para manter a chama acesa, criou-se esse projeto da Casa-Quintal".
Grupo de amigos do Manoel
Criada por um movimento de artistas e produtores de Mato Grosso do Sul e de todo o país, a Casa-Quintal foi tirada do papel com apoio do Sesc e também da Energisa. Realizado pela Fundação Nelito Câmara e Pólo Filme, o projeto também conta com o apoio cultural da Polca, Cine Café e Essência de Mato.
Na lista de artistas que aderiram a recriação da casa estão os escritores Raduan Nassar, Mia Couto, Eucanaã Ferraz, Sérgio Medeiros, Adalberto Müller; os cantores e compositores, Ney Matogrosso, Tetê Espíndola, Adriana Calcanhoto, Alzira Espíndola, Egberto Gismonti, João Guilherme Ripper e as atrizes e poetisas, Bruna Lombardi, Elisa Lucinda, Gleycielli Nonato Guató.
Já a idealização é de Silvestre de Barros, Pedro Espíndola e Ricardo Pieretti Câmara, com curadoria de Joel Pizzini, produção executiva de Juliana Domingos, direção de Arte de Mariana Villas-Bôas e Paula Bueno e uma equipe de colaboradores artísticos da cidade como Mary Saldanha, Casa Muxarabi, Thaís Pompêo, Roberta Siqueira, Renata Sibele e Bruno Atra.
Em breve, aberto ao público - Com visitas guiadas, o público poderá agendar a visitação através da plataforma Sympla a partir do dia 28 de setembro. De acordo com os organizadores, a entrada irá custar R$ 35.
No local, haverá um espaço para que os visitantes aguardem o momento anterior à visita, uma vez que grupos de cinco pessoas irão permanecer nos espaços.
De acordo com a programação prevista, no dia 19 de outubro, o espaço terá participação da atriz e poetisa, Bruna Lombardi, que exibirá uma entrevista que fez para a TV nos anos 90 com o poeta na própria casa.
Para novembro, a atração confirmada é a cantora e compositora Tetê Espíndola, que fará um pocket show na casa com poemas musicados de Manoel de Barros.
Confira a galeria de imagens:
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