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Arquitetura

Casa intacta de Manoel de Barros surpreende com poema inédito

Casa de Manoel de Barros foi transformada em centro cultural e abriu as portas neste domingo (25)

Aletheya Alves | 26/09/2022 07:59
Com itens que vão de poema inédito até o pente, Casa-Quintal Manoel de Barros foi inaugurada. (Foto: Alex Machado)
Com itens que vão de poema inédito até o pente, Casa-Quintal Manoel de Barros foi inaugurada. (Foto: Alex Machado)

Se preparando para abrir as portas ao público, a casa em que Manoel de Barros viveu durante as últimas três décadas de sua vida foi inaugurada como espaço cultural neste domingo (25). Tomada pelos detalhes deixados pelo escritor, o espaço tem poema inédito, acervo de cartas e itens que vão desde seu relógio até os últimos lápis.

Nomeado “Casa-Quintal Manoel de Barros”, o lar do poeta, localizado na Rua Piratininga, número 363, agora expõe tanto seus itens pessoais, como roupas, quanto os móveis usados por ele, sua esposa Stella Barros e família.

Durante a noite de inauguração, o endereço teve presença da atriz e poetisa, Elisa Lucinda, além de apresentação da poetisa indígena Gleycielli Nonato Guató e do grupo de jazz El Trio.

Extenso, o acervo da Casa-Quintal é rico em detalhes e, por isso, ao fim da matéria você pode conferir nossa galeria de fotos e ter uma prévia de como serão as visitas guiadas abertas ao público.

Visita às invenções de Manoel de Barros

Iniciando o passeio pelo lar de Manoel, em seu quarto, a cama foi mantida no mesmo lugar para receber projeções audiovisuais feitas pelo artista visual Ivan Soares com imagens dos filmes de Joel Pizzini e Maurício Copetti. Ao lado, o guarda-roupas recebeu um conjunto precioso composto por relógio, terço, pente, roupas e, algo inesperado para os organizadores do espaço: um texto nunca divulgado.

Integrante do grupo responsável pelo projeto Casa-Quintal, o cineasta Joel Pizzini, que se tornou amigo de longa data de Manoel, conta que o poema provavelmente foi escrito já nos últimos anos de Barros. “Eu estava folheando um bloco de notas todo em branco durante a organização para o acervo, quando encontrei o poema. Quando escreveu, estava com as letras viajantes, já desenhando com elas”, explica o cineasta.

Quarto de Manoel e de sua esposa, Stella Barros, recebeu produção audiovisual imersiva. (Foto: Alex Machado)
Quarto de Manoel e de sua esposa, Stella Barros, recebeu produção audiovisual imersiva. (Foto: Alex Machado)
Camisa e gravata integram os elementos alocados em guarda-roupas. (Foto: Alex Machado)
Camisa e gravata integram os elementos alocados em guarda-roupas. (Foto: Alex Machado)
Poema inédito foi encontrado durante a seleção do acervo. (Foto: Aletheya Alves)
Poema inédito foi encontrado durante a seleção do acervo. (Foto: Aletheya Alves)

Ao lado do quarto, integrado ao espaço, o jardim do poeta também mantém as lembranças dos anos ali vividos pelo casal Manoel e Stella. Duas cadeiras de ferro, com as marcas do tempo visíveis na perda da tintura branca, se somam a alguns instrumentos alocados na parede.

Além de samambaias, um pequeno espaço com jardim recebeu placas de versos do poeta. Combinando com o ambiente, os trechos foram selecionados com falas como “Silêncio dele é tão alto que os passarinhos ouvem de longe”.

Ao lado do quarto, cadeiras integram o espaço do Jardim do Poeta. (Foto: Alex Machado)
Ao lado do quarto, cadeiras integram o espaço do Jardim do Poeta. (Foto: Alex Machado)
Placas com versos de Manoel de Barros foram selecionadas para integrar o jardim. (Foto: Alex Machado)
Placas com versos de Manoel de Barros foram selecionadas para integrar o jardim. (Foto: Alex Machado)

Jornalista, Ricardo Câmara Pieretti também é um dos organizadores da Casa-Quintal e explica sobre a importância das portas serem abertas. “A casa foi pensada para abrir para a comunidade esse espaço tão importante do nosso principal poeta, que viveu aqui entre 1986 e 2014. Por sermos um Estado jovem, Mato Grosso do Sul está sempre em busca por identidade, acredito que a casa é um tesouro cultural que reverbera no Brasil e também no exterior”.

Tendo convivido com Manoel por entre as paredes da casa, Ricardo detalha que ver o espaço cheio de pessoas que fizeram parte da vida do poeta e que também terão seu primeiro contato com o lar é emocionante. Por isso, pensando na diversidade do escritor, cada ambiente recebeu produções em linguagens diversas.

Espaços imersivos foram criados com objetos e poesias de Manoel. (Alex Machado)
Espaços imersivos foram criados com objetos e poesias de Manoel. (Alex Machado)

“Nós fizemos uma narrativa não linear, como era o Manoel, e manter objetos pessoais, detalhes do cotidiano doméstico sem perder de vista a poesia. Então, a casa reúne várias linguagens, incluindo partes lúdicas com os desenhos feitos por ele”, relata Ricardo.

Outro ponto destacado por ele é que, além do acervo de Manoel, a casa também irá receber apresentações culturais. Mensalmente, um artista regional ou nacional se apresentará por ali, sempre com obras relacionadas ao poeta.

E, relembrando sobre seu primeiro contato com espaço, o jornalista narra que é impossível não sorrir. “Eu conheci o Manoel quando era adolescente e estava na faculdade de Jornalismo. Na minha ignorância, achei que poderia chamá-lo para uma entrevista coletiva e vim até aqui. Me lembro que ele aceitou dar a entrevista, mas escrita e sem prazo de entrega”, conta.

Ricardo Câmara Pieretti conta que a casa reúne materiais com linguagens diversas. (Foto: Alex Machado)
Ricardo Câmara Pieretti conta que a casa reúne materiais com linguagens diversas. (Foto: Alex Machado)
Feliz com a inauguração, Joel Pizzini detalha que objetivo é realmente transformar o espaço em museu. (Foto: Alex Machado)
Feliz com a inauguração, Joel Pizzini detalha que objetivo é realmente transformar o espaço em museu. (Foto: Alex Machado)

Encantado com o resultado do projeto, o cineasta Joel Pizzini foi um dos amigos de Manoel que doaram parte de seus acervos pessoais para a casa. Diretor do filme “Caramujo-Flor”, ele conta que a ideia do espaço é presentificar Manoel ainda mais.

“O Manoel é atemporal, ele atravessou o tempo. Então, a casa tem uma evocação da memória, mas sempre no melhor estilo de Manoel com um projeto interdisciplinar”, diz Joel.

Sobre a ideia de transformar o lar de Manoel em museu, o cineasta explica que a casa continua sendo uma propriedade privada da família, por isso não há definições fixas. “Estamos pensando em o que fazer para que esse projeto seja permanente. Por enquanto, temos um acordo com a família e apoio de instituições como o Sesc e a Energisa, mas a ideia é realmente transformar tudo isso em um espaço museológico”.

Escritório ou "Lugar de Ser Inútil"

No andar de cima da casa, o escritório de Manoel de Barros foi mantido tanto pela família quanto pelo grupo de amigos, que organizou o acervo. Toda de madeira e preenchida por marcas de uso, a escrivaninha segue com os lápis, miniaturas de decoração e alguns blocos de notas.

Com o olhar mais atento para a gaveta aberta, é possível encontrar até fita adesiva e tubo de cola, além de marcadores de páginas que completam o cenário.

Exemplo de todo o acervo da casa, o escritório é tomado por objetos singelos, sendo necessário dedicar tempo a observar cada pequeno detalhe. Por isso, as visitas à casa de Manoel serão totalmente guiadas e feitas em grupos de poucas pessoas. Assim, as dicas para "desaprender", deixadas por Manoel, terão tempo necessário para serem imaginadas.

Espaço em que Manoel "desaprendia" foi mantido pela família em cada detalhe. (Foto: Alex Machado)
Espaço em que Manoel "desaprendia" foi mantido pela família em cada detalhe. (Foto: Alex Machado)
Acervo de livros rodeava o escritório de Manoel de Barros. (Foto: Alex Machado)
Acervo de livros rodeava o escritório de Manoel de Barros. (Foto: Alex Machado)
Desde seus últimos lápis até miniaturas da decoração podem ser vistos pelo público. (Foto: Alex Machado)
Desde seus últimos lápis até miniaturas da decoração podem ser vistos pelo público. (Foto: Alex Machado)

Cartas, fotos e registros

Assim como os objetos deixados na casa integram o acervo, cartas, fotos e registros enviados por Manoel a amigos, como o jornalista Pedro Espíndola, também se espalham pelos cômodos.

No térreo, as paredes de cada espaço se tornaram murais com fotos e desenhos, enquanto as estantes e balcões agora recebem de volta cartas escritas pelo poeta.

Presente na inauguração do centro cultural, a atriz e poetiza Elisa Lucinda se apresentou na inauguração. E, escolhendo como companhia os retratos de Manoel, conversou com o Lado B sobre como é sentir a herança viva deixada pelo autor.

Elisa participou da noite de convidados com apresentação. (Foto: Elis Regina Nogueira)
Elisa participou da noite de convidados com apresentação. (Foto: Elis Regina Nogueira)

"A presença da casa de Manoel de Barros é simplesmente a presença de uma referência filosófica, estética, artística e política de um ser totalmente anti esse capitalismo que tá aí, anti esse atraso porque Manoel era um cara avante no seu tempo. Essa é uma casa de resistência, esse espaço não pode morrer porque é muito vivo e a gente sente a presença dele aqui", diz Elisa.

Convidada por Joel Pizzini, a atriz conta que não pensou duas vezes antes de aceitar participar da inauguração. E, destacando que é necessário apoios cada vez maiores, Elisa completa que a herança de Manoel precisa ser compartilhada com o público.

"As palavras de Manoel estão espalhadas por aqui, então, principalmente, o povo daqui tem que ocupar esse espaço e também trazer pessoas internacionalmente comprometidas com essa assunto, que é a poesia, a arte. O Manoel de Barros é um descuido dos vigilantes e uma graça de Deus", narra Elisa.

Atriz e poetisa, Elisa Lucinda participou da inauguração da casa de Manoel de Barros. (Foto: Aletheya Alves)
Atriz e poetisa, Elisa Lucinda participou da inauguração da casa de Manoel de Barros. (Foto: Aletheya Alves)
Ao lado de cartas e entrevistas cedidas ao jornalista Pedro Espíndola, fotografias tomaram parede. (Foto: Alex Machado)
Ao lado de cartas e entrevistas cedidas ao jornalista Pedro Espíndola, fotografias tomaram parede. (Foto: Alex Machado)

Responsável por parte do acervo doado para a casa, Pedro Espíndola conta orgulhoso sobre sua participação na criação da Casa-Quintal. Por ter sido amigo de muitos anos, o jornalista guarda inúmeras correspondências com Manoel.

Distribuídas pela casa, entrevistas feitas pelo jornalista e respondidas pelo poeta poderão ser conferidas pessoalmente pelo público.

Entrevistas assinadas pelo poeta foram cedidas por Pedro. (Foto: Alex Machado)
Entrevistas assinadas pelo poeta foram cedidas por Pedro. (Foto: Alex Machado)

"Eu, há 40 anos, junto coisas do Manoel, então o acervo que tenho não cabe nem 10% nessa casa. Trouxe muito pouca coisa para cá porque o espaço ainda não consegue receber mais coisas. E é importante compartilhar porque você fica muito vaidoso com todas as coisas sendo guardadas para você, então a ideia é disponibilizar esses itens para outras pessoas", diz Pedro.

Assim como Joel destacou em relação ao projeto de transformar a casa em um museu, Pedro argumenta que é necessário um trabalho intenso para manter as miudezas deixadas pelo amigo. "Ao longo do tempo, nós vamos conseguir transformar isso aqui em um museu, a exemplo de outros intelectuais do mundo que têm sua casa. Enquanto isso não acontece, para manter a chama acesa, criou-se esse projeto da Casa-Quintal".

Pedro Espíndola conta que cartas e entrevistas cedidas são pequena parte de seu acervo pessoal. (Foto: Alex Machado)
Pedro Espíndola conta que cartas e entrevistas cedidas são pequena parte de seu acervo pessoal. (Foto: Alex Machado)
Lupa auxilia no contato com cartas escritas também para Joel. (Foto: Alex Machado)
Lupa auxilia no contato com cartas escritas também para Joel. (Foto: Alex Machado)
Até os envelopes enviados pelo poeta foram inclusos no acervo disponível ao público. (Foto: Alex Machado)
Até os envelopes enviados pelo poeta foram inclusos no acervo disponível ao público. (Foto: Alex Machado)

Grupo de amigos do Manoel

Criada por um movimento de artistas e produtores de Mato Grosso do Sul e de todo o país, a Casa-Quintal foi tirada do papel com apoio do Sesc e também da Energisa. Realizado pela Fundação Nelito Câmara e Pólo Filme, o projeto também conta com o apoio cultural da Polca, Cine Café e Essência de Mato.

Na lista de artistas que aderiram a recriação da casa estão os escritores Raduan Nassar, Mia Couto, Eucanaã Ferraz, Sérgio Medeiros, Adalberto Müller; os cantores e compositores, Ney Matogrosso, Tetê Espíndola, Adriana Calcanhoto, Alzira Espíndola, Egberto Gismonti, João Guilherme Ripper e as atrizes e poetisas, Bruna Lombardi, Elisa Lucinda, Gleycielli Nonato Guató.

Já a idealização é de Silvestre de Barros, Pedro Espíndola e Ricardo Pieretti Câmara, com curadoria de Joel Pizzini, produção executiva de Juliana Domingos, direção de Arte de Mariana Villas-Bôas e Paula Bueno e uma equipe de colaboradores artísticos da cidade como Mary Saldanha, Casa Muxarabi, Thaís Pompêo, Roberta Siqueira, Renata Sibele e Bruno Atra.

Assim como em seus textos, formigas e caracóis também habitam a recriação do lar. (Foto: Alex Machado)
Assim como em seus textos, formigas e caracóis também habitam a recriação do lar. (Foto: Alex Machado)

Em breve, aberto ao público Com visitas guiadas, o público poderá agendar a visitação através da plataforma Sympla a partir do dia 28 de setembro. De acordo com os organizadores, a entrada irá custar R$ 35.

No local, haverá um espaço para que os visitantes aguardem o momento anterior à visita, uma vez que grupos de cinco pessoas irão permanecer nos espaços.

De acordo com a programação prevista, no dia 19 de outubro, o espaço terá participação da atriz e poetisa, Bruna Lombardi, que exibirá uma entrevista que fez para a TV nos anos 90 com o poeta na própria casa.

Para novembro, a atração confirmada é a cantora e compositora Tetê Espíndola, que fará um pocket show na casa com poemas musicados de Manoel de Barros.

Confira a galeria de imagens:

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