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Arquitetura

Vitrola à manivela é só uma das relíquias guardadas por Maria

Dona Maria nunca se casou e preserva tudo deixado pelos pais, do som aos móveis

Ângela Kempfer e Thailla Torres | 24/01/2022 13:15


Uma caixa completamente enferrujada, quase impossível de abrir, nas mãos de Dona Maria Pereira Borges funciona sem dificuldades. A vitrola à manivela, com mais de 100 anos, surge lá de dentro e, depois de uma limpeza rápida no disco, o som é "Chalana", na versão das Irmãs Galvão, um dos últimos vinis que sobraram na fazenda à beira da MS-060.

Quando o som começa, ela abre o sorriso, uma das poucas vezes durante a visita inesperada do Lado B, em uma tarde de sábado.

Vitrola à manivela é só uma das relíquias guardadas por Maria
Maria aponta para ela mesma na foto com os pais e os irmãos. (Foto: Ângela Kempfer)

“Jovem, ela era a que mais aproveitava a vitrola, dançando pela sala”, conta Guinomar, sobrinho de Maria e neto de Guilhermina Corrêa e de José Pereira Martins. Os avós deixaram Goiás para formar fazenda no antigo Mato Grosso. Ele morreu em 1900, depois de um acidente a cavalo. Ela, anos depois.

Muitas outras datas se perderam. Mas a contar o ano da morte do patriarca e a quantidade de filhos, 5 dos avós, a propriedade tem, no mínimo, 130 anos.

Os nomes vão e vem sem certeza na cabeça da senhora de 83 anos, mas o apego às lembranças fica evidente em cada cômodo.

A vitrola não é a única raridade na casa de 1940, construída por Elias Pereira, depois de anos de casamento com Izelina e dos 9 filhos viverem em uma “taperinha ali ao lado”, como chama a filha Maria.

Vitrola à manivela é só uma das relíquias guardadas por Maria
Na sala, o quadro antigo, com José e Izelina, os pais de Maria. (Foto: Ângela Kempfer)

Parte da madeira da primeira morada ainda segue em pé, mas como tocos da infância de Maria, que só passou a viver em casa de alvenaria quando tinha 1 ano e 8 meses. “Isso eu me lembro bem”, ressalta.

No prédio, quase tudo é original, as portas e janelas azuis, as cadeiras e a mesa verdes da cozinha, a última coberta com plástico para não desgastar.

No quarto, todas as camas são de ferro e têm a ferrugem que torna o cenário muito mais precioso. Dona Maria dorme na mais bonita, com uma cabeceira que dá vontade de levar para casa na hora.

Vitrola à manivela é só uma das relíquias guardadas por Maria
As malas sobre o guarda-roupa, de couro, mas envelhecidas pelo tempo. (Foto: Ângela Kempfer)
Vitrola à manivela é só uma das relíquias guardadas por Maria
As malas sobre o guarda-roupa, de couro, mas envelhecidas pelo tempo. (Foto: Ângela Kempfer)

Os armários de madeira maciça também duraram bem mais que uma vida, por, pelo menos, 2 gerações. Sobre um deles, as malas ainda são quadradas, de couro, como dos caixeiros viajantes das antigas.

Mas para os herdeiros da família Pereira, nada ali tem preço. São objetos e móveis da infância dos pais, comprados com muito esforço pelo avós, que chegaram por aqui há cerca de 150 anos.

Vitrola à manivela é só uma das relíquias guardadas por Maria
Dona Maria, na fachada da sede da fazenda, que no alto, lembra a data de construção: 1940. (Foto: Thailla Torres)

Na fazenda, dos nove filhos, apenas a caçula Maria segue forte, viva aos 83 anos e solteira. Teve um namorado, “mas não deu certo”, explica. Então, continuou ao lado dos pais até a despedida.

Depois de enfrentar 4 assaltos, o sobrinho Guinomar, hoje, mora com a esposa na propriedade e pede para que a localização não seja muito detalhada na reportagem, para evitar novos ataques.

Vitrola à manivela é só uma das relíquias guardadas por Maria
Casa é simples, mas cheia de recordações e relíquias. (Foto: Ângela Kempfer)
Vitrola à manivela é só uma das relíquias guardadas por Maria
Cadeira com estampa laranja, superviva, como a mãe de Maria gostava. (Foto: Ângela Kempfer)

A família, de uma simpatia simples e educação exemplar, pouco se lembra da história de toda aquela antiguidade. A memória de Maria, anda falhando.

Mas eles vão mostrando tudo com brilho nos olhos, a cristaleira que guardava a louça antiga, o armário da sala de jantar, restaurado por Guinomar, ainda com o tom vivo de azul, que contrasta com as cadeiras na cor laranja, compradas pela avó Izolina.

Vitrola à manivela é só uma das relíquias guardadas por Maria
O armário na sala de jantar, restaurado pelo sobrinho; o azul vivo contrasta com o desbotado da porta. (Foto: Ângela Kempfer)

Ao redor, mangueiras centenárias plantadas por José Pereira e gado, hoje fonte de sustento de Maria.

Mas dentre todos os móveis dignos de antiquário, o neto Guinomar faz questão de ir até o quintal e mostrar a cadeirinha de 100 anos, de ferro e madeira, que um dia parece ter sido azul. “Eu estou recuperando. Algumas das madeiras são originais, outras não, mas tem história, é a mais antiga daqui”, justifica.

E assim a família segue, no "meio do mato", enquanto os bisnetos de José e Izelina já pegaram o rumo da cidade.

Vitrola à manivela é só uma das relíquias guardadas por Maria
Guinomar se despede, com a mesma alegria que nos recebeu. (Foto: Thailla Torres)

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