Vitrola à manivela é só uma das relíquias guardadas por Maria
Dona Maria nunca se casou e preserva tudo deixado pelos pais, do som aos móveis
Uma caixa completamente enferrujada, quase impossível de abrir, nas mãos de Dona Maria Pereira Borges funciona sem dificuldades. A vitrola à manivela, com mais de 100 anos, surge lá de dentro e, depois de uma limpeza rápida no disco, o som é "Chalana", na versão das Irmãs Galvão, um dos últimos vinis que sobraram na fazenda à beira da MS-060.
Quando o som começa, ela abre o sorriso, uma das poucas vezes durante a visita inesperada do Lado B, em uma tarde de sábado.
“Jovem, ela era a que mais aproveitava a vitrola, dançando pela sala”, conta Guinomar, sobrinho de Maria e neto de Guilhermina Corrêa e de José Pereira Martins. Os avós deixaram Goiás para formar fazenda no antigo Mato Grosso. Ele morreu em 1900, depois de um acidente a cavalo. Ela, anos depois.
Muitas outras datas se perderam. Mas a contar o ano da morte do patriarca e a quantidade de filhos, 5 dos avós, a propriedade tem, no mínimo, 130 anos.
Os nomes vão e vem sem certeza na cabeça da senhora de 83 anos, mas o apego às lembranças fica evidente em cada cômodo.
A vitrola não é a única raridade na casa de 1940, construída por Elias Pereira, depois de anos de casamento com Izelina e dos 9 filhos viverem em uma “taperinha ali ao lado”, como chama a filha Maria.
Parte da madeira da primeira morada ainda segue em pé, mas como tocos da infância de Maria, que só passou a viver em casa de alvenaria quando tinha 1 ano e 8 meses. “Isso eu me lembro bem”, ressalta.
No prédio, quase tudo é original, as portas e janelas azuis, as cadeiras e a mesa verdes da cozinha, a última coberta com plástico para não desgastar.
No quarto, todas as camas são de ferro e têm a ferrugem que torna o cenário muito mais precioso. Dona Maria dorme na mais bonita, com uma cabeceira que dá vontade de levar para casa na hora.
Os armários de madeira maciça também duraram bem mais que uma vida, por, pelo menos, 2 gerações. Sobre um deles, as malas ainda são quadradas, de couro, como dos caixeiros viajantes das antigas.
Mas para os herdeiros da família Pereira, nada ali tem preço. São objetos e móveis da infância dos pais, comprados com muito esforço pelo avós, que chegaram por aqui há cerca de 150 anos.
Na fazenda, dos nove filhos, apenas a caçula Maria segue forte, viva aos 83 anos e solteira. Teve um namorado, “mas não deu certo”, explica. Então, continuou ao lado dos pais até a despedida.
Depois de enfrentar 4 assaltos, o sobrinho Guinomar, hoje, mora com a esposa na propriedade e pede para que a localização não seja muito detalhada na reportagem, para evitar novos ataques.
A família, de uma simpatia simples e educação exemplar, pouco se lembra da história de toda aquela antiguidade. A memória de Maria, anda falhando.
Mas eles vão mostrando tudo com brilho nos olhos, a cristaleira que guardava a louça antiga, o armário da sala de jantar, restaurado por Guinomar, ainda com o tom vivo de azul, que contrasta com as cadeiras na cor laranja, compradas pela avó Izolina.
Ao redor, mangueiras centenárias plantadas por José Pereira e gado, hoje fonte de sustento de Maria.
Mas dentre todos os móveis dignos de antiquário, o neto Guinomar faz questão de ir até o quintal e mostrar a cadeirinha de 100 anos, de ferro e madeira, que um dia parece ter sido azul. “Eu estou recuperando. Algumas das madeiras são originais, outras não, mas tem história, é a mais antiga daqui”, justifica.
E assim a família segue, no "meio do mato", enquanto os bisnetos de José e Izelina já pegaram o rumo da cidade.
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