Cordel em muro é homenagem a gente simples, mas importante
Muro de escola municipal no distrito de Anhanduí foi usado como espaço para ilustração e homenagem
Quem antes passava pela BR-163 em Anhanduí, distrito de Campo Grande, via uma escola com muros envelhecidos e sem cores. Hoje, após uma revitalização feita com ajuda da própria comunidade, o espaço se tornou uma homenagem para quem vem fazendo história no local.
Professor e poeta, Renato Dias Novaes, de 26 anos, foi quem teve a ideia de construir uma narrativa nos muros da escola em que dá aula. Ele conta que havia escrito um cordel sobre a vida em Anhanduí e, após ver no espaço uma oportunidade de homenagear o distrito e ainda incentivar o gosto pela Arte, decidiu se mobilizar para a revitalização.
“Nós fizemos a releitura de um cordel que eu tinha escrito e também colocamos alguns pontos de destaque de Anhanduí. Ficou bem relevante e foi bacana porque a própria comunidade foi colaborando para executarmos”, explica.
Nos muros da escola, além de trechos do texto, personagens que ficaram fixados nas lembranças de quem viveu no distrito também foram incluídos. “Citamos tanto as famílias quanto colocamos também alguns personagens e elementos. Temos, por exemplo, o Onésio, que vendeu doce na escola por muito tempo e todo mundo o conhece”, diz.
Além da homenagem, outro objetivo do professor foi manter um ar de nostalgia no distrito através das lembranças ilustradas.
Em conjunto com Renato, quem criou os desenhos e fez a pintura dos muros foi o estudante de Publicidade e Propaganda, Matheus Fernandes, de 18 anos. Morador de Campo Grande, ele conheceu Anhanduí pessoalmente através do convite do professor para que ele cuidasse da parte ilustrada.
Matheus relata que sempre gostou de trabalhar com arte e, por isso, foi convidado por Renato. “Fiz a releitura do cordel e passei para a parede. Foi uma parceria mesmo, tive várias ideias, mas como não conhecia Anhanduí, pedi ajuda e o professor foi sugerindo algumas ideias”.
Além do senhor que vendia doces, Matheus detalha que espaços também foram ilustrados, como o Clube do Laço. Para o estudante, mais do que ter feito um trabalho, a experiência foi importante tanto para ele quanto para quem contribuiu e irá aproveitar as ilustrações.
“Tivemos ajuda de outras pessoas também na pintura e no cotidiano. Achei uma experiência surreal mesmo, até porque foi diferente de tudo o que eu havia feito”.
Cordel de Anhanduí
Em sua poesia em formato de cordel, o professor apresenta Anhanduí como “um pedaço do céu”. Além de destacar algumas famílias tradicionais, que foram inseridas no muro, Renato ainda exemplifica como é a vida na cidade do interior.
No texto, o distrito é criado como um espaço de “gente honesta que vive a fazer o bem”, mas em meio às belezas do espaço, há também as curiosidades engraçadas. “Há também uns “caloteiro” que nunca paga ninguém. Muita conversa fiada, se alguém faz coisa errada, o povo aumenta cem.”
Para o professor, a construção de narrativas sobre a cidade é cada vez mais importante tanto para não deixar com que as histórias se percam quanto para garantir que toda a comunidade continue ligada à literatura.
Confira abaixo o cordel completo:
Eu uso a minha poesia
hoje em formato de cordel
para apresentar minha terra
que é um pedaço do céu
Minha pequena cidade
de tantas curiosidades
que eu escrevi no papel.
Um distrito que surgiu
lá na década de 50
conhecido e comentado
pelo doce e a pimenta.
Quem bebe da água daqui
sempre volta a Anhanduí
Certeza que se alimenta.
Aqui tem gente honesta
Que vive a fazer o bem
Há também uns caloteiro
que nunca paga ninguém.
Muita conversa fiada
se alguém faz coisa errada
o povo aumenta vezes cem.
Se quiser pagar um boleto
tenho uma história para contar
você tem que chegar antes
do limite acabar.
Banco aqui é raridade
procure outra cidade
se o dinheiro quiser sacar.
É engraçado e preocupante
o que eu vou contar a vocês
Esse fato curioso que acontece toda vez
Coincidência permanente
fica um ano sem morrer gente
mas quando morre é uns cinco ou seis.
Aqui é terra de famílias
de histórias tradicionais
Tem os Nantes, Oliveiras, os Silvas, os Novaes
Os Lima, Melo e Martins
É uma lista sem fim de sobrenomes especiais.
Esse é o cordel de Anhanduí
Que entre riquezas e dificuldades
é terra de gente guerreira
que é feliz de verdade.
Se um dia muda, eu não sei
o fato é que eu sempre terei
orgulho dessa cidade.
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