Em clipe, grupo do Tiradentes usa a música para "peitar" parte suja da polícia
Eles não tem vergonha de dizer que as tatugens fazem parte da imagem de rappers que eles ostentam no palco, “igual os sertanejos que usam a calça apertada”, brinca Neco, um dos integrantes do grupo Locoleste. Também não têm medo de fazer críticas aos comportamentos que eles consideram abusivos da polícia em Campo Grande.
O grupo de rap lançou na semana passada o clipe da música “Eu quero Money”, em que os integrantes cantam em vários pontos da cidade os problemas que eles observam no cotidiano e, principalmente, no bairro onde a maioria mora atualmente, o Tiradentes, talvez mais conhecido no rolê como Tirão.
Na gravação, foram para frente de uma unidade da Polícia Militar para dar uma banana para a polícia, mas usando uma expressão bem menos inocente. Também repetem frases do tipo "desejo a todos os porcos fardados que caiam no chão".
O Lado B ficou curioso para saber se isso é só coisa do estilo rebelde do rap, da modinha revolucionária, ou se os meninos realmente desenvolveram essa repulsa contra as instituições, como em grandes cidades, por conta do abuso policial.
O Locoleste é formado por Paulo Alexandre Morais, o Woompa, Gabriel de Souza Pereira da Silva, o Neco, Matheus Leonel, o Yuli, Fábio Henrique Benites, o Loco Lov e o DJ Prato, também conhecido como Juliano Caldeirão.
Os músicos começaram a carreira quando Paulo se mudou de Ponta Porã para Campo Grande, em 2012. Depois de conhecer Neco, os dois criaram ao lado de Yule o Som da Rua, que anos mais tarde se formaria em Locoleste. Agora sem empresários ou produtores, eles tem uma agenda de show até o final do ano, que inclui uma apresentação no Festival Engenharia do Som neste final de semana e em dezembro no Debate Político das Américas em prol das Emergências Mundiais, no Rio de Janeiro. Para manter tudo em ordem, eles tocam o negócio sozinhos, para controlar os rendimentos e gastos mais de perto. “Isso já virou uma empresa”, diz Paulo.
Confira a entrevista com os meninos do Locoleste:
Lado B: Em que momento vocês perderam a confiança na policia?
Paulo: Desde sempre. Não é só nós, a gente não fala só por nós. Nem as senhoras de idade gostam da polícia. Eles nem querem saber se existe ou não algo, eles vão meter o pé na porta, revirar tudo, deixar tudo bagunçado. Mesmo coisa que aconteceu no aniversário do meu pai, invadiram a nossa casa, levaram eu, não tinha nada, aniversário da minha mãe, cantando parabéns e tive de deixar minha coroa só com o bolo lá.
Lado B: Isso foi recente?
Paulo: Deve ter 1 ano.
Neco: O que não nos contenta é que o serviço não está sendo bem feito pela maioria dos policiais.
Paulo: Eles arriscam a vida deles trabalhando, se eles só mantivessem a paz e a ordem, do jeito que eles são pagos para fazer estava suave, mas eles trabalham sob pressão, e é isso que a gente tenta passar. A gente tem um público grande e se a gente cantar isso pelo menos atinge o nosso público.
Lado B: Vocês já foram presos?
Neco: Antes do rap todo mundo mexia com o crime. Essa é a verdade, antes do rap, a gente pode dizer que literalmente todo mundo foi salvo graças a Deus e ao rap. O problema da polícia que a gente fala que tem é de agora que a gente faz o nosso som e a gente começou a ser atingido. Como nosso som faz sucesso, chegou neles, porque todo os músicos de rap falam sobre a polícia, mas a gente começou a ter uma repercussão maior aqui na cidade e chegou no ouvido deles. Já chegou aqui em casa a Policia Civil, não é a Militar. Civil bater aqui no portão de casa, enquadrando e perguntando 'vocês estão fazendo som da polícia, se vocês não pararem a gente vai fazer vocês pararem”. A gente estava tocando no dia que o Rockers (bar) fechou. Os caras entraram, mandaram a gente parar, tiraram mais de 200 pessoas da casa e deixaram só nós cinco no palco, chamaram a gente para interrogatório da Cepol, se a gente não tivesse ido com advogado, a gente teria se ferrado.
Paulo: Isso só faz a gente querer trabalhar mais.
Lado B: Todo policial é ruim?
Neco: Sabe o que eu penso? Acho que eu posso falar por todos nós. Nós nunca tivemos nada contra a boa corporação da polícia. A gente nunca quis agredir os bons policiais que existem no meio desses tantos que são maus. Do mesmo jeito que a polícia não tem que ter ódio de bons cidadãos, pode ser que ele possa ter ódio de bandido, porque esse é o trabalho dele, pegar o bandido. Mas, a gente não tem que também gostar do mau policial, do policial assassino, do policial que vem aqui e bate nos moleques. Do policial que vai lá e coloca droga para você se f*. O que a gente só queria que a polícia entendesse é que a gente não vai parar de falar do lado mal, do lado sujo, então se o policial for bom.
Paulo: Ele não vai se ofender com o nosso trabalho. A gente não faz o som para atingir a parte boa da corporação. Isso acontece em tudo, do mesmo jeito que tem grupo de rap que é bom e grupo de rap que só faz cagada. A gente sabe que tem policial que é bom e tem policial que faz cagada, infelizmente é a maioria, por isso que eles se doem, se eles fossem policial bom, não fosse corrupto, eles não iriam se importar, se sentir atingido, porque a gente está fazendo o som para a parte podre do sistema, a partir do momento que eles se doem é porque eles são a parte podre do problema.
Lado B: A letra de vocês chega nessas pessoas que têm dificuldade em lidar com a polícia, que já perdeu essa confiança no sistema, mesmo em Campo Grande?
Neco: Campo Grande, principalmente, porque é a cidade que a gente vive, que estamos trabalhando há quatro anos praticamente. Atingiu bastante, o público do rap, alternativo, já atingiu 99% por assim dizer. O que falta é atingir os outros públicos, o eletrônico, por exemplo, e os outros que vão derivando, o funk, que nós trabalhamos bastante também.
Lado B: O clipe foi gravado em várias áreas da cidade?
Paulo: Isso, eu e o Neco mesmo que está trabalhando com captação e edição, mas ainda estamos aprendendo, não somos monstros na edição. A gente estava sem produção, não tinha ninguém para fazer pra gente e resolvemos fazer, foi mais fácil e mais rápido.
Lado B: A letra fala bastante sobre essa questão urbana, o cotidiano e a vida de vocês, principalmente com referências ao Tiradentes. É uma composição de vocês?
Neco: Só tocamos som autoral, nunca fizemos cover.
Paulo: Nós fizemos na raça, foi freestyle, não foi escrito, faltava um som para o nosso EP, pegamos esse som na hora e gravamos na hora, tá ligado?
Lado B: Vocês já gostavam de tatuagem?
Neco: Não, a gente não tinha nenhuma em 2012, mas o Lov era tatuador iniciante e ele precisava de cobaia, então nós já começamos com bastante, só que depois todo mundo decidiu se tatuar.
Paulo: Todo mundo decidiu se tatuar pela questão da imagem, né. Você vende a imagem. A gente trabalha com isso e não tem como subir no palco para fazer um rap e você ser diferente. No caso, nós somos todos parecidos, um exemplo, se eu subisse no palco diferente, sem nenhuma tatuagem talvez não teria a mesma repercussão que se tem hoje, às vezes soltar um clipe.
Neco: Do mesmo jeito que um cantor de sertanejo tem que estar com a calça apertada e uma bota da hora, de couro, vai dar um impacto, esse cara canta sertanejo.
Veja o clipe do Locoleste: