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Artes

Em clipe, grupo do Tiradentes usa a música para "peitar" parte suja da polícia

Naiane Mesquita | 01/12/2015 06:34
Neco, Paulo (woompa) e Dj Prato em casa, no Tiradentes (Fotos: Fernando Antunes)
Neco, Paulo (woompa) e Dj Prato em casa, no Tiradentes (Fotos: Fernando Antunes)

Eles não tem vergonha de dizer que as tatugens fazem parte da imagem de rappers que eles ostentam no palco, “igual os sertanejos que usam a calça apertada”, brinca Neco, um dos integrantes do grupo Locoleste. Também não têm medo de fazer críticas aos comportamentos que eles consideram abusivos da polícia em Campo Grande.

O grupo de rap lançou na semana passada o clipe da música “Eu quero Money”, em que os integrantes cantam em vários pontos da cidade os problemas que eles observam no cotidiano e, principalmente, no bairro onde a maioria mora atualmente, o Tiradentes, talvez mais conhecido no rolê como Tirão.

Na gravação, foram para frente de uma unidade da Polícia Militar para dar uma banana para a polícia, mas usando uma expressão bem menos inocente. Também repetem frases do tipo "desejo a todos os porcos fardados que caiam no chão".

O Lado B ficou curioso para saber se isso é só coisa do estilo rebelde do rap, da modinha revolucionária, ou se os meninos realmente desenvolveram essa repulsa contra as instituições, como em grandes cidades, por conta do abuso policial.

O Locoleste é formado por Paulo Alexandre Morais, o Woompa, Gabriel de Souza Pereira da Silva, o Neco, Matheus Leonel, o Yuli, Fábio Henrique Benites, o Loco Lov e o DJ Prato, também conhecido como Juliano Caldeirão.

Os músicos começaram a carreira quando Paulo se mudou de Ponta Porã para Campo Grande, em 2012. Depois de conhecer Neco, os dois criaram ao lado de Yule o Som da Rua, que anos mais tarde se formaria em Locoleste. Agora sem empresários ou produtores, eles tem uma agenda de show até o final do ano, que inclui uma apresentação no Festival Engenharia do Som neste final de semana e em dezembro no Debate Político das Américas em prol das Emergências Mundiais, no Rio de Janeiro. Para manter tudo em ordem, eles tocam o negócio sozinhos, para controlar os rendimentos e gastos mais de perto. “Isso já virou uma empresa”, diz Paulo.

Paulo é um dos fundadores do grupo e nasceu em Ponta Porã (Foto: Fernando Antunes)
Paulo é um dos fundadores do grupo e nasceu em Ponta Porã (Foto: Fernando Antunes)

Confira a entrevista com os meninos do Locoleste:

Lado B: Em que momento vocês perderam a confiança na policia?

Paulo: Desde sempre. Não é só nós, a gente não fala só por nós. Nem as senhoras de idade gostam da polícia. Eles nem querem saber se existe ou não algo, eles vão meter o pé na porta, revirar tudo, deixar tudo bagunçado. Mesmo coisa que aconteceu no aniversário do meu pai, invadiram a nossa casa, levaram eu, não tinha nada, aniversário da minha mãe, cantando parabéns e tive de deixar minha coroa só com o bolo lá.

Lado B: Isso foi recente?

Paulo: Deve ter 1 ano.

Neco: O que não nos contenta é que o serviço não está sendo bem feito pela maioria dos policiais.

Paulo: Eles arriscam a vida deles trabalhando, se eles só mantivessem a paz e a ordem, do jeito que eles são pagos para fazer estava suave, mas eles trabalham sob pressão, e é isso que a gente tenta passar. A gente tem um público grande e se a gente cantar isso pelo menos atinge o nosso público.

Lado B: Vocês já foram presos?

Neco: Antes do rap todo mundo mexia com o crime. Essa é a verdade, antes do rap, a gente pode dizer que literalmente todo mundo foi salvo graças a Deus e ao rap. O problema da polícia que a gente fala que tem é de agora que a gente faz o nosso som e a gente começou a ser atingido. Como nosso som faz sucesso, chegou neles, porque todo os músicos de rap falam sobre a polícia, mas a gente começou a ter uma repercussão maior aqui na cidade e chegou no ouvido deles. Já chegou aqui em casa a Policia Civil, não é a Militar. Civil bater aqui no portão de casa, enquadrando e perguntando 'vocês estão fazendo som da polícia, se vocês não pararem a gente vai fazer vocês pararem”. A gente estava tocando no dia que o Rockers (bar) fechou. Os caras entraram, mandaram a gente parar, tiraram mais de 200 pessoas da casa e deixaram só nós cinco no palco, chamaram a gente para interrogatório da Cepol, se a gente não tivesse ido com advogado, a gente teria se ferrado.

Paulo: Isso só faz a gente querer trabalhar mais.

Lado B: Todo policial é ruim?

Neco: Sabe o que eu penso? Acho que eu posso falar por todos nós. Nós nunca tivemos nada contra a boa corporação da polícia. A gente nunca quis agredir os bons policiais que existem no meio desses tantos que são maus. Do mesmo jeito que a polícia não tem que ter ódio de bons cidadãos, pode ser que ele possa ter ódio de bandido, porque esse é o trabalho dele, pegar o bandido. Mas, a gente não tem que também gostar do mau policial, do policial assassino, do policial que vem aqui e bate nos moleques. Do policial que vai lá e coloca droga para você se f*. O que a gente só queria que a polícia entendesse é que a gente não vai parar de falar do lado mal, do lado sujo, então se o policial for bom.

Paulo: Ele não vai se ofender com o nosso trabalho. A gente não faz o som para atingir a parte boa da corporação. Isso acontece em tudo, do mesmo jeito que tem grupo de rap que é bom e grupo de rap que só faz cagada. A gente sabe que tem policial que é bom e tem policial que faz cagada, infelizmente é a maioria, por isso que eles se doem, se eles fossem policial bom, não fosse corrupto, eles não iriam se importar, se sentir atingido, porque a gente está fazendo o som para a parte podre do sistema, a partir do momento que eles se doem é porque eles são a parte podre do problema.

Neco conheceu Paulo em 2012 e montou o grupo (Foto: Fernando Antunes)
Neco conheceu Paulo em 2012 e montou o grupo (Foto: Fernando Antunes)

Lado B: A letra de vocês chega nessas pessoas que têm dificuldade em lidar com a polícia, que já perdeu essa confiança no sistema, mesmo em Campo Grande?

Neco: Campo Grande, principalmente, porque é a cidade que a gente vive, que estamos trabalhando há quatro anos praticamente. Atingiu bastante, o público do rap, alternativo, já atingiu 99% por assim dizer. O que falta é atingir os outros públicos, o eletrônico, por exemplo, e os outros que vão derivando, o funk, que nós trabalhamos bastante também.

Lado B: O clipe foi gravado em várias áreas da cidade?

Paulo: Isso, eu e o Neco mesmo que está trabalhando com captação e edição, mas ainda estamos aprendendo, não somos monstros na edição. A gente estava sem produção, não tinha ninguém para fazer pra gente e resolvemos fazer, foi mais fácil e mais rápido.

Lado B: A letra fala bastante sobre essa questão urbana, o cotidiano e a vida de vocês, principalmente com referências ao Tiradentes. É uma composição de vocês?

Neco: Só tocamos som autoral, nunca fizemos cover.

Paulo: Nós fizemos na raça, foi freestyle, não foi escrito, faltava um som para o nosso EP, pegamos esse som na hora e gravamos na hora, tá ligado?

Locoleste completo e reunido
Locoleste completo e reunido

Lado B: Vocês já gostavam de tatuagem?

Neco: Não, a gente não tinha nenhuma em 2012, mas o Lov era tatuador iniciante e ele precisava de cobaia, então nós já começamos com bastante, só que depois todo mundo decidiu se tatuar.

Paulo: Todo mundo decidiu se tatuar pela questão da imagem, né. Você vende a imagem. A gente trabalha com isso e não tem como subir no palco para fazer um rap e você ser diferente. No caso, nós somos todos parecidos, um exemplo, se eu subisse no palco diferente, sem nenhuma tatuagem talvez não teria a mesma repercussão que se tem hoje, às vezes soltar um clipe.

Neco: Do mesmo jeito que um cantor de sertanejo tem que estar com a calça apertada e uma bota da hora, de couro, vai dar um impacto, esse cara canta sertanejo.

Veja o clipe do Locoleste:

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