Em luta para se identificar nas telas, teste para negros é vitória
Atores e diretor contam sobre importância de produções audiovisuais serem ocupadas pela população negra
Quando o diretor Felipe Lourenço contou que mais de 108 pessoas haviam se inscrito para a seleção de seu curta-metragem, “Karma”, quem esperava para fazer o teste fez questão de bater palmas para mostrar que a vitória já vem, de uma forma ou de outra, coletivamente. “Isso não é um mérito meu, quem ganha é o movimento negro”, resumiu o diretor sobre o processo envolvendo apenas atores negros.
Apesar dos mais de cem inscritos, cerca de metade compareceu à Plataforma Cultural Teatro do Mundo nesta terça-feira (23) para fazer o teste. Do total, 12 atores, que não precisavam necessariamente ter experiência, serão convocados nos próximos dias.
Explicando sobre a escolha de selecionar apenas artistas negros, Felipe introduz que esse é um movimento que vem ganhando ainda mais força no cinema.
Existe um movimento chamado Blaxploitation que tem atores coadjuvantes e protagonistas, todos negros. No cinema norte-americano, o Blaxpoitation reforça estereótipos de como a comunidade não-negra enxerga os negros. Eles se apropriam dessa ideia para si e ressignificam ela para fazer o que quiserem com os próprios papéis", explica o diretor.
Em seu trabalho, ele comenta que algo parecido será executado. “No Karma, por ser o Blaxploitation só com atores negros, eu coloco eles em situações em que normalmente a gente teria um tremendo cuidado e melindre por viver em uma sociedade estruturalmente racista. O cinema e a publicidade estão entendendo agora como é trazer essas pessoas para a tela porque até então não existia”.
Aos olhos de Lourenço, tudo isso culmina, geralmente, em um processo de pensar sobre quais são os papéis válidos para cada pessoa. “No Karma, a gente faz diferente. É um filme para a gente mostrar que podemos estar no papel em que a gente quiser”.
De acordo com o diretor, os protagonistas são pessoas que possuem problemas de fato e que não são mocinhos.
“Ao mesmo tempo, não são estereotipados, como ocorre com o sempre marginalizado que está buscando resolver a vida através do crime, não é isso. São problemas do cotidiano e a gente se aproveita dessas brechas que o cotidiano dá. Ao meu ver, se fosse qualquer outro diretor, teria uma preocupação imensa de colocar protagonistas negros para se furtarem, por exemplo, para não reforçar esse tipo de estereótipo”, comenta Lourenço.
Aos olhos de quem esperava para ouvir seu nome e entrar no café para fazer a entrevista, a seleção de Lourenço é muito mais do que algo simples. “Aqui, em Campo Grande, são poucos momentos em que você vê o movimento negro reunido com coisas específicas para negros”, explica o DJ e ator Ronaldo Damasio.
Para ele, que é do Rio de Janeiro, mas vive em Campo Grande, estados e cidades com população majoritariamente e que possuem uma história mais vinculada ao movimento estão bastante à frente, como a Bahia, por exemplo, e seu estado natal.
“Nós não vemos muito disso aqui, então foi até por isso que vim. Sou ator profissional, trabalhei por quase 20 anos na área até que decidi mudar de profissão”, explica Damasio.
Buscando sua primeira experiência no ramo, o jornalista Gabriel Garcia conta que ver oportunidades como a do curta é um alívio. “Acho que a gente precisa ter mais coisas que destaquem as pessoas pretas. Quando fiquei sabendo, me animei bastante. Já fiz outro teste parecido com esse, então resolvi tentar”.
Em seu caso, ela narra que os treinamentos foram em casa, em frente ao espelho, para se preparar para a tarde de terça-feira.
Cantora, Danielle Cristinne também fez questão de integrar a listagem de seleção para o curta de Lourenço. Já tendo feito aulas de teatro, ela comenta que essa é sua primeira tentativa de aparecer nas telonas.
“Aqui em Campo Grande está se desenvolvendo esse movimento e acho muito importante, ainda mais com financiamento público. É uma vitória mesmo para a gente”, completa.
Karma
Em relação ao filme, Lourenço comenta que a previsão é de que ele seja apresentado ao público, em praça, gratuitamente, já em abril.
“A exibição vai ser em praça pública, em um dia de feira com bastante movimento na cidade. Vamos usar a estrutura do TransCine, que é um cineclube”, diz. E, completando, ele pontua que o curta possui financiamento do Fundo de Investimento Cultural de Mato Grosso do Sul.
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