Música de 80 anos que virou um dos hinos de MS ganha versão em terena
Consagrada na voz de Almir Sater, Chalana ganhou tradução para a língua materna pelo inspetor Januário
São oito décadas de Chalana, a primeira música a falar da paisagem que até então pertencia a um só Mato Grosso. Foi vendo a chalana navegando pelo Rio Paraguai, do quarto de um hotel em Corumbá, que Mário Zan compôs a canção, em 1943.
Segundo o pesquisador, músico e jornalista, Rodrigo Teixeira, a composição foi primeiro instrumental, e depois recebeu a letra com Arlindo Pinto.
Consagrada na voz de Almir Sater, Chalana ganhou tradução para a língua materna pelo inspetor de alunos Januário Terena, o Janu Terena. Já nascido sul-mato-grossense, Janu tem 43 anos de vida, três a menos do que Mato Grosso do Sul comemora hoje.
Terena, da aldeia Cachoeirinha, em Miranda, durante a pandemia da covid-19 veio a vontade de “brincar” com as palavras, e estudar a fundo para fazer a tradução.
“Quis fazer a tradução por ser uma música regional. A Professora Denise, uma mestre que sempre visita a gente, me cutucou a fazer. Disse que eu precisava começar, aí me lembrei do Almir Sater”, conta Janu.
De lá pra cá, Janu não só apresenta aos visitantes que chegam à Cachoeirinha, que foi como a Setescc conheceu a canção em terena, durante passagem de uma caravana de pesquisadores da UFMS, UFMG e Harvard, junto da secretária-adjunta de Turismo, Esporte, Cultura e Cidadania, Viviane Luiza, pela aldeia, como também ensina aos alunos da escola onde trabalha.
“Quando eu traduzo, eu entro no meio da música, eu vejo o que ela quer transmitir? E vou conhecendo a realidade, porque assim fica mais fácil para mim traduzir ela”, explica. Janu recorre ao contexto linguístico e à propriedade com que fala da língua terena ao dizer que algumas palavras do português são grandes demais em terena ou vice-e-versa.
“Tem que achar uma rima para essa palavra e encaixar certinho, é todo um contexto e uma tradução literária. Porque tem palavras que não existem em terena, outras que não acha em português”, reforça.
A professora Denise Silva, linguista e uma das fundadoras do Ipedi (Instituto de Pesquisa da Diversidade Intercultural), a quem Januário atribui o incentivo para a tradução, relembra esta memória ancestral dos povos e culturas indígenas na história desde o então Mato Grosso, até mesmo na manutenção do território brasileiro diante da Guerra no Paraguai, e enxerga como estratégia de salvaguardar a língua terena a tradução das canções.
Denise Silva explica que diante do risco iminente da perda das línguas indígenas pela pressão da língua de contato, influências de música, televisão, material didático, todo sistema financeiro, jurídico, de saúde, educação, tudo estar em língua portuguesa, o que faz com que automaticamente os falantes tenham a necessidade maior de falar o português em vez do indígena,o que Januário faz é fortalecer o idioma materno.
“A gente vem buscando no Ipedi, desde 2012, valorizar, fortalecer e influenciar as jovens lideranças no uso da língua indígena em todos os espaços. E um exemplo disso é o trabalho que o Januário vem fazendo como músico, como indígena, tanto na questão da dança, como no artesanato, na música”, ressalta a professora.
Além de Chalana, Janu foi o primeiro a traduzir o Hino de Mato Grosso do Sul para a língua terena no lançamento do programa MS Alfabetiza Indígena, e tem no currículo canções desde os “hinos” regionais aos cânticos da igreja.
“Vateke”
A 222 quilômetros de onde foi composta, Chalana virou “Vateke”. “Chalana é uma palavra que todo mundo conhece, mas chalana mesmo não existe em terena. Pesquisando com o professor qual palavra encaixaria certinho, chegamos no Vateke, que é um barquinho, a gente puxou assim”, explica Janu.
Questionado se prefere a versão em terena ou em português, o indígena responde sem titubear. “Ah, ela é mais bonita em terena”, e ainda brinca que quer cantar sua versão ao lado de Almir Sater.
Abaixo, a versão de A Chalana traduzida por Januário Terena:
Pihone vateke ako malika yonoku,kouhe’ekovo vekea ya huveona kaxeono.
Koeku pihea vateke koane xunayea eombone,hiyeu une uhe’ekoti evekopeonu ominjone. (2x)
Enone koe pihea ako kali ikapunu, vateke koeku pihea ya vekoku huveo,apetimea Ikotiveu akoikopo ngixoaku,undi vaherexinoa ongo’okea omixone.
Enone koe pihea ako kali ikapunu,vateke koeku pihea ya vekoku huveo, Apetimea ikotiveu akoikopo ngixoaku undi vaherexinoa ongo’okea
Omixone, undi vaherexinoa ongo’okea omixone.
*Paula Maciulevicius Brasil é jornalista e assessora na Setesc (Secretaria de Estado de Turismo, Esporte, Cultura e Cidadania)
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