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Artes

Ópera leve e descomplicada pelo riso traz novo olhar sobre autismo

Alessandra Maestrini e Mirna Rubim encerram a temporada em apresentação única aqui em Campo Grande no dia 3 de novembro

Kimberly Teodoro | 03/11/2018 08:08
Alessandra Maestrini chegou em Campo Grande na madrugada de quinta-feira.
Alessandra Maestrini chegou em Campo Grande na madrugada de quinta-feira.

Mirna Rubim, na pele da professora Leonor Delis, uma diva em declínio encara a aluna, Sarah Leighton, interpretada por Alessandra Maestrini: “Você não pode fazer isso, você não pode dar um passo maior que a sua perna!” e a resposta de Sarah impacta a plateia com reações diversas: “Desde quando você conhece o tamanho da minha perna?”

Quantas vezes, a frase que saí dos lábios de Sarah representou exatamente os sentimentos de cada um nós em momentos decisivos da vida? O trecho é do musical "O som e a Sílaba", que terá a última apresentação aqui em Campo Grande, depois de 1 ano rodando o país no dia 3 de novembro do Centro de Convenções Rubens Gil de Camillo, às 20h.

Alessandra Maestrini chegou em Campo Grande na madrugada desta quinta-feira, 1º de novembro, e Mirna Rubim chegou pela manhã, para o que promete ser um ritmo intenso de trabalho entre entrevistas com a imprensa, transformadas em bate-papo descontraído e os preparativos para o espetáculo receberam o Lado B no hotel em que estão hospedadas para falar sobre o musical.

Alessandra interpreta Sarah Leighton. (Foto: Divulgação)
Alessandra interpreta Sarah Leighton. (Foto: Divulgação)

A comédia de Miguel Falabella, escrita especialmente para Alessandra e Mirna tem o texto que o autor considera o melhor já escrito por ele em anos de carreira traz a discussão sobre autismo, com a personagem Sarah, diagnosticada com síndrome de asperger, usando leveza e bom humor como cúmplices da ópera, quebrando barreiras entre o considerado cultura erudita e popular.

"Como você consegue pegar um tema como Autismo, e fazer isso ser engraçado, sem ser desrespeitoso e ao mesmo tempo ser divertido, leve e interessante para todo mundo? Porque você ri com, você não ri de", explica Alessandra.

Principalmente, a peça fala sobre como é importante acreditar no próprio sonho, e de como quem está em volta acreditar nos sonhos de dos outros, independe das diferenças, são situações que assim como o trecho que abriu essa matéria trazem identificação com o público em momentos em que é necessário "mostrar pra si mesmo que a gente é muito mais do que se imagina". 

No enredo, duas mulheres com experiências de vida completamente opostas, com as próprias convicções e jeitos de ver o mundo. De um lado Sarah, que tem dificuldade de lidar com o mundo e se coloca em uma postura de quem está disposto a tentar e de outro lado, Leonor que depois de uma fase difícil na vida pessoal e profissional constrói barreiras para esse mesmo mundo que Sarah está tentando conhecer.

"Eu, como Leonor, demoro muito a ceder, porque imagina, chega essa pessoa diferente, oposta na minha sala, querendo ajuda, dizendo que canta e a primeira reação é querer uma prova de que isso é verdade. Quando ela canta, eu perco a reação e o primeiro pensamento é "gente o que essa menina esquisita, que canta pra caramba, o que eu faço com ela?" Não sei lidar com isso. Sou uma professora, que na verdade, é uma cantora lírica que estava dando aula porque está em final de carreira. Mas ela não é uma professora, é uma diva. Quando entro em contato com esse universo dela, ao mesmo tempo ela entra no meu começamos a criar essa troca de cor. Mudamos de cor, começamos soturnas e vai ficando aberto, claro, alegre, é maravilhoso e todo mundo se identifica, todo mundo quer isso, alguém que ajude você a mudar", conta Mirna. 

Alessandra complementa: "Quando as pessoas leem a sinopse da peça, acham que a professora é que vai ajudar a aluna, mas ao longo da peça vemos que na verdade é a aluna que muda totalmente a vida da professora. Vemos muito isso nas famílias que convivem com a síndrome, como isso transforma a vida dos neuro-típicos, a gente sabe hoje que quase todas as descobertas do mundo, da humanidade, foram feitas por aspergeres e existe uma maneira de transformar o mundo que só essas pessoas possuem".

Mirna Rubim, na pele da professora Leonor Delis, uma diva em declínio encara a aluna, Sarah Leighton.
Mirna Rubim, na pele da professora Leonor Delis, uma diva em declínio encara a aluna, Sarah Leighton.

Nos poucos minutos de entrevista, Alessandra se mostrou uma pessoa profunda e mutável, que fala da peça e das opiniões sobre o assunto de maneira enfática demonstrando logo de cara a versatilidade do palco, enquanto Mirna é pura emoção e gargalhadas, com a leveza e intensidade que só quem sabe usar o canto para dar voz a alma é capaz.

As atrizes se conhecem há anos, em uma relação muito próxima a vivida pelas personagens, mesmo fora dos palcos ou talvez principalmente fora dos palcos é notável a sinergia entre as duas, o que gerou situações cômicas durante os primeiros ensaios da peça, como por exemplo "regular" a intimidade das duas no começo da peça, em que Mirna precisa ser resistente à Alessandra.

"Trabalhamos muito com a direção para encontrar a medida certa, em vários momentos durante o ensaio a Alessandra dizia que eu estava sendo muito fofa, muito gentil para quem com uma postura tão rígida quando a Leonor no começo da peça. Até que em um dos ensaios ela chegou para mim e disse que havíamos passado do ponto e que eu estava sendo muito grossa e havia me esforçado de mais, mas é só olhar para ela e ouvir essa voz, como não ser fofa?", conta Mirna.

Outra preocupação foi a maneira como tratar o tema com propriedade, mesmo sem "viver" a realidade de um asperger, Alessandra conta que no começo fez laboratório com a cineasta Júlia Balducci, "Conversei com ela, li o texto com ela, perguntei tudo o que eu queria saber, eu observei, identifiquei onde eu me identificava com aquilo, o que eu conseguia sacar de dentro dela e aí eu trouxe a energia toda de dentro dela para o palco de tal maneira que os amigos dela quando veem assistir falam “vem cá, você está fazendo a Júlia, né?”

Contentes, atrizes falaram um pouco sobre estarem em Campo Grande.
Contentes, atrizes falaram um pouco sobre estarem em Campo Grande.

E foi dessa proximidade que a atriz entendeu que sabia sim, do que se tratava o tema e compreendeu que era capaz de falar com propriedade sobre ele. Apesar de toda a discussão sobre a síndrome de asperger, o texto fala sobre humanidade, com o ser humano sob os holofotes, o respeito às diferenças e o quanto ser único é especial. Principalmente aceitar ser diferente e a partir daí conquistar o mundo.

"Na peça tem uma cena que ela faz isso, ela está no palco recitando um poema e de repente ela vê na plateia alguém que está digitando no celular. Nós como artistas nos deparamos com isso no teatro às vezes, quando estamos fazendo apresentações tem gente que leva o celular pro teatro e a gente fala 'como assim cara? Você comprou o ingresso, você saiu de casa, veio ao teatro pra ter uma transa ao vivo e você vai fazer a transa pelo skype?' Gente que fica filmando a peça e você pensa, 'bicho, eu tô aqui'. É pra viver o agora meu bem. O mundo está um pouco autista nesse sentido da não relação, eles estão loucos para entrar em contato, a gente é que não se abre", diz Alessandra.

"Falamos muito sobre a amorosidade, estamos em um momento virtual e a relação da Sarah com a Leonor resgata a afetividade, a relação, o falar olho no olho, o se conhecer, que hoje está meio esquisito. E cada vez que vivo o texto, eu me sinto uma pessoa mais amorosa", completa Mirna.

Alessandra ressalta que as pessoas não se devem deixar assustar pela ópera, pela música clássica que muitas vezes é estereotipada como algo fora da realidade,difícil de entender, que ao se abrir para a música as pessoas podem encontrar familiaridade e que a comédia está ali para fazer esse intermédio. "A peça é como uma canção, em que as pessoas saem com a letra de cor. A peça entra na pessoa como se fosse uma música, porque é muito verdadeira, é de um tema que gera muita identificação".

O valor dos ingressos varia de R$ 60,00 para lugares no setor D até R$ 100,00 para os lugares no setor A. Para compras, clique aqui.

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