Sepultamento de Manoel de Barros é tão simples como vida que desejou ter
Simples, cercado de amigos e parentes. Assim como foram os 97 anos de vida, o poeta Manoel de Barros se despediu sem pompa, mas com amor. O caixão foi fechado às 18h10. Minutos depois, às 18h25, tudo já havia terminado
Lágrimas, sim, mas predominaram as boas lembranças e silêncio reverente, quebrado apenas pelas palmas dedicadas ao poeta. Quando não havia silêncio, ouvia-se de sua bondade e suas histórias. Ouvia-se sua poesia.
Poesia com poder para atrair de pessoas simples a gente conhecida. Ali estava gente de destaque no cenário cultural de Mato Grosso do Sul, com cargos importantes, e muitos daqueles que o acompanharam nas fazendas do Pantanal. Amigos da lida no campo, como Fernando Martins Coimbra, o Mineiro, de 60 anos de idade, dos quais 54 foram dedicados ao poeta.
Acostumado a trabalhar com o maquinário da fazenda, Mineiro conhecia mesmo era o Manoel pai. "Ele foi muito bom, um pai que nunca tive, patrão e pai. Ele gostava de contar piadas no meio dos peões, mas até no nosso meio, com os peões da fazenda, tinha poesia", compartilha.
"A gente vivia junto, era dentro de casa. Ele era esclarecido, bem estudado, mas não tinha frescura", conta Rosângela Aparecida de Souza Gomes, filha de uma cozinheira da casa do poeta e criada como filha por Manoel e dona Stella.
A catadora de recicláveis foi babá dos filhos deles, mas, tanto o casal, quanto filhos e netos, não tinham "essa coisa de empregados", diz. "Na escola comentava com as pessoas que era criada na casa de Manoel e as pessoas duvidavam", completa. Rosângela chegou ao velório muito emocionada, levou buquê de flores e a memória cheia de boas histórias.
Como aconteceu em todas as idas para a fazenda e vindas para a cidade, ela acompanhou a família até o adeus final ao artista que, da fazenda, gostava também dos doces caipiras e do melado com queijo, como contam as irmãs Maria e Neuza que até pouco tempo ainda trabalhavam na casa da rua Piratininga.
O irmão Abílio Leite de Barros, de 85 anos, estava com a esposa, mas não acompanhou o fechamento do caixão e o enterro. Ao lado dele também estava dona Stella, a companheira de Manoel durante os últimos 64 anos, a filha do casal e cinco netos.
Adeus dos artistas - O poeta vai virar nome de parte da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras. Em dezembro, quando a sede própria da instituição for inaugurada na rua 14 de Julho, a academia fará a homenagem. "A obra de Manoel ficará para a posteridade. Ele passou toda a vida escrevendo uma região de uma forma que nenhum poeta conseguiu fazer", disse Reginaldo Alves de Araújo, presidente da academia.
No entanto, as poesias de Manoel extrapolam a literatura. "Um dos maiores poetas do país, ele é único e especial. A obra dele ficará por muito tempo. Aqui as pessoas estão se despedindo do corpo, mas a alma do pantaneiro é um tesouro inigualável", afirma o artista plástico Humberto Espíndola.
Para o músico e compositor Paulinho Simões é muito difícil falar de alguém que falava tão bem. "Eu me calo e deixo a fala dos passarinhos", finaliza.
Manoel descansou da agonia gerada por não mais conseguir criar. Lamentava a inércia imposta pela idade avançada. Mas, velado, diziam parecer sereno, em paz. Já não estava mais com os óculos grandes, companheiros de uma vida de criação. Mas não farão falta. No céu, dizem que tudo é perfeição.