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Artes

Vendo amor em todos cantos, os 83 anos de Balbino transformaram a vida em poesia

Fazendo trova desde a adolescência, Balbino já tem oito livros publicados e garante que ainda não parou de escrever.

Gustavo Maia | 28/12/2018 08:35
Balbino Gonçalves de Oliveira nasceu em Mato Grosso, mas é corumbaense de coração. Poeta escreve seus versos em trova. (Foto: Gustavo Maia)
Balbino Gonçalves de Oliveira nasceu em Mato Grosso, mas é corumbaense de coração. Poeta escreve seus versos em trova. (Foto: Gustavo Maia)

Nascido na beira de um rio no distrito de Joselândia, pertinho de Cuiabá, no Mato Grosso, Balbino Gonçalves de Oliveira, há muito vive em Corumbá e para fechar o ano vem a Campo Grande curtir as festas com os três filhos, sete netos e oito bisnetos.

Casado com a costureira Lineide de Oliveira, de 80 anos, ele já foi pescador, jornaleiro, tintureiro, comerciante, militar, vidraceiro e, depois de tudo isso, encontrou a poesia. “Eu não sei contar história, eu só conto a minha vida”, brinca ele, que vez ou outra, no meio da conversa, vê graça e solta uma gargalhada daquelas. Quando pergunto sobre sua trajetória, ele prefere consultar a biografia escrita num de seus oito livros, “pra não esquecer algum detalhe”.

Ele conta que o pai era pescador e trovador. Duplamente inspirado nele, entre os 12 e 13 anos, escreveu a primeira trova, falando mal da cachaça, vício do pai que trazia dor à família. “A cachaça é uma desgraça / o homem perde tudo até as calça”. Na época não mostrou para ninguém. Com medo, compôs e escondeu.

Só quando veio do sítio para morar na cidade, que, analisando o mundo à sua volta, começou a escrever com frequência. Balbino diz que não teve uma data exata em que passou a guardar suas poesias, mas talvez tenha sido ali entre os 17 e os 18 anos. “Essas coisas passam e a gente não registra”, lamenta.

Com o curso primário incompleto, o que seria hoje o Ensino Fundamental, ele aprendeu o suficiente para poder mergulhar no mundo da poesia. Mas foi só na década de 70, quando passou a trabalhar por conta e ter mais tempo para escrever, que decidiu de vez que era poeta.

Dona Lineide e Seu Balbino com seus 8 livros. (Foto: Gustavo Maia)
Dona Lineide e Seu Balbino com seus 8 livros. (Foto: Gustavo Maia)

Conhecimento, vivência, sofrimento, esperança, amigos, familiares, mas principalmente o amor, tudo vira verso nas mãos de Balbino, e tudo organizado no estilo de rima ABAB, em que a primeira frase rima com a terceira e a segunda com a quarta. “Tudo que eu acho importante eu escrevo. O amor é Deus. É a coisa mais perfeita sobre a face da terra. É o mais poderoso”, filosofa ele.
“Meus livros são todos de mensagens, por isso que eu sou conhecido como mensageiro da paz”, diz Balbino, que acredita vir do céu a inspiração para suas rimas. Se emociona ao declamar os versos que, segundo ele, o definem: “não sou repentista / eu faço reflexão / a poesia é mais bem quista / quando vem do coração” e “quando eu quero ser feliz / eu leio o primeiro livro / e admiro o que eu já fiz / inspirado em Cristo vivo”. Com a voz embargada, ele conclui: “olhar dentro da gente não é fácil”.

Seu primeiro livro foi publicado em 1979, numa véspera de Natal. Ele conta que ficou tão alegre que acabou dando de presente quase todos os exemplares. 

A esposa, Dona Lineide, é corumbaense e uma parceira nas poesias. “Tenho que ler todas, tenho que aprovar, preparar o lançamento do livro, fazer a festa. Eu sou a empresária dele”, brinca ela, fazendo graça sobre como descobriu que namorava um poeta, quando ele começou a lhe escrever alguns versinhos: “Tô namorando um poeta, agora que eu tô perdida”, lembra ela.

Seu Balbino acha graça e ri. Casada com o poeta há 56 anos, Lineide deixa a dica da relação duradoura para os mais jovens: ser sincero, ter respeito, aceitação e, claro, amar.

Quando pergunto se ele já escreveu alguma poesia para a esposa, ele declara: “uma poesia é pouco. Todos os meus livros têm homenagem à minha família. E tem até um livro com uma foto minha e dela na capa”. E para provar seu carinho, ele mostra uma poesia dedicada à amada:

Namoro Verdadeiro
namoro em todos os tempos
são úteis e agradáveis
e os nossos bons exemplos
inspiram jovens amáveis

relembrando algum lugar
onde eu namorei
numa noite de luar
então assim eu falei

como que você se chama?
ela respondeu Lineide
creio que você me ama
então lhe dou meu aceite

ela perguntou meu nome
então eu me emocionei
e por ser modesto homem
em minha vida pensei

pensei no senhor divino
que representa o amor
o meu nome é Balbino
e lhe amarei com ardor

o meu amor é profundo
que não se pode medir
parece mistério do mundo
que ninguém soube descobrir

O escritor explica que fazer poesia, financeiramente, é prejuízo, mas mesmo assim segue escrevendo e até sobre isso ele faz poesia: “Fico satisfeito por escrever, contente quando publico, alegre quando alguém lê, e feliz quando diz que gostou”, diz ele, mostrando que não escreve por dinheiro. Assim como o poeta Manoel de Barros, que dizia que só não passou fome graças ao gado que criava, Balbino tira sua renda da aposentadoria e da loja de tinta que tem em Corumbá, e nada das coisas que escreve. Sobre o ofício de escritor, Dona Lineide entrega o jogo: “Livro não dá lucro nenhum. Ele vende um livro desse a dez reais, e a maioria ele dá de presente. Ainda bem que eu não sou poeta também, senão o prejuízo era dobrado”, brinca ela.

Assim como Manoel de Barros, Balbino também veio de Mato Grosso para Corumbá ainda criança. E apesar da coincidência, eles não se conheceram pessoalmente. Mas isso não impediu Balbino de escrever uma poesia em homenagem ao poeta guardador de água em um de seus livros: “Manoel de Barros é sério / porém tem lindo sorriso / pra ele não há mistério / e fala o que é preciso”, diz um dos versos do poema.

Apesar de já ter oito livros publicados, Balbino não se dá por satisfeito - continua escrevendo. E sobre projetos futuros, ele revela que está criando uma coletânea de provérbios com sabedoria popular, e já reuniu mais de 200. “Eu analisava muito o mundo e agora ando analisando as pessoas, os provérbios que elas dizem, aqueles adágios antigos, que vêm passando de geração em geração”, conta ele, que já tem até a ideia do título da obra: “a voz do povo de Deus através dos tempos - ilustrando experiências e testando a memória”.

Balbino e Lineide: casados há 56 anos, ele ainda fala em amor em suas poesias dedicadas à amada. (Foto: Gustavo Maia)
Balbino e Lineide: casados há 56 anos, ele ainda fala em amor em suas poesias dedicadas à amada. (Foto: Gustavo Maia)
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