Amigos se reúnem para celebrar família que nasceu no internato
Laços criados no Internato Miguel Couto durante até hoje, alunos e funcionários se tornaram uma grande família
No domingo (17), ex-alunos e ex-funcionários do Internato Miguel Couto se reuniram para homenagear Oliva Enciso e recordar momentos que viveram ao lado da professora. Oliva foi a responsável por fundar a Sociedade Miguel Couto dos Amigos do Estudante, com o objetivo de garantir escolaridade e funcionar como orfanato para crianças abandonadas e sem recursos.
Para as crianças, que hoje são os adultos presentes no encontro, o projeto de Oliva Enciso significou uma chance de sonhar com um futuro, no qual poderiam conquistar uma profissão e formar uma família. O encontro foi marcado por momentos de alegria e emoção, e, além do pessoal do internato, também reuniu as famílias dos ex-internos.
Todos os ex-alunos presentes, seja pelas memórias que compartilham juntos, pelas boas lembranças de infância ou pelos laços que construíram, se consideram irmãos, e é inegável a forma como se tornaram uma extensão da família uns dos outros.
A aposentada Maria Aparecida Siqueira, de 69 anos, apelidada carinhosamente de "Tia Cida" pelos ex-alunos, conta que trabalhou no internato por 35 anos. Para Cida, eles, que hoje são homens adultos com suas profissões e famílias formadas, sempre serão as crianças que ela ajudou a criar e enxerga como uma extensão de sua própria família.
Cida chegou à instituição aos 18 anos de idade, trabalhando como lavadeira e depois como cozinheira. Revisitar o passado é acessar memórias de "bons tempos que não voltam mais", o que enche os olhos de Cida de lágrimas.
“Eu considero-os como filhos de coração. Brinco com eles, chamo-os de crianças, porque, para mim, eles são crianças. Eu me sinto orgulhosa de ter feito parte da criação desses meninos, de ter trabalhado nesse internato e contribuído para a formação deles. E ver que, hoje, eles são pessoas de bem é gratificante”, expressa.
Cida relembra que, da janela da cozinha, tinha uma boa visão de um pé de manga, que existe até hoje na propriedade do internato. Olhar para a árvore é recordar os meninos embaixo de sua sombra, brincando, conversando e comendo a fruta diretamente do pé.
Um dos "filhos" de Cida é o mecânico ajustador Valdevino Gomes Teixeira, de 51 anos. Ele também é responsável por organizar o encontro desde dezembro de 2017.
Valdevino relembra que, quando chegou ao internato, não tinha nem sapatos para calçar, e hoje lembra com gratidão por tudo o que viveu na instituição ao lado de Cida e da professora Oliva Enciso, já falecida, fundadora do internato.
“A gente considera Oliva Enciso uma mãe, porque ela esteve lá presente, lutou pela gente, nos deu comida, calçados e roupas. Nos deu aquela força para estudar e conquistar algo na vida. Hoje, a gente tem o que tem, mas não é porque conseguimos sozinhos. É porque ela nos deu aquele empurrãozinho”, expressa o ex-interno.
O mecânico também compartilha que tinha uma relação bastante próxima com a professora, o que ajudou a estreitar ainda mais o sentimento maternal que sente por ela.
“Participei da vida dela, cuidava dela, eu ia com ela para a casa dela toda noite, dormia lá e voltava cedo todo dia. Eu a acompanhava onde ela precisava ir, no mercado. Então, para mim, é uma honra fazer [esse encontro] em homenagem a ela”, comenta.
Orgulhoso da vida que conquistou, graças ao acolhimento que recebeu no internato, Valdevino se orgulha de participar do encontro, acompanhado pela esposa, as filhas e as netas, e de compartilhar boas lembranças com os irmãos internos.
O construtor Gilmar dos Santos Sales, de 49 anos, se emociona ao relembrar quando chegou ao internato. Ele relata que saiu com a mãe e os irmãos da região Norte do país e veio para Campo Grande. Como sua mãe não tinha condições de criar os filhos, ele e os irmãos foram deixados sob os cuidados de Oliva Enciso.
“Meus irmãos mais novos moraram lá por mais tempo. Eu fui para o quartel, e, quando saí, os tirei de lá. O nosso auge foi sair de lá, conseguir nos firmar e formar uma família. Foi uma época muito difícil, mas a gente superou, graças a Deus. Estamos vencendo devagarzinho, a vida vai levando a gente, e a gente vai levando a vida”, relata.
De Rio Verde, o construtor civil Valtuides Santana dos Santos, de 51 anos, conta que chegou bem novinho ao internato, ao lado dos irmãos. Assim como a mãe de Gilmar, a mãe de Valtuides também não tinha condições de criar os filhos, então confiou a educação e criação deles ao internato.
Hoje, anos após enfrentar essa fase difícil, que emociona o construtor só de lembrar, ele comemora por ter a família completa de novo, e faz questão de levar a mãe aos encontros dos ex-alunos.
Em seu coração, o construtor expressa que há somente gratidão, principalmente a Oliva Enciso, que fez muita diferença em sua vida. Ele compartilha que possui um casal de filhos, o menino é formado em educação física e a menina está na faculdade de enfermagem.
“Devo muito a todo o grupo Miguel Couto, que me apoiou, me deu carinho, educação. Só tenho a agradecer. Campo Grande me ajudou, só que eu também retribuí. Trabalhei no Parque das Nações Indígenas, em toda a iluminação. Hoje é um orgulho pra mim passar e mostrar o que eu fiz. Eu ajudo a construir também a cidade e assim eu vou retribuindo e dando meu carinho”, expressa.
A ex-diretora do internato, Marili Rodrigues, de 80 anos, também esteve presente no encontro, e foi recebida com bastante carinho por todos. Ela compartilha que na época queria ser contadora, mas por influência de Oliva, se formou professora, e começou a trabalhar no Miguel Couto.
Ao ver tudo o que ajudou a construir e quantas vidas transformou, ao olhar para trás não restam dúvidas de que foi uma boa escolha.
“Eu trabalhei muito com esses internos, levava eles para jogar futebol, foi uma coisa deslumbrante para mim. Não tenho palavras para dizer. Sei que vocês já escreveram muito sobre ela [Oliva Enciso], mas ela era aquilo tudo e mais um pouco”, comenta.
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