Aos 55 anos, Gi não cansou da arte de rua e é a mãezona dos grafiteiros
Nos desenhos, artista espalha cores, mensagens de empoderamento e resistência

Se alguém pensa que idade é um fator limitante para a arte de rua, Gislene Brandão, a ‘Gi Brandão’ é a prova viva de que isso não faz o menor sentido. Aos 55 anos, ela segue firme a forte fazendo arte e virou a ‘mãezona da gurizada’ do grafite. Nos desenhos, a artista espalha cores, mensagens de empoderamento e um pedaço de sua história pelos muros de Mato Grosso do Sul.
“Sou uma das mais velhas da galera que faz grafite na rua, sou a mãezona da gurizada. Saio com meninos da idade dos meus filhos”, conta. Mas engana-se quem pensa que a veterana está cansada. Com quase 35 anos de trajetória, ela continua chamando a turma para pintar, incentivando novos artistas e vivendo a arte como forma de expressão e resistência.
O grafite entrou na vida de Gi de um jeito inesperado. Nascida em Mato Grosso do Sul, ela sonhava ser desenhista de moda. Quando se mudou para São Paulo, na juventude, não fazia ideia do que era grafite, até uma noite de rolê mudar tudo.

“Fui para um bar alternativo chamado Cais, que ficava perto na Praça Roosevelt. Lá conheci Jorge Antas, ele me falou sobre grafite e me chamou para conhecer o estúdio onde ele e outros artistas se reuniam”, lembra. Na época, ela achava que grafite era aquele feito com lápis, mas Jorge explicou: era spray, tinta e arte nas ruas.
Ao visitar o estúdio, Gi se encantou. “Lá estavam o Speto, que hoje é um grafiteiro famoso, o Jorge e o Cícero Barros. Fiquei encantada e quis saber como fazia.” Assim começou sua jornada.
O amor pela arte se misturou com a vida pessoal: ela e Jorge casaram e tiveram uma filha. Porém, a história tomou um rumo triste quando ele faleceu, deixando Gi para continuar a trajetória sozinha.
La Bruxa: a força feminina no grafite - Hoje, Gi assina seus trabalhos como “La Bruxa”. O nome veio do seu aniversário, 31 de outubro, e de um apelido da infância. “Minhas amigas da escola me chamavam de bruxa porque eu era magrela e fazia aniversário no Dia das Bruxas. Quando criança, não gostava. Mas depois passei a ver com outros olhos, porque as bruxas foram mulheres que lutaram, foram perseguidas por quererem sua liberdade”, explica.
A identificação com a luta feminina se reflete nos seus grafites. Desde o início, ser mulher e fazer arte de rua nunca foi fácil. “Nos anos 80, mulher não era convidada para pintar na rua. Muitas deixam de fazer coisas por medo. Eu mesma já tive um ex-marido que não aceitava, me podava. A mulher do grafite passa por isso.”
Mas Gi nunca desistiu. Em sua arte, ela faz questão de exaltar a mulher. “Minhas personagens são mulheres indígenas, mulheres negras. Uso cores que representam isso”, detalha.
Gi já fez trabalhos em várias cidades do estado, como Rio Brilhante, Maracaju, Itaporã e Dourados, onde mora há 12 anos. Mas a aceitação nem sempre foi fácil. “Os primeiros grafites que fiz aqui foram pichados. Aqui tem muita gente mente fechada. Outro teve grande repercussão, pois pintei um sexshop e o Ministério Público entrou com processo contra o estabelecimento e elas precisaram apagar”, relembra.
E se tem algo que Gi não pensa é em parar. “A arte só vai acabar quando eu morrer”, garante. Em Mato Grosso do Sul, a artista avalia que o grafite ainda está engatinhando, mas acredita que o Estado caminha no rumo certo. “Aqui o movimento ainda é fraco comparado a estados como Paraná e São Paulo, mas os grafiteiros estão se impondo e organizando eventos e se impondo”, analisa.
Com os quatro filhos já encaminhados e mais liberdade para fazer o que gosta, Gi Brandão segue levando sua arte às ruas e incentivando novas gerações. “O grafite é uma arte para todos. Deixa um pedacinho do seu sentimento na rua, provoca reações, é contagiante. Eu preciso muito mais do grafite do que ele de mim”, finaliza.
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