Campanha Chega de Fiu Fiu tem mapa das "cantadas" com histórias de Campo Grande
A organização Olga, que se dedica a “elevar o nível da discussão sobre feminilidade nos dias de hoje”, mantém um projeto para identificar os lugares mais incômodos e perigosos para as mulheres no Brasil. É um “mapa do assédio”, batizado de “Chega de Fiu Fiu”, que reúne depoimentos de quem já enfrentou o problema, testemunhou ou já sofreu algum tipo de violência.
A ferramenta colaborativa, aberta para todas as cidades do País, já conta com a participação de usuárias de Campo Grande, mas, por enquanto, são apenas dois relatos. Um deles, do dia 13 de março, intitulado “exploração sexual”, traz o seguinte texto:
“Rapaz em uma moto fez várias voltas na quadra e pediu para eu subir. Por sorte, um frentista de posto gritou e ele fugiu”. A responsável pela publicação, que mantém o anonimato, informa que a perseguição foi na Rua João Rosa Pires, entre os números 596 e 638, na região central da cidade.
A outra denúncia cita a Vila Nasser, na Rua São Bartolomeu, entre os números 209 e 335. Nomeado de stalking (perseguição), a vítima fez um relato mais detalhado:
“Acordei muito cedo em um sábado frio para ir à pós-graduação. Quando saí de casa para pegar o ônibus era umas 6h20. Para chegar ao ponto, precisava andar umas 5 quadras e, quando faltavam umas 3, um gol cinza, 4 portas, com 4 homens dentro, começou a me seguir. Eles começaram a mexer comigo e falar coisas horríveis. Entrei em desespero. Comecei a andar rápido porque, uma quadra antes do ponto, tem uma feirinha de verduras. Quando perceberam meu desespero, começaram a rir alto e pioraram nas barbaridades que falavam. Quando alcancei a feirinha, os feirantes que ainda armavam as barracas notaram o que estava acontecendo e me acalmaram. Teve uma senhorinha que até ficou comigo no ponto. Foi horrível”, escreveu.
Cantada - O assédio é um assunto que incomoda muita gente e esbarra, também, na questão das cantadas. Na semana passada, acadêmicas da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), em Campo Grande, criaram polêmica porque elaboraram um cartaz dispensando o “fiu fiu” dos pedreiros.
Fixado em um mural, que fica em um dos corredores da universidade, no bloco do CCHS (Centro de Ciências Humanas e Sociais), o aviso, escrito em letras vermelhas, em cima de uma cartolina amarela, trazia o seguinte texto:
“Caro pedreiro, não precisamos das suas cantadas para nos sentirmos gostosas”. As estudantes foram criticadas porque, na interpretação de algumas pessoas, agiram com preconceito de classe.
Mas isso é um assunto que divide opiniões. Tem quem abomina a conduta, mas existe, por outro lado, quem diga que “tudo depende”. A auxiliar de operações Larissa Arguelho da Silva, de 18 anos, pensa assim.
Para a jovem, a aceitação depende do tipo de “piadinha” e do comportamento do homem. “Porque tem alguns que são sem vergonha, chamam a gente de gostosa.Esse tipo de coisa mulher nenhuma gosta. Gostamos de ser tratadas com respeito”, emendou a amiga, Valdineia de Abreu, de 20 anos, que já foi alvo de cantadas deploráveis, como a do miojo (em três minutos fica pronto para comer).
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Para as duas, o que incomoda é a perseguição e a agressividade verbal. “Eu não gosto de homem que chega chegando. Gosto de conversar, olhar nos olhos. Depois ele pode vir com a cantada, mas isso antes porque agora sou casada”, avisa.
A recepcionista Elaine Glória, de 38 anos, também é da turma do “depende” e se incomoda com comentários muito diretos. “Não me agrada. Uma cantada conversada, sem ser direta, e bem feita, é melhor”, diz.
Se vale o recado, a mulher ensina que o sinal verde para a cantada, depende, acima de tudo, da identificação. “Se tiver química, não vai ter rejeição. A gente só é difícil para quem a gente não quer”, revela.
Ação - A campanha “Chega de Fiu Fiu” foi criada pela jornalista Juliana de Faria, de 29 anos, idealizadora do Olga. Em entrevista à Gazeta Online, no início deste ano, Juliana disse que fez uma pesquisa com participação de quase 8 mil mulheres, e mais de 80% delas disseram não gostar das cantadas na rua.
“Acham invasivas, agressivas. Seja um “fiu fiu”, ou um “ah, que bonita”. A cantada vem carregada de um sentimento ruim. Elas podem ter medo, sentirem vergonha. Afinal, ninguém é obrigado a andar na rua e ser interceptado de uma forma sexual”, contou.
A jornalista, que não gosta de receber cantada, também relatou que, na primeira vez em que foi assediada, tinha apenas 11 anos. “Era só uma criança, não havia menstruado ainda. E isso não impediu homens desconhecidos de se aproximarem de mim de forma sexual”, afirmou.
O “fiu fiu” sempre incomodou a jovem, mas a "gota d’água" para a campanha foi o caso do diretor Gerald Thomas e da panicat Nicole Bahls. “Ele colocou a mão por baixo do vestido dela. As pessoas foram para as redes sociais repercutir o caso, mas nunca como um assédio”, declarou.
O site “Chega de Fiu Fiu” continua aberto a novos relatos. Para conhecer, clique aqui.