Desconhecido para os netos, avó conta em livro a vida de famoso médico da cidade
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Da rosa recebida toda sexta-feira, ao último suspiro. Por anos, depois daquele sábado de dezembro de 1991, a cadeira da ponta da mesa da sala, ocupada pelo marido para ler, estudar e planejar aulas, foi tomada pelas lembranças de 38 anos de união. Tempo que foi curto para viver um amor tão grande, mas suficiente para a realização de tantos feitios.
Aos 80 anos completados mês passado, a senhora desta história lançou o livro. São 214 páginas que contam desde o primeiro dia até as últimas horas dos dois juntos e relata nas palavras de quem dividiu com o marido o trabalho missionário em Campo Grande, a dedicação do médico alemão Günter Hans à frente do Hospital do Pênfigo, à época especializado no tratamento da doença de pele conhecida como "fogo selvagem" e depois do São Julião, destinado a pacientes com hanseníase.
Dona Lygia Hans é uma alta e magra senhora elegante. Carrega a bondade nos olhos e um amor na fala. A admiração ao “paizinho” como carinhosamente o chamava, lhe rendeu o apelido de “anjinho” por parte dele.
“Não sou escritora e jamais planejei atrever-me a tanto”. É assim que ela introduz no livro e na fala, a história “Günter Hans – Um verdadeiro médico missionário”. A companhia dos netos, que sempre foi um consolo diante da tristeza, foi o que lhe inspirou e deu forças para lembrar tudo de novo. “Seria um grande egoísmo não deixá-los saber quem foi o avô”, justifica.
As crianças passavam o dia do sábado a perguntar se o vovô gostava de viajar, se gostava de futebol, se era assim... As preferências do avô ficavam restritas à imaginação infantil. Quando Dr. Günter se foi, o neto mais velho tinha só 5 anos. A curiosidade em saber quem era o homem das fotos e que dava nome à avenida, foi o que moveu a caneta no papel por tantos anos.
“Quando eles perguntavam, eu passava a contar um pouquinho. Mas contar? Quando posso escrever e eles terem uma lembrança? Um conhecimento do avô? Levei muito tempo para terminar, porque tudo aquilo que passei voltava e eu caía numa depressão”, descreve Lygia.
Foram 12 anos de rascunho engavetado e mais quatro até ser digitado por completo. Quando disse que tinha terminado um livro aos filhos, eles acharam por bem “lança-lo”, de surpresa, em comemoração aos 80 anos de vida da autora. Os escritos não se resumiram aos netos que agora já adultos entendem mais sobre a figura que tanto despertou curiosidade na infância.
“Não achei que fosse ficar um livro assim. Eu não tenho orgulho do que eu fiz, é uma coisa muito simples, mas me realizei”, diz.
A história parte do ano de 1949, ainda em Curitiba, quando Günter pediu para acompanha-la da igreja até sua casa. “Decidi então escrever a história desde o primeiro dia em que o conheci, até o último de sua vida”, apresenta. À época, Günter era estudante de Filosofia, depois que ingressou na Faculdade de Medicina, por vontade própria e também para cumprir com a promessa feita pela mãe.
Alemão, ainda na cidade natal, aos 5 anos, ele foi acometido de febre reumática, fruto de uma forte amigdalite. O estrago foi grande e deixou sequelas em seu coraçãozinho. “Diante de tanto sofrimento, a mãe fez a promessa de que se Deus o livrasse da doença, ela faria tudo o que pudesse para tornar o filho um médico missionário”, explica Lygia.
Em 1955, dois anos antes de completar o curso, Günter recebeu o chamado para cumprir sua missão, ser médico missionário em Campo Grande, no então Estado de Mato Grosso. Foi entre o final de 1959 e início de 1960, que ele chegou aqui, com a família para transformar o hospital do Pênfigo e mudar a vida de tantos pacientes.
“A área do hospital era grande, porém sem nenhuma benfeitoria”, descreve Lygia nas páginas. Coube ao casal deixar o legado de uma estrutura digna de ser chamada de hospital, não só pelos aparelhos, como também pelo verde que até hoje circunda o Pênfigo.
O hospital foram as pupilas de Günter Hans. Através de campanhas e de uma verba que ele conseguiu que viesse da Alemanha, do barracão, surgiram as alas, uma capela, uma escola e até um centro de pesquisa.
Em 1973, a doença que o destino fez com que se tornasse médico sinalizou as consequências que trazia. O coração pediu pausa. Foram dezenas de idas à Beneficência Portuguesa, em São Paulo e várias cirurgias. Numa das voltas, o médico, segundo conta o livro foi deposto do cargo no hospital que ajudou a erguer. Mas ao fechar dessa porta, se abriu uma janela para o São Julião, onde à convite da Irmã Silvia, o médico atuou até a aposentadoria “forçada”. O coração não perdoou e em dezembro de 1991, o médico partiu.
“Ele pegou na minha mão e disse: peço que se cuide, principalmente a saúde e permaneça em nosso apartamento onde fomos tão felizes depois de tanta luta. Quero te dizer que sou um homem realizado. Obrigado anjinho...” repete as palavras do marido.
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“Logo mais senti um aperto mais forte, dentro da pouca energia que lhe restava, e imaginei que aquele aperto fosse um agradecimento, como era seu costume. Em seguida ele solou a minha mão, e percebi que, naquele momento, havia chegado o fim do meu herói... Amanhecendo o sábado do dia 14 de dezembro de 1991”.
Dona Lygia nos conta que sempre admirou o esposo nas atitudes, no proceder, na administração do hospital. “Ele era um homem de palavra, um grande médico que ele foi. Aqui eu derramei muitas lágrimas e me alegrei um pouco também”, narra quando volta a se sentar na cadeira que sempre foi dele.
O livro que é um convite a quem quer conhecer um pouco do avô, do médico e do marido, está à venda no Restaurante Múltiplus e também no consultório do filho dermatologista Günter Hans. O valor será todo revertido ao Lar das Meninas Lygia Hans, sustentado pela Igreja Adventista do Sétimo Dia, ao qual a família faz parte.
“Quando o caixão baixou à sepultura deu-me um aperto no peito e senti que acabava naquele instante uma feliz e abençoada união de 38 anos. E assim já se passaram 23 anos de saudades”, diz o livro ao chegar ao fim.