Daniele precisou ser ‘extensão’ do corpo da filha para Alícia viver
Adolescente tem paralisia cerebral grave e vive acamada na casa simples de madeira onde a família mora

Há 16 anos, Danielle Jesus da Silva, de 33 anos vive como a extensão do corpo da filha Alicia, ‘sentindo’ as dores que não são dela, mas para que a menina sobrevivesse tiveram de se tornar. A adolescente tem paralisia cerebral grave e vive acamada na casa simples de madeira onde a família mora, no bairro Jardim Canguru. O cenário é apenas mais um entre os inúmeros que as mães atípicas enfrentam.
Ela engravidou jovem, aos 17 anos. A notícia de que a primogênita dependeria dela por toda a vida - seja a da própria Daniele ou da criança - aconteceu apenas na hora do parto, em Maracaju. Os médicos deram para a criança apenas cinco anos ao lado da mãe.
“Na época eu não entendia muito. O médico me falou apenas que eu teria que cuidar sempre como se fosse um bebê. Depois fui aprendendo a lidar com tudo. Foi muito difícil. Tive que deixar minha família para vir pra cá pra dar mais qualidade de vida pra ela, porque na época vivia internada e os médicos me disseram que se eu continuasse lá ela não iria sobreviver por muito tempo. Tive que largar tudo”.
A comunicação entre as duas é quase que por telepatia, apenas com os olhos. Basta que as órbitas de Alícia mudem para que Daniele entenda o que ela está dizendo.
Tenho que viver a dor dela. Sentir tudo por ela porque Alicia não fala. Mesmo que ela não ande, eu conheço cada passo dela. Ela responde muito pelo olhar Então, só de ver eu sei se ela está bem ou não. Se está com dor ou não. Fui tendo essa nossa conexão”, diz a mãe.
Há 16 anos não existe mais a Daniele como indivíduo que tem gostos, sonhos ou vontades. No corpo, apenas a Daniele Mãe que enfrenta sozinha o duplo desafio de ser mãe solo e mãe atípica. Apesar das dificuldades e de tudo que deixou de ser, Alicia é a força que ela precisa para continuar.
“Tem horas que a gente fica aflita, pensa em desistir, mas quando olho para ela eu vejo que ali está minha força, ela que me dá isso e coragem para vencer todas as batalhas”.
O cuidado com a menina é 24h, mesmo que ela conte com a ajuda de técnicos de enfermagem durante 6 horas do dia, a atenção e todo tempo disponível é dedicado a Alicia. pelo SUS, a adolescente tem fonoterapia duas vezes na semana, três sessões de fisioterapias por dia, terapia ocupacional três vezes na semana, médico a cada 15 dias e a visita de um neurologista a cada 6 meses.
É um cuidado constante, na luta. Para mim é uma vitória ela estar comigo. Médicos falaram que ela não iria sobreviver. A minha luta é por qualidade de vida, sempre quero o melhor, principalmente no atendimento médico”.
Maternidade e medo
Além de Alicia, Daniele tem mais duas filhas, Laysa, de 12 anos e Dayelle, de 9. A mais nova ficou em Maracaju. Em casa, Layssa cobra da mãe atenção e tempo de qualidade. Ambas coisas que Daniele não consegue oferecer com frequência.
"Ela me cobra porque infelizmente a atenção vai toda para a que mais precisa. Ela fala que eu não tenho tempo para a gente ir tomar um sorvete. Mas não é, eu preciso ficar focada nela [Alicia]. A gente não respira, porque ninguém sabe mexer direito. Mesmo tendo ajuda, sempre estou por ali, dou o banho.”
Aqui, Daniele revela um medo que mães atípicas costumam ter ainda com mais frequência: morrer antes da criança e ela ficar desamparada. “Tento ensinar a outra filha porque o meu medo é isso, é ir embora antes. Eu já ensino ela porque uma hora que eu ficar doente - aliás, a gente não pode pensar nisso - ela vai saber lidar com a Alicia”.
Grupo de apoio
Acostumada a viver em casa, os dias em que consegue sair são motivo de comemoração. Um dos lugares que ela tem frequentado é o grupo de apoio ‘Carlinhos e as Super Mães’, feito pela ativista Gisele Veiga. O objetivo é cuidar de quem cuida e dar voz para mães de crianças que precisam de cuidados específicos.
Além de um espaço para dividir as dores, que já são compartilhadas, os encontros são realizados para oferecer o que a rotina rouba, o direito da individualidade e do autocuidado, como fazer as unhas, mexer no cabelo e se depilar.
Eu desde quando tive ela sempre guardava as coisas para mim, era muito difícil eu comentar, falar ou dividir com alguém, até para alguém da família. Estava acostumada a resolver sozinha. Eu não saio muito e quando vou fazer algo prefiro que seja na minha casa. Sair igual tô aqui tive que me organizar dom 15 dias de antecedência. Não existe a Danielle só a Daniele mãe. Sinto saudade, as vezes a gente quer tomar um sorvete, conversar com outras pessoas, mas é difícil, minha família não mora aqui. É uma luta diária”.
Os encontros acontecem todos os meses, para saber mais entre em contato com a organizadora pelo número (67) 9248-9925
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