Para ver própria beleza, indígenas precisaram se aceitar fora do padrão
Povos originários tiveram que furar a bolha do que foi imposto pelos não indígenas para gostarem de sí
A cultura indígena tem ganhado os olhares do mundo da moda nos últimos anos, mas a realidade nem sempre foi assim. Para enxergar a própria beleza, os povos originários tiveram que furar a bolha do que foi imposto pelos não indígenas. O que antes era marginalizado, hoje é "aceito" e os povos usam disso como ferramenta de aceitação da cultura e do padrão que é de cada etnia.
Uma das soluções criadas para que eles vissem que os traços, rostos e características físicas são sim bonitos foi criar os concursos de beleza nas aldeias, como Miss e Mister Indígena. O assunto fica ainda mais simbólico no Dia dos Povos Originários, comemorado neste sábado (19)
A advogada e pesquisadora Amirele Yvypoty’í, de 27 anos, é da etnia Guarani Kaiowá e Terena. Ela, explica que foi eleita Miss Indígena em 2015 e que os concursos nasceram junto com ela, em 1998. Anos depois, em 2009, eles ficariam de vez como uma tradição nas aldeias. Em Mato Grosso do Sul, o concurso acontece todos os anos na aldeia Jaguapiru, em Dourados.
Eu nasci e cresci na aldeia, mas estudei na cidade. O padrão de beleza era outro e tinha muito preconceito com a gente porque éramos mais quietas. Eu diria forçadamente introvertidas por estar em uma sociedade que não era nossa".
Ela explica que esses concursos acontecem porque, quando o Brasil ainda se chamava Pindorama, os europeus vieram e tentaram fazer um apagamento cultural, inclusive o da beleza.
“Nós, povos indígenas, sempre tivemos tudo. Cada etnia tem um modo de vida, um sistema jurídico, culinária e os padrões de beleza próprios. Nós temos usado a internet como ferramenta de luta, temos usado de diversas formas. Uma delas foi de valorizar nossa beleza através desses concursos”.
Ela conta que, depois dos concursos, as meninas passaram a olhar a realidade de forma diferente.
“As pessoas da aldeia, que já tinham ido para a cidade, queriam que as meninas, que estavam crescendo, tivessem outra visão delas mesmas. Então elas começaram a incentivar. Na época eu tinha 17 anos. Falaram que nosso cabelo é muito bonito, nosso tom de pele é muito bonito, a vestimenta. Quanto mais grafismo tiver, mais bonita está; se usar cocar, brincos e todas as biojoias indígenas, você está muito bonita”.
O movimento interno se espalhou por várias regiões e outros estados do país. Ela conta que muitas pessoas falam que os povos indígenas estão usando uma ferramenta do branco e perdendo a cultura.
"É ao contrário, estamos usando uma ferramenta que eles impuseram na nossa sociedade. Nós sempre tivemos essa cultura rica. A partir disso, muitas meninas indígenas têm se profissionalizado como modelo fotográfica e de passarela. É muito gratificante, tanto para nós, que estivemos no começo disso, quanto para as que tiveram a iniciativa de ver que hoje a mulher indígena não se diminui mais a um padrão europeu. A gente tem nossa beleza e não precisamos nos encaixar.”
Camila Matos da Silva, de 31 anos, da etnia Terena, é modelo indígena e plus size.
Para ela, o preconceito é duplo.
“Gosto de mostrar a beleza indígena nas suas várias formas. Tento justamente mostrar a beleza fora dos padrões. E também transmitir que a ela não precisa se enquadrar. Ela fala por si só.”
Segundo a modelo, o reconhecimento é algo raro e eles só têm oportunidade de fazer algo dentro da nossa própria comunidade.
Isso nos obriga a viver somente nas aldeias, porque fora dela a pressão é muito grande, como uma segregação racial. Indígenas vivendo apenas com indígenas. Me sinto pequena na minha existência, porém me empodero dos meus conhecimentos, meus sentimentos e coragem para tentar mudar a imagem que as pessoas têm de nós. Em todos os quesitos. O que pensam da nossa cultura, da nossa forma de viver em sociedade, das nossas belezas”.
Ana Carolina Ramires Ferreira é Kaiowá e foi eleita Miss Indígena 2024. Esse foi o primeiro concurso em que ela participou. Ela conta que isso vai além da beleza, é uma oportunidade para que jovens indígenas mostrem a cultura.
“Me candidatei pra miss para justamente mostrar mais do meu povo. Atualmente, estamos conseguindo mais visibilidade em todas as áreas, seja na educação ou saúde. Temos indígenas ocupando vagas de poder em senados, fazendo doutorado. Mas, apesar disso, ainda enfrentamos bastante desafios, principalmente relacionados a coisas básicas de sobrevivência, como, por exemplo, falta de água - que estamos há meses - com crianças que estão sem condições de ir à escola por não poder fazer comida ou até mesmo tomar banho”.
Essas dificuldades, que não deveriam existir, impedem que eles avancem em mais coisas. Segundo ela, ainda existe a crença limitante de que eles não têm capacidade de fazer faculdade ou ter um trabalho digno. “Estamos resistindo a isso, principalmente a minha geração".
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