Encontrei um salão de beleza onde ninguém quis alisar meus cachos
Repórter do Lado B conta sobre sua experiência em um salão especializado em cachos
São poucos os salões de beleza que não querem alisar o cabelo das cacheadas. A prática de valorizar e cuidar de cabelos naturais é recente até entre os próprios crespos. A repórter do Lado B que aqui escreve é cacheadíssima e pela primeira vez na vida, experimentou ir em um salão especializado em cachos e contou tudo o que sentiu.
Eu tinha desistido de ir em salões de beleza. Até ontem, todas as vezes que eu me sentei em uma cadeira de salão, a primeira pergunta que me faziam era: “Vamos fazer um relaxamento pra abrir esses cachos?”. Mas pela primeira vez em 28 anos de vida, entrei em um salão onde a única menção a alisamento foi feita em ironia.
O salão D’France, do cabeleireiro Járiz Beor, é um dos lugares na Capital que se especializou nos cuidados com os cabelos naturais crespos e cacheados. A trajetória da relação do próprio Járiz já apareceu aqui no Lado B.
Durante toda minha vida, reneguei meu cabelo natural, me submetendo a pentes finos para desembaraçar meu cabelo seco, além de muitos, MUITOS, tratamentos químicos para desfazer os cachinhos. Fui criada para achar que cabelo cacheado e crespo é “ruim” e que assumir meu volume é sinônimo de “falta de pente”.
Mais torturante sempre foram as idas aos salões. O olhar na cara das profissionais para o meu cabelo natural já era o suficiente para eu saber que meu cabelo, do jeito que ele estava, não era bem-vindo. Por um tempo, até aprendi a rejeitar as ofertas da química pesada que deformavam a estrutura do meu cabelo. Mas logo desisti também das intermináveis discussões e, ao invés de pedir hidratações ou nutrições, passei a exigir a tesoura.
O primeiro corte, abaixo de protesto, me libertou, mas os seguintes foram uma sucessão de fiascos. Aparentemente, ninguém sabia fazer cortes em cabelos cacheados curtos e tudo voltava ao alisamento: “se fizesse relaxamento, não precisava cortar”.
Anos depois, cá estou eu, entrando em um salão onde até os atendentes têm cabelo cacheado. Só de ver os profissionais, com vários tipos de crespos e cachos diferentes, meu coração acelerou. João Vitor, quem me atendeu, inclusive, tinha uma textura de cacho bem parecida com a minha.
Durante a conversa, ouvi recomendações que nunca tinha ouvido da boca de alguém que mexia com cabelos. Mas a frase que ele disse que me deu vontade de chorar foi: “Aqui não fazemos nenhum tipo de alisamento, relaxamento ou qualquer tratamento químico que mude a estrutura do cabelo”. Eu realmente demorei 28 anos para ir em um salão que não tem a opção de relaxamento.
Todo o manuseio com o meu cabelo foi inédito na minha experiência em salões de beleza. Ele apertava meus cachos com todo cuidado, para reforçar o cacheado, coisa que eu tinha aprendido depois de adulta a fazer em casa. Na hora de secar, ninguém sacou uma escova, nem uma chapinha.
João continuava a conversa com coisas que, até então, eu só tinha lido na internet: como manter os cachos definidos em casa, como aplicar os produtos, como cabelos cacheados geralmente têm duas ou mais texturas diferentes. Na cadeira ao lado, ouvi um trecho da conversa em que alguém disse: “Eu demorei pra aceitar meu cabelo do jeito que ele é”. Concordei em pensamento.
Saí de lá com meus cachos cheirosos, brilhosos e com minha autoestima nas alturas. Nunca na minha vida me senti tão acolhida e representada na área de estética e beleza quanto naquele momento. Nunca achei que isso seria uma realidade, que, em uma cultura em que o liso é o padrão, meus cachos teriam um espaço nesse mercado da beleza onde são tratados com a liberdade que merecem.
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