Jariz demorou, mas enxergou a necessidade de exaltar beleza do crespo
Cabeleireiro conhecido como "Príncipe dos Cachos" se diz realizado a cada cabelo finalizado
Independentemente do tom de pele, o processo para se quebrar um padrão pré-estabelecido de beleza é lento. Mas não é impossível. Com dez anos de carreira, Jariz Beor, o Príncipe dos Cachos, como é conhecido em Mato Grosso do Sul, levou quase uma vida para entender que, literalmente, ninguém sabia cuidar de seus cabelos. O cabeleireiro precisou estar dentro do mercado da beleza, para enxergar que algo precisava ser feito.
Quem vê Jariz, o poder da beleza negra em pessoa, não imagina que um dia ele já pisou no time dos alisados. Não que isso seja proibido, afinal, as pessoas são livres para fazer o que bem entendem. Mas hoje, o quadro “Coisa de Preto” levanta a importância de enxergar beleza nas curvas e espirais naturais dos fios crespos e cacheados, independentemente do gênero.
A construção do que é “bonito” ou “feio” imposta pela sociedade causa impactos negativos logo na infância. Principalmente, no caso das mulheres, que a percepção de beleza está, basicamente, ligada ao cabelo. Assim como a autoestima é uma construção, o inverso acontece da mesma forma causando conflitos destrutivos.
“É muito importante ressaltar o porquê me especializei nessa área. Nós que temos os cabelos crespos, a maioria negros, tínhamos e ainda temos uma certa dificuldade de conseguir encontrar um salão para cuidar de nossos cabelos. E eu negro, cabeleireiro e de cabelo crespo, não sabia cuidar do meu próprio cabelo. O start veio quando pessoas começaram chegar até mim para que eu cuidasse dos cabelos delas. Comecei a me colocar no lugar das outras pessoas, principalmente, das mulheres e decidi mudar aquela situação”, conta.
O cabeleireiro garante que essa falta de conhecimento é geral e abrange a maioria dos profissionais que conheceu. Dessa forma, as únicas opções impostas as clientes crespas e cacheadas são alisar, amaciar, escovar, mas nunca deixar natural.
Jariz pontua que apesar de mínima, a representatividade na televisão e internet com as blogueiras facilitou o trabalho dentro do salão, por exemplo, o de influenciar uma cliente a assumir os fios naturais.
“E o fato de eu conseguir alcançar esse ponto, de devolver para essas mulheres o natural, quando ela transiciona de um alisamento ao natural, para mim é o ápice da minha profissão, porque me sinto realizado. Às vezes mais realizado que elas. Porque minha realização está em cada finalização. De um simples tratamento a um corte radical para remoção de química. Eu sei que estou fazendo um papel fundamental de deixar o cabelo dela natural e fazer com que ela se sinta ela mesma, que é o que o cabelo natural faz devolve a naturalidade e a representação de si mesmo”, pontua.
A beleza do crespo em homens - Normalmente se vê homens negros raspando a cabeça, mas as finalizações não se limitam às mulheres. "Assim como muitas crespas optam por passar a máquina e raspar, homens podem ter o cabelo que se sentem à vontade. Por eu ter o cabelo com volume, recebo vários clientes homens, inclusive nossa tabela masculina é inferior. Homens também devem cuidar dos cachos", pontua Jariz.
Para Jariz existem vários fatores construídos ao logno do tempo, que ainda refletem e impedem o negro de sentir bonito. "A mulher negra para ser considerada bonita e até para conseguir emprego tinha que se enquadrar a um padrão. Ela tinha que ter uma característica branca. Hoje com toda a desconstrução, as mulheres veem que podem usar sua naturalidade. Hoje você consegue chegar aos lugares e ver mulheres negras com cabelos crespos trabalhando lindamente. Coisa que não se podia, afinal, o crespo era considerado um cabelo desleixado. Ainda existe um tabu sobre as mulheres se aceitarem", ressalta.
Há poucos dias, Jariz atendeu uma cliente de 40 anos que alisava o cabelo desde os 12. Uma situação semelhante ao que ocorre no filme Felicidade Por Um Fio (2018). "Ela não se recorda de como o cabelo era. Ela começou a alisar por bullying, porque a mãe não sabia cuidar, depois entrou uma série de coisas, veio a escola, a faculdade, o namorado que não gostava do crespo e vai aglomerando uma série de preconceitos", frisa.
Jariz inciou a carreira de cabeleireiro, em 2009, em Rio Verde de MT, no ramo do alisamento e, por isso, tem propriedade para falar dos riscos. Ele se tornou especialista em crespos e cacheados há seis anos, mesmo tempo que atua em Campo Grande.
Ele já havia tentado se especializar outras vezes, mas sempre obtinha a mesma "incentivo": 'se quisesse trabalhar com cabelo crespo teria de ir para periferia, pois era o único lugar que eu teria público'.
No entanto, todos estavam errados, já que o cabeleireiro atende clientes em toda Campo Grande, Ponta Porã, Bonito, Irlanda e México. "Temos uma repercussão muito boa, especificamente, por existir poucos profissionais que cuidam deste tipo de cabelo", afirma.
Negro no topo incomoda - Em espaço de destaque em Campo Grande, Jariz incomoda, afinal tem conquistado espaço fora do backstage. "Ao mesmo tempo em que as pessoas me veem como referência de trabalho, elas se sentem incomodadas pelo trabalho em prol de uma minoria que está ganhando espaço. Incomoda, inclusive por eu ser essa representatividade, por ser negro, por ter o cabelo crespo e por estar numa posição de destaque”, conta.
Jariz percebe os olhares e boatos. "As pessoas te olham diferente e a gente sabe que está incomodando. Na Expo VIP eu tive um espaço de destaque e eu percebia o questionamento no ar “o que está acontecendo aqui?”. Eles não precisam abrir a boca”, finaliza.
Receitinha do Jariz:
Abacate + óleos do cerrado pantaneiro (copaíba, babaçu e buriti)
A cada colher de creme misture duas colheres de óleo.
Com os cabelos limpos passa a mistura e deixe por quanto tempo quiser. (Se preferir use touca)
Depois é só enxaguar bem e finalizar como de costume.
Jariz atende de segunda a sábado na Rua Padre João Crippa, 1833 - Centro.
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