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Comportamento

Zero menção branca é melhor forma de exaltar povo preto, garante Vovô do Ilê

Deixar o ranço de lado e exaltar o positivo do povo negro é a melhor luta contra o racismo

Danielle Valentim | 09/11/2019 07:45
Antonio Carlos dos Santos Vovô, 66 anos, fundou o bloco em 1974 e se tornou uma lenda do carnaval baiano. (Foto: Paulo Francis)
Antonio Carlos dos Santos Vovô, 66 anos, fundou o bloco em 1974 e se tornou uma lenda do carnaval baiano. (Foto: Paulo Francis)

Nem mal, nem bem. Não mencionar o branco é a melhor forma de exaltar o povo preto. Para Antonio Carlos dos Santos Vovô, criador do Ilê Aiyê, ou Ilê, o mais antigo bloco afro do Carnaval de Salvador, a luta contra o racismo começa quando se transforma em positiva toda a “educação” negativa implantada há séculos.

Antonio Carlos fundou o bloco em 1974 e se tornou uma lenda do Carnaval baiano. A visita a Campo Grande aconteceu o projeto "Diversidade Étnico-Racial e Cultural", na Escola Estadual Joaquim Murtinho. 

Para ele, o mês de novembro tem significado forte. Ao Lado B pontuou fatores como aniversário do Ilê, dia da Independência em diversos países africanos e, claro, o principal que é o Dia da Consciência Negra, no dia 20, que remete a data em que o líder do Quilombo dos Palmares, Zumbi foi morto, em 1695. “Nossa referência de luta e resistência. Zumbi era nacional e ainda pouco se fala. Só se fala em Tirandentes”, pontua.

Vovô lembra que na época celebrar a cultura negra não era algo tão aceitável, mas que hoje, principalmente, em Salvador, muitas bandas e blocos levam o tema para os palco e ruas do Brasil.
“Quando fundamos o Ilê, em 1975, em 1976 já foram surgindo outros blocos, mas muitos não resistiram. O Ilê é o único que resistiu com formação, exclusiva, de negros”, frisa.

Zero menção ao branco – Nem bem, nem mal, a poesia do Ilê Ayiê não menciona o branco. E esse mesmo método deve ser levado para a vida, segundo Vovô. O “ranço” deve ser deixado de lado e ao invés de falar mal do branco, o melhor a se fazer é “só falar do povo preto, exaltar a beleza, a força e sempre de forma positiva”.

“Todos os compositores sabem que não se pode falar de branco nem bem, nem mal. As letras do Ilê só falam do povo preto e de forma positiva. Tudo que você ouviu de forma negativa, a gente manda de volta de forma positiva. O negro é feio! O negro é lindo. O negro fede! O negro tem aroma gostoso. Além disso, exaltamos as mulheres negras. E isso vem funcionando muito bem”, frisa Vovô.

Ao invés de falar mal do branco, o melhor a se fazer é “só falar do povo preto, exaltar a beleza, a força e sempre de forma positiva”.
Ao invés de falar mal do branco, o melhor a se fazer é “só falar do povo preto, exaltar a beleza, a força e sempre de forma positiva”.

Para Antônio, há avanço, mas ainda faltam negros no poder. “Não que me sinta contemplado, mas em todos esses anos de luta levando a cultura, muito melhorou. Nesse tempo todo lutamos contra a discriminação, principalmente a racial, e também levando o tema do negro no poder. Porque se o poder é bom, nós também queremos”, frisa.

Deusa de ébano – Outra luta da causa negra é quebrar a estética americana e europeia. Um primeiro evento em 1980, hoje é marca registrada de Salvador.

“Na minha adolescência usar cabelo black power não era aceitável, nossa estética era a americana. Já tive eriçador apreendido porque o policial achou que eu fosse usá-lo para assaltar. Agora em Salvador, desde 2006, acontece a escolha da Deusa de Ébano e não a miss da noite”, explica.

Antes disso, em 1980, o nome do evento seria batizado como Noite da Beleza Negra. À época, a procura por clube foi difícil, já que eram lugares de brancos e ninguém queria a invasão negra.

“Conseguimos um clube na Barra, um local na época mais chique da cidade e conseguimos convencer parte da diretoria, porque a outra não queria. Quando os brancos chegaram à festa se surpreenderam. Viram toda aquela negada bem vestida e sem nenhuma confusão. Viram também Caetano Veloso e Djavan e ficaram pirados. A noite da beleza negra em Salvador, hoje é um dos maiores eventos. E faz parte do avanço, já que ninguém fica de biquini, mas tem de saber dançar. Toda menina quer ser Deusa do Ébano”, pontuou.

Apostila pronta e CD do bloco. (Foto: Paulo Francis)
Apostila pronta e CD do bloco. (Foto: Paulo Francis)

Falar do negro, pela ótica do negro - No Ilê Ayê, a música é a base da educação. Na palestra ministrada em Campo Grande, Vovô ressaltou a importância de levar a cultura negra para dentro da sala de aula.

Todo Carnaval o tema é escolhido - sempre temas negros – como países africanos, grandes revoluções, América negra, nos EUA. América latina, Equador, temas brasileiros na Bahia, Recife até os negros no Rio Grande do Sul. Ao fim, todo esse material é transformado em apostila.

“Nós contamos a história do nosso povo, pela nossa ótica e não por livros franceses, alemães. Depois do Carnaval e da apostila pronta, nós publicamos. Chamamos de caderno da educação. E aqui nós falamos sobre a questão da educação e o projeto de extensão pedagógica para incentivar as escolas daqui a botar no currículo essa questão do povo preto e aqui é de bom tom falar da cultura indígena também. Viemos falar da experiência em Salvador”, conta.

O primeiro dos cadernos saiu quando o bloco fez 40 anos e hoje já é usado em várias escolas.

Além de Vovô, programação contou com dança, com membros da Comunidade Quilombola Furnas do Dionísio; e de música, com o guitarrista, cantor e lenda do blues Zé Pretim, a banda de percussão Mukando Kandongo e a banda de rock Haiwanna.

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