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Comportamento

O ano é 2019 e os negros ao seu redor estão te servindo ou se divertindo?

Carga histórica da escravatura ligada à falta de assistência ao povo negro é a principal barreira enfrentada

Danielle Valentim | 20/11/2019 08:37
O protagonismo negro é minoria fora da periferia. (Foto: Alana Portela)
O protagonismo negro é minoria fora da periferia. (Foto: Alana Portela)

Tem coisa que é fácil falar, mas difícil sentir. Uma delas é quando um branco tenta decifrar o que realmente é o racismo, especificamente, o estrutural. Como jornalista negra em um canal onde as pautas comportamentais são rotina decidi visitar lugares onde o protagonismo negro tem duas faces e um pontual questionamento: os negros ao seu redor estão se divertindo ou te servindo?

Hoje, 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, o Lado B aborda um tema que pode até parecer polêmico, há quem interprete como “mi mi mi”, mas só quem é negro sente.

Às 13h30, em uma padaria localizada no Jardim dos Estados, duas jornalistas negras entram para almoçar. No momento, 20 clientes se alimentam no local.

Durante a experiência, as duas repórteres observam que uma jovem de pele negra e cabelos avermelhados também estava sentada, ou seja, três negras almoçavam naquele ambiente. Porém, em alguns minutos percebem que a moça só estava ali para vender ingressos de um show.

As duas mulheres se levantam e seguem em direção ao buffet e não visualizam ninguém de pele negra, mas no balcão são recepcionadas por quatro funcionários negros.

Parte deles até se enquadrariam pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) como pardos, mas o fato é que nos 40 minutos de permanência no local, nenhum negro chegou ao local para ser servido, a não ser uma quinta funcionária, que se dirigiu ao fundo do estabelecimento para vestir seu uniforme. 

Segundo as pesquisas populacionais, o povo preto é maioria no Brasil, mas não nos bairros fora da periferia. Num condomínio no bairro Itanhangá Park, dos três blocos e um total de 204 apartamentos, os negros só adentram o portão pela "entrada de serviço", separada da social que é destinada aos moradores e visitantes.

De negros, quem passa por ali todos os dias são prestadores de serviços, funcionários do residencial e empregadas domésticas, para quem também é destinado o elevador "de serviço".

Auxiliar de serviços gerais há quatro anos no local, a funcionária que não se identifica é negra e conta consigo na hora de enumerar os negros do convívio diário no trabalho.

"São dois ou três assim, da minha cor, não é? Mas só de serviço, morador negro não tem não. Tinha só mais um que trabalhava na portaria e o que faz a pintura", conta.

Ao porteiro vem à memória apenas um morador negro. Um entre 200 famílias. Num diálogo despretensioso, ele diz que "negro, negro, é prestador de serviço e empregada doméstica. As negras que vejo aqui é tudo doméstica".

Influenciado pelas últimas notícias, de que negros são a maioria hoje nas universidades, ele emenda. "Só na faculdade que tem mais acesso mesmo por causa da bolsa. Era mais difícil antes, mas agora com o Enem, Pro-Uni...".

A pesquisa “Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil” citada pelo porteiro foi divulgada pelo IBGE no último dia 13 de novembro. O estudo mostra que, pela primeira vez, o índice de alunos pardos e negros matriculados em universidades públicas brasileiras superou a taxa de alunos brancos, alcançando 50,3%.

É importante pontuar também que negros e pardos representam 55,8% da população brasileira e, portanto, por mais que sejam maioria nas universidades públicas, ainda estão proporcionalmente sub-representados.

Partindo do restaurante e moradia, o Lado B chegou a um bar localizado no Chácara Cachoeira às 18h30 e após três horas, o espaço servia apenas um cliente negro entre 50 pessoas presentes.

A diferença é que, neste caso, nenhum negro estava entre os funcionários. O espaço recentemente inaugurado entra na rota das novidades e recebe clientes para o happy hour.

A presidente da Comissão da Igualdade Racial da OAB/MS (Ordem dos Advogados do Brasil), advogada Silvia Constantino, de 37 anos, garante que a ausência do negro no poder está totalmente ligada ao racismo estrutural.

A advogada pontua que as marcas históricas, de mais de 300 anos de escravidão, seguem evidentes e refletem na falta de oportunidade ao negro, já que nunca houve uma assistência ou política pública que devolvesse seu espaço.

“A democracia racial é um mito. Não ver negros no poder é palpável, um exemplo, é a ausência de famílias pretas nos restaurantes. No caso das cotas, por exemplo, falam do racismo reverso. Mas esquecem que a disputa é a mesma, a única diferença é que a linha de largada será igual para todos. Eu particularmente, não acredito na pesquisa divulgada pelo IBGE de mais da metade dos alunos em universidade são negros. É uma realidade que eu não vejo nas universidades. Me formei há um ano e numa sala de 50 alunos só tinham 2 alunos negros”, frisa.

Para Silvia, a questão do empoderamento do negro está em construção. “Estamos caminhando para a conquista o espaço. Está em construção. Temos que sair do cenário da submissão e mostrar que também pensamos, que também somos inteligentes e formadores de opinião”, finaliza.

O exercício de reflexão deve ser perpetuado, afinal, as pesquisas continuam evidenciando a numerosa população negra, mas onde estão todos que não seja trabalhando ou servindo?

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