Há 28 anos, Laís é o ouvido e a porta-voz da irmã mais que especial
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A diferença de idade é de 1 ano. E se não fosse pela proximidade do nascimento, seria pela consequência da injeção que Elisa tomou ainda bebê. Desde que se conhece por gente, Laís se comunica por libras com a irmã que perdeu a audição e nunca a ouviu chamar para brincar.
As duas criaram uma relação de cumplicidade que vai além de querer ser companhia uma da outra. É viver uma pela outra. Lais Paulino tem hoje 28 anos, é servidora pública e a irmã, Elisa Ferreira Rodrigues Paulino, tem 29 e é professora. "Só idade, porque a cara é mais jovem que a dela", brinca Elisa.
A entrevista acontece na casa de Laís e enquanto ela conversa comigo pela voz, usa as mãos para interpretar o que estou perguntando à Elisa. Quando a resposta vem, Laís coloca som nas conclusões da irmã.
As duas são as mais velhas dos quatro filhos da família. Com 8 meses de idade, Elisa tomou uma injeção errada e teve complicações graves, entre elas paralisação dos rins. "Os médicos falaram, se vocês acreditam em Deus, é só um milagre e se ela se salvar, ficaria alguma sequela e ficou a surdez", explica Laís.
A perda da audição fez com que a família que morava em Cassilândia, interior do Estado, se mudasse para Campinas, em São Paulo. A adaptação, segundo as irmãs, não foi fácil. Era a primeira vez que alguém da família lidava com todas essas mudanças. "Meus pais, com o passar do tempo, levaram ela para um colégio especial e foram fazendo fono, todo o desenvolvimento com psicólogos, englobou vários setores da acessibilidade e fomos procurando outros recursos para desenvolver cada vez mais", recorda.
Pela diferença de idade ser pequenininha, a adaptação foi natural para a irmã. "Como estava dentro de casa, via minha mãe tratando ela. A gente foi crescendo e depois quando ela foi para um colégio regular, sempre nos colocavam na mesma sala e conforme o tempo foi passando, fui me identificando mais com as libras para eu poder falar com ela", narra Laís.
Se uma ia ao mercado ou ao shopping, a outra ia também. "Até parecia que nós eramos gêmeas", brinca Laís. Em casa, mãe e a irmã caçula sempre falaram libras, mas porta afora, o mundo não consegue e nem tenta a comunicação. "Conforme eu fui crescendo, fui vendo vários lugares onde ela tinha dificuldade, aí eu ia falando em libras", conta.
Mais que ouvir, Laís se tornou a porta-voz da irmã, sempre repassando o que ela precisasse. "As pessoas não usam libras. Na justiça, no hospital, não tem intérprete", diz Elisa. E a irmã emenda explicando que, mesmo se Elisa escrevesse, pelo fato de não ouvir, o português é diferente. "Um ouvinte vai entender mais ou menos, porque não tem verbo de ligação", exemplifica Laís.
Vivendo uma ao lado da outra, o momento mais emocionante das irmãs arranca lágrimas até hoje. "Quando ela casou? Não, não, quando ela se formou. Vou chorar... É que a gente achou que nunca fosse estudar, porque é difícil e ela se formou na Federal, indo e vindo de Dourados todos os dias", recorda a irmã.
Casada, Elisa hoje já é mãe de Ester, de 5 meses. Uma menininha linda, sorridente e que desde cedo demonstra a vontade de se comunicar com as mãos. Ouvinte, ela será a futura porta-voz dos pais.
"O que a minha irmã é para mim? Mais que especial", resume Laís. "E eu fico muito feliz, é muito importante a minha irmã se preocupar, ir atrás dos nossos direitos. Fico emocionada, minha irmã se prontificou a estudar, a trabalhar junto para a gente se comunicar", responde Elisa.