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Comportamento

Na favela, mães solteiras trabalham em casa, e não é home office

São histórias de mulheres, muitas desempregadas por conta da pandemia, que agora cuidam sozinhas de seus filhos

Lucas Mamédio | 26/05/2020 06:12
Marinez está na favela da Mata com os três filhos (Marcos Maluf)
Marinez está na favela da Mata com os três filhos (Marcos Maluf)

O home office não é uma opção onde não há trabalho. Quer dizer, existe o trabalho, e ele é feito em casa, mas é bem diferente. Na Favela da Mata, local mais isolado na região invadida da Homex, construtora que faliu e deixou o terreno pra trás, muitas mães solteiras perderam seus empregos e agora são obrigadas a ficarem em casa, não só por conta da pandemia, mas para cuidarem dos filhos. São histórias que se repetem a cada barraco que passamos, com paredes frágeis envolvendo mulheres fortes.

Rosana dos Santos Neves, de 36 anos, cuida de quatro filhos sozinha. Sem poder levá-los à creche e dispensada da indústria onde trabalhava depois do início da pandemia, resta o isolamento, quase redundante, porque outra opção não há.

“É mais difícil eu sair de casa, principalmente por ser mulher. Como vou deixar meus filhos sozinhos, ainda mais agora que não tem onde eles ficarem?”, lamenta.

Rosana ficou desesmpregada com pandemia e não tem onde deixar os filhos (Foto: Marcos Maluf)
Rosana ficou desesmpregada com pandemia e não tem onde deixar os filhos (Foto: Marcos Maluf)

Escorada no carro que precisará ser devolvido à garagem porque as parcelas estão atrasadas, e tomando um café ao sol, está Marinez Cardoso Ortiz, de 45 anos. O olhar distante volta rápido acompanhado de um sorriso aberto no rosto para nos atender. “Vamos chegar”. Marinez cuida dos três filhos sozinha. Também foi demitida do frigorífico onde trabalhava. O dinheiro usado para pagar a babá já não existe mais.

“Minha filha mais velha (uma quarta, portanto) cuidava dos irmãos pra mim e eu dava um dinheirinho pra ela. Eu até consegui o auxílio do Governo Federal, mas é menos do que eu ganhava e mês que vem acaba; aí o que eu vou fazer?”.

Dona Guiomar diz que quem tem Deus nunca está só (Foto: Marcos Maluf)
Dona Guiomar diz que quem tem Deus nunca está só (Foto: Marcos Maluf)

Voltando do mercadinho, sob uma sombrinha lilás, com alguns pacotes de ração para seus três cães e dois gatos, está dona Guiomar de Almeida, de 65 anos, mais conhecida na comunidade como “Baiana”. Os animais são os únicos companheiros de uma momento em ela está mais afastada das pessoas, porém mais “perto de Deus”.

“Quem tem Deus nunca está sozinho, meu filho. Estou acostumada a ficar só eu e Deus, até prefiro. Medo a gente até tem, mas fico mais em casa mesmo e, como disse, Deus não passa essa doença aí, só cura”.

Há seis meses Angelize de Castro Santos, de 47 anos, vendeu sua motoneta da marca Shineray para comprar o terreno e o barraco onde está, na Favela da Mata. Mora com filho e neto e sustenta a casa com bicos, cada vez mais raros.

O desemprego vem antes da pandemia, já faz seis meses que Angelize foi demitida do último emprego de doméstica, no bairro Portal Caiobá, onde também morava numa casa alugada de material.

Angelize diz que está acostumada com o sofrimento imposto por uma vida cheia de limitações (Foto: Marcos Maluf)
Angelize diz que está acostumada com o sofrimento imposto por uma vida cheia de limitações (Foto: Marcos Maluf)

“Eu vou ser sincera pra você, isso aí que tá acontecendo não muda nada pra mim não, pra gente que já sofre todo dia, que passa o pão que o diabo amassou”.

Mais uma vez a religião e a crença em Deus parece ser um dos únicos alentos para quem não vê no mundo material a resposta para tantos questionamentos. “Pra gente que é da igreja é menos duro, sabe. Deus tá do nosso lado”.

Mais um barraco, mais uma história que se repete. Paloma da Silva, de 25 anos, é mãe solteira dois filhos. Ela conversa com mais duas amigas no quintal de casa enquanto as crianças brincam. Interrompo.

O jeito tímido só dá conta de confirmar as minhas perguntas.

- É mãe solteira?

-Sim.

- Só tem esses dois?

- Aham.

- Mora aqui há quanto tempo?

- Dois anos.

- Está se cuidando pra não pegar coronavírus?

- Ah, estou.

Não precisava muito, as respostas não estavam nas palavras, estavam no quintal, na casa, nas amigas, no olhar, principalmente no olhar.

Vanessa agora fica em casa por outro motivo, o filho Emanual que já cresce em sua barriga (Foto: Marcos Maluf)
Vanessa agora fica em casa por outro motivo, o filho Emanual que já cresce em sua barriga (Foto: Marcos Maluf)

O drama é da mãe que tem filho criado, é da mãe que está criando o filho e é daquela que ainda vai ver sua prole no mundo. Quando o Emanuel, que ainda é um embrião, nascer, ele vai ser filho da Vanessa Pereira de Oliveira. Ela tem 21 anos, deixou os estudos no primeiro ano do ensino médio e agora cuida do barraco enquanto o pai da criança trabalha. Emanuel tem um pai. Todo têm. Vocês me entendem.

Ah, sobre a pandemia, ela não tem nada a dizer. O que dizer?

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