Sem "elegância" do frio, na "Só por Deus" a rotina é revezar agasalhos
Neste domingo (23) os termômetros marcavam 13 °C e o vento da madrugada “castigou” os moradores da favela
Encarar o fim de semana mais frio do ano em Campo Grande é um desafio para quem precisa se aquecer com as poucas roupa guardadas em casa. Na onda de frio que promete ser a última de um ano difícil, para quem vive em condições já precárias, a conversa nem passa perto dos debates sobre gostar ou não de temperaturas baixas, sobre pratos típicos ou sobre ficar ou não mais elegantes.
Sem meias ou casacos suficientes, o jeito encontrado pelos moradores da favela “Só por Deus” é cuidar para não se sujar ou molhar as peças e rezar para a temperatura subir logo. Enquanto isso, vale o revezamento entre o que está para lavar e a roupa limpa.
Neste domingo (23) os termômetros marcavam 13 °C, quase seis a mais do que o registrado nas primeiras horas de ontem, mas para quem mora na comunidade localizada na Rua Araraquara, região do Bairro Mário Covas, o vento da madrugada “castigou” e deixou a falta de roupas de frio mais evidente.
Os barracos ali são montados em um antigo campo de futebol e por isso a área descampada vira corredor para o vento frio. É no fundo da favela que a catadora Neusa dos Santos Guerise, de 64 anos, mora com a filha e o netinho. Enquanto conversa com a equipe de reportagem, ela mostra as duas blusas no corpo e conta que são as únicas no guarda-roupa. Na casa, cada um tem uma só meia.
“Aqui em casa, cada um tem uma meia, ontem eu não percebi e atolei o pé na lama. Minha filha precisou tirar a meia do pé para me dar”, contou a catadora. A situação ficou ainda mais difícil depois que a última chuva destelhou o barraco em que vivem. Mãe e filha logo conseguiram uma lona, mas não foi o suficiente para bloquear o frio das últimas duas noites.
O jeito encontrado para se aquecer foi usar o “calor humano”, todos dormiram juntos.
“Assim a gente conseguiu se esquentar um pouco. Nessa noite, eu consegui dormir por volta das 4 horas. Estava frio demais, a coberta não foi suficiente e meu corpo doía por causa do vento”, narrou Neusa. Dentro da possibilidade da família, até o cachorrinho da casa ganhou um casaco para enfrentar a baixa temperatura.
No barraco ao lado, mora do filho de Neusa, João Marcos dos Santos Guerise, de 24 anos. Desempregado, ele faz bicos de serviços gerais para sustentar a família e encarra a mesma situação a mãe e da irmã. “Cada um tem uma peça de roupa quente. Se chover, sujar, ou acontecer qualquer coisa, a gente precisa usar o lençol e cobertor como roupa”.
Ele conta que todos os anos passam pelos mesmos problemas e por isso “estão acostumados com a situação”, mas isso não diminui a angustia. “Mesmo com tanto tempo aqui, o frio ainda pega a gente feio. Nossa sorte é que ele está indo embora, tomara que amanhã melhore mais”.
Jheyni Mayara, de 26 anos, vive em um dos barracos da comunidade com os três filhos: um bebê de 1 ano e 3 meses, uma menina de 3 anos e um menino de 5 anos. Ela explica que “tem bastante roupa”, cada um conta com duas peças, mas o frio intenso obriga a família dormir toda junta.
“Durante a noite a gente dorme todo mundo junto para as crianças sofrerem menos. O pessoal sempre faz doação aqui na favela, mas como a gente mora no fundo, quase nunca consegue retirar”, lamenta a jovem.
Desde o Dia dos Pais, o pedreiro Sidinei Ferreira, de 59 anos, mora com a filha na favela. Assim como Jheyni, revela que tem duas blusas para encarras os dias frios, uma é exclusivamente para o trabalho. A meias do armário, no entanto, ficam longe dos pés. “Aqui faz muito frio e eu estou só com umas meias furadas e velhas, então prefiro nem usar nada”.
A solução mesmo, contam, é a volta do sol e do calor. “Graças a Deus o sol já está voltando, só com as cobertas que a gente tem e o pouco de roupa, não dá para aguentar muito bem. Mas a gente leva do jeito que dá. Eu ainda tenho duas, tem gente que não tem nenhuma”.