Gay e lésbica vão comprar presentes. Mas será que o comércio está preparado?
- Oi, posso ajudar?
- Sim, eu estou procurando um presente para o meu marido, de Dia dos Namorados.
(Pausa para retomar o fôlego, os pensamentos, ou ir direto perguntando o que deseja?)
O diálogo acima é travado entre um atendente e um rapaz gay. O presidente da Rede Apolo, David Andrade, de 28 anos, topou ir às compras com o Lado B para ver se o comércio de Campo Grande está preparado para a "homoafetividade". Também levamos uma lésbica, para sentir se diversidade é o forte dos vendedores.
Gay
Fomos ao Centro na quarta-feira, dois dias antes do Dia dos Namorados. Na primeira loja, de ternos e roupas sociais da Avenida Afonso Pena, de cara David já fala que o presente é para o marido. A vendedora só abre um sorriso e age com naturalidade, perguntando preferência de modelo e tamanho.
A atendente usa 'ele' em todas as vezes que pergunta algo, sem parecer forçar. Quando os valores entram em cena, David brinca se tem desconto para gay. De 5% ela anuncia que faz até 7%, para ele. Vamos embora e a percepção dele é a seguinte: "senti que atendente foi boa, não percebi preconceito".
David é bem apresentado, discreto, de voz firme. Sabe que essas são diferenças cruciais no atendimento. E é exatamente isso que ele ouve de um atendente mais adiante. "Eu acho que se fosse um casal, ia olhar diferente sim. A gente não vai ter problema não", explica ele a mim.
Numa outra loja, desta vez de joias, relógios e lingeries, na 14 de Julho, a atendente reage de forma natural quando escuta o pedido. "Um relógio para o meu marido de Dia dos Namorados". De imediato pergunta qual o estilo e fala que tem saído muitos relógios e principalmente alianças para casais gays. Também nenhum problema.
Na terceira loja, de calçados femininos e masculinos, o vendedor não muda a expressão e nem o tratamento ao saber que o presente é para o marido da David. Numa pergunta minha dirigida a ele, o rapaz responde que têm atendido muitos gays sim, mas que do nosso personagem em questão, ele não desconfiou. "Foi só quando ele falou. Eu até pensei, mas ele é discreto", relata.
Na avaliação de David, o atendimento foi bom, nada de diferente, exceto na parte da discrição. "Você vê que tem um preconceito aí. Todo gay tem que ser afeminado? Se fosse uma pessoa afeminada, o tratamento seria outro?" E assim David me sugere chamar outro gay.
Para fechar as compras do dia, numa loja de alianças da 14, entramos juntos. Começamos a olhar da vitrine e a atendente se aproxima com um sorriso. Nos convida a entrar e olhar modelos. É na hora de experimentar, depois de passar o aneleiro pelo dedo da David para medir o tamanho, chega minha vez.
Respondo rindo que a aliança não é para mim. "É para o meu marido", responde David. A atendente ri, não se desconcerta, pede desculpas e segue com o melhor atendimento recebido. Explicando os benefícios, planos e garantias da loja e modelos.
"Ela realmente falou muito bem. Eu, particularmente, se fosse escolher, não fez diferença para ela eu responder que era para o meu marido", avalia David. O nosso personagem chegou a perguntar se não havia um preço diferenciado para gays, como se fosse uma 'cota', justificando que é difícil emprego para LGBT's. A moça ri e responde um "imagina". O único ponto que incomodou David. "Ela fala como se não houvesse uma dificuldade. Então cadê os gays, as travestis da loja?" levanta.
No fim do atendimento, quando ele agradece a atenção e diz que vai mandar outros amigos para comprarem com ela, a moça retribui "manda mesmo, a gente atende todo mundo com o maior carinho".
À ela, depois, revelamos que se tratava de uma reportagem. A vendedora Maria de Lourdes de Oliveira, de 37 anos, se sentiu privilegiada e David explicou o que achou. "Depois do fato, você continuou agindo normalmente. Não senti discriminação ou preconceito", segue.
De fato, David é casado há 5 anos, mas não usa mais aliança. Ele era um personagem de uma reportagem, mas poderia ser um cliente. Sobre o atendimento, Maria de Lourdes responde que já está habituada a receber casais e que para ela, é indiferente se são homossexuais ou heterossexuais. "É a mesma atenção, independente, todo mundo merece ser feliz".
Lésbica
Na quinta-feira, véspera do Dia dos Namorados, fomos ao Shopping Campo Grande. Eu e tatuadora Nana Almeida, de 22 anos. Escolhemos lojas de roupas, maquiagem, sapatos e chocolates. Na primeira, de roupas, o atendimento demorou a chegar. A vendedora simplesmente parecia que não tinha visto a gente.
De longe, ofereceu uma ajuda e pediu para que ficássemos à vontade. Nana teve de ir até o balcão para buscar a ajuda anteriormente oferecida e disse que procurava um presente para a namorada. A vendedora foi seca. Não abriu sorrisos e só perguntou o que ela procurava, sugerindo de cara uma blusa.
"Mas por que não um vestido?" - depois levantou Nana. A moça não perguntou estilos, foi mostrando o que estava à mão. "Nada a ver a blusa que ela me deu. Ela podia ter perguntado o modelo que eu queria. Eu acho que primeiro eles dão uma analisada", acredita Nana.
Em outra loja de roupas, a atendente já aparentava mais experiência e 'travou' ao ouvir que Nana procurava um presente para a namorada. "Mas em seguida ela voltou ao normal. Se saiu bem, foi bem querida", avalia. De imediato ela perguntou tamanho e estilo, expondo peças e dizendo até o horário em que ela trabalhava lá. Se mostrou bem à disposição.
O mal estar ficou mesmo por conta de uma loja de sapatos. Onde três atendentes cochicharam entre si o pedido de Nana. Ela queria um tênis masculino, para a namorada, no tamanho 36. A atendente ria tentando explicar que só tinha a partir do 38 e nos trouxe um sapatênis bem diferente do que o pedido.
Quando Nana explicou o que queria, a moça reproduziu. Uma outra foi até o computador para procurar no sistema. Mas os olhos se voltaram a nós de forma constrangedora.
Na loja de maquiagens, além da boa vontade da vendedora em oferecer um kit, ela ainda sugeriu o "serviço". Junto com o presente, a namorada de Nana ganharia uma aula de automaquiagem de olho, pele ou boca.
Nana avalia que no geral o atendimento é bom. "Pode ter um preconceito, mas ele é interno. Até porque eles não podem tratar diferente, isso pode dar cadeia", adverte.
Às travestis, o tratamento também não sofre grandes mudanças não. Parece que quando elas vão às compras, o interesse maior pode estar na comissão que os vendedores recebem. Presidente da ATMS, Cris Stefanny resume dizendo que "dinheiro não tem sexualidade" e que basta tê-lo para conseguir ser bem atendida. O problema, revela ela, é bem maior. A dificuldade em conseguir um trabalho, e logo poder gastar. À ela nunca chegaram queixas de constrangimento. "Não tem uma histórico de destratar não, apenas nos serviços de depilação, mas de resto, para comprar, não tem dificuldade alguma", fala.
Minha vez
Eu senti na pele o preconceito velado. Os olhares e principalmente os cochichos. Fui na companhia do jornalista Alan Diógenes ao Shopping Campo Grande. Ele é gay assumido, entrou em lojas de roupas masculinas e me acompanhou onde as opções eram voltadas às mulheres. Cada vez que um era atendido, o outro prestava atenção nos detalhes e olhares.
"Muita gente ainda acha incomum, por mais que está aí na mídia. Não senti preconceito, mas ainda é bem dividido o atendimento", comenta ele.
Foi Alan quem percebeu numa loja de sapatos a reação da vendedora depois que nós saímos. Lá dentro eu pedi uma sapatilha baixinha, número 37, para dar de presente de Dia dos Namorados. "Eu percebi que ela parou e comentou o fato com outras vendedoras e no momento que nós saímos, as funcionárias olharam para a gente". E de fato, olharam mesmo.
Seja pelo fato da gente querer gastar dinheiro, ou respeito mesmo à individualidade, a maioria se comportou bem.