A viagem pelo mundo começou quando Carlos abriu mão de gastar no happy-hour
Uma simples economia virou planejamento estratégico para o servidor público ser feliz até tomando sorvete de violeta na Bulgária.
Hoje ele é um funcionário público federal em Campo Grande. Não ganha mal, mas sua caminhada pelo mundo só aconteceu graças ao desapego. A vida agitada depois de dias de trabalho, regada a cerveja, churrasco e conversas, fizeram de Carlos Augusto Sá um homem infeliz. Foi quando ele decidiu economizar para se surpreender com o mundo.
A história de Carlos inspira pelo desprendimento, que muitas vezes falta até para quem tem muita grana no bolso. Sua caminhada começou com a economia do dinheiro do happy hour, lá em 1997. Durante meses ele economizou os R$ 25,00 que gastaria por dia na farra. Logo depois, ele estreou sua primeira viagem internacional.
Quando ingressou na faculdade de Turismo, Carlos já gostava de viajar e acampar. “Mas eu precisava definir algumas coisas na minha vida. Não adiantava ficar em um papo que girava em torno de churrasco e cerveja”, conta.
Ainda era 1997 quando passou em frente a uma agência de Turismo no Centro e decidiu entrar para fechar negócio. “Não queria somente França, escolhi passar pela Grécia, Espanha, Egito”.
Com vários roteiros de ponta a ponta, a viagem ficou maior. “Viajei durante dois meses, peguei férias atrasadas e o dinheiro economizado para curtir de verdade”.
Diferente de um turista, Carlos prefere ser chamado de viajante. “O viajante vai aberto para o mundo, com vontade de conhecer da igrejinha da comunidade até a música local. É um processo de imersão na cultura local. O viajante também rompe com o paradigma da mochila, aliás, ela possibilita qualquer tipo de deslocamento, a mochila é sua casa”, diz.
Em dois meses Carlos andou por diferentes paisagens, idiomas, olhares e afetos em uma “experiência sensorial incrível”, relata. “É como entrar na casa da vó e sentir aquele cheirinho da comida. Na viagem a gente consegue ter essa sensação diferente toda vez que entra em um novo lugar, é incrível”.
As coisas mais simples passaram a ser os momentos mais importantes da jornada de Carlos, como tomar um vinho prestigiando o pôr do sol de Paris, mergulhar no Mar Vermelho e tomar sorvete de violeta na Bulgária.
Na Hungria, a surpresa foi com o tempo que parece ter parado. “Eu fui de ônibus pela zona rural, e vi alguns pontos perdidos na idade média, onde as pessoas ainda vivem com suas carroças de roda de madeira”, lembra.
Na Romênia, o impressionante Castelo de Bran, conhecido habitualmente como “Castelo de Drácula” ficou na memória. Mas a cena mais tocante de todas veio da rua. “Me arrepio até hoje só de contar. Estava em Brasov, quando me afastei de um grupo e encontrei um rapaz na rua tocando “Wave” de Tom Jobim. Ao ouvir aquele “Fundamental é mesmo o amor...” falei com o rapaz. Foi quando ele tocou meu casaco, olhou nos meus olhos e disse 'fome' em português. Aquilo me paralisou. Peguei aquele garoto e o levei para uma lanchonete. Comemos. Todo mundo me olhou. Pegamos um refrigerante enorme. Vi o quanto a injustiça social é imensa”, descreve.
Carlos também aprendeu fazer pão no deserto do Saara, em um calor de mais de 50 graus. “Fiquei um tempo tentando entender o processo”. Assim como o deserto, a viagem a Cuba foi uma das mais interessantes. “Foi mágico para resumir. Assim como as trilhas do Peru e o subir no teto para olhar o céu estrelado mais lindo que já presenciei".
A Patagônia também foi uma experiência intensa e reflexiva. “Onde você percebe o grau de importância que tem o planeta e o que o ser humano está fazendo com ele. É triste constatar isso”.
A gentileza ao longo do percurso é lição para vida toda. “Você conhece um mundo totalmente diferente, muda valores e passa a ver o mundo com mais solidariedade. Dormir em lugares que você não conhece é romper com todas as amarras. Duas vezes entrei em pânico quando me perdi em paris, eu falava o básico do francês. Lá, ou você fala francês bem ou não fala. Foi horrível tentar falar e lidar com a indiferença de algumas pessoas. Mas a sorte ainda é encontrar pessoas dispostas a te ajudar”.
A consciência de que os sonhos realizados só dependem dele veio com a primeira viagem. Depois disso, Carlos já viajou por mais de 30 países, percorrendo trechos da América Latina, Europa, África e Ásia. “Descobri que viajar é para qualquer pessoa e qualquer salário. A gente precisa fazer planos”.
Receita – Planejamento financeiro é estratégia que não necessita uma planilha tão detalhada se você domina pouco ou nada do Excel. Papel e caneta na mão resolvem. “Uma receita básica é anotar todos os gastos. Aqueles R$ 2,00 ou R$ 3,00 que você achou que não faria falta, os R$ 5,00 pagos em um cafezinho, o passe de ônibus a mais. Você conseguirá visualizar onde está gastando muito o seu dinheiro”.
As viagens pelo mundo fizeram de Carlos um homem diferente. Ele mantém o mesmo carro há 15 anos e aplica 30% do salário mensalmente. Procura lugares para almoçar que sejam mais em conta, mas sem perder a qualidade da alimentação e o aparelho de celular já completou três anos de uso. “E ainda está intacto, não penso em trocar”.
Escolhas que para o funcionário público foram transformadoras. “Me fez pensar sobre qual o sentido de tudo o que a gente faz. Pra mim são escolhas inteligentes. E isso não quer dizer que eu seja um muquirana. Apenas que as experiências que eu vivo em outros lugares são marcantes e para conquistar esses momentos, eu preciso me planejar e fazer escolhas”
Entre idas e vindas, as viagens não deixaram somente lembranças, mas saúde ao viajante de 57 anos. “É uma constatação, as pessoas paradas adoecem e um sonho adormecido transformam em dor. Tem muita coisa legal nesse mundo e a gente ainda se prende ao iPhone, churrasco e cerveja. Com diria Raul Seixas: Não pense que a cabeça aguenta se você parar”, finaliza Carlos.
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