Uma festa parou no tempo e há décadas continua cheia, tocando os mesmos sucessos
Há muito tempo que a curiosidade nos cercava de como são as festas de flash back nas noites de Campo Grande. Há décadas, o clube União dos Sargentos, na Capital, realiza pelo menos duas ao mês. Normalmente no primeiro ou no segundo sábado e duas semanas depois, o repeteco, sempre cheias. É como se, um dia, um grupo resolvesse que determinado ano se repetiria sempre, e assim foi, como uma matinê no Circulo Militar, ou a madrugada na Chattanooga, ao som de Losing My Religion.
Ainda é cedo, o relógio marca 23h30, mas já tem público no clima dos embalos de sábado à noite. Dançando como John Travolta, o comerciante Carlindo Quevedo, abre espaço na pista. Perto dele, apenas a companheira de dança, mas em volta, todos os olhares são para os passos, até na ponta dos pés, do protagonista do clube.
"Todo baile. Vou em todos. Isso aqui é a minha praia, não curto outra coisa", responde. Mal havia começado a festa e ele já transpirava a energia de quem veio para dançar até de manhã. "Desde moleque eu gosto. É a música, a dança, as melhores estavam até os anos 80. Depois, virou bagunça", desabafa.
A não ser que você se aventure a dançar junto de Carlindo, a conversa precisa ser rápida para não atrapalhar o "show". Quando questionado sobre o passado, ele tem ano e local na ponta da língua. "Onde eu ouvia isso? No Clube Cruzeiro, em 1978".
Desde a bilheteria do clube, se vê de tudo um pouco. Mulheres na companhia de amigas, casais na faixa dos 30, 40 anos, homens solteiros e até gente jovem, indo talvez pela primeira vez. Depois de subir a escada, os olhos já percebem a volta ao passado.
Com a música, o jogo de luz traz junto uma nostalgia na companhia do gelo seco que forma a fumaça na pista. Mas um detalhe fica claro: a produção não é tão nostálgica quanto os passos. Todo mundo restringe a volta às décadas passadas apenas na música, porque o visual é o de hoje mesmo. Elas de vestido ou saia e salto alto. Eles, com exceção de Carlindo, que usava tênis, a maioria de sapato, jeans e camisa.
Presidente do Clube União dos Sargentos há três anos, Hamilton Pinheiro, de 58 anos, se recorda de já serem mais de 10 anos de participação nas noites de flash back. Sobre o porquê a festa lota tanto, ele responde que há várias interpretações.
"Cada um tem uma opinião em relação a isso. Eu vejo como sendo aquela festa de amigos, das músicas que fizeram história e hoje é uma recordação dos tempos antigos", avalia. O público pode chegar até 1,5 mil dependendo da programação que houver na cidade, mas nunca, garante seu Pinheiro, é menos de 800.
O público, na grande maioria, está mesmo acima dos 30 anos. Só que o presidente também tem reparado jovens vindo com uma certa frequência, seja por curiosidade, ou para fazer companhia aos pais. A animação fica por conta do DJ Delfo Segovia, com mais de três décadas de trabalho à frente da condução da música.
Se fizermos as contas, o que ele toca até hoje o que era atual na época em que começou. "Anima tanto porque é a batida que mais contagia, é essa, do flash back. A sintonia de música e vocal que elas têm, são o que as músicas de hoje não têm mais", explica.
A garantia de fazer todo mundo pirar mesmo, ele fala que está nos hits de Donna Summer, Modern Talking e Laban. "Aí não tem para ningué mesmo".
Maria Neuma da Silva Carvalho, de 48 anos, estava chegando à festa junto com a gente. Por morar ali na região, considerou o flash back como primeira opção da noite, seguido de vários argumentos. "E outra, é o tipo de música que eu gosto, da minha época. O que me lembra? O passado e o passado só tem coisas boas", descreve.
As músicas de antes eram melhores talvez - e aí traço um paralelo por minha conta - por terem sido trilha sonora da "adrenalina" vivida por ela nos bailes. "É que era uma coisa da descoberta. Hoje para mim isso não é mais novidade, porque estou numa outra fase da minha vida, mas era as músicas da paixão. Era diversão, adrenalina. Naquela época a gente era fissurado nas descobertas, em conhecer pessoas novas", explica.
Nos anos 80 e 90, ela lembra dos clubes da cidade com o diferencial de que geralmente as mocinhas iam na companhia das tias. "Não tinha essa liberdade, então para você ficar com um menino, tinha que se esconder da sua tia. Inventar que ia ao banheiro. Ali que tinha adrenalina e era maior", brinca. "Hoje? Eu só venho dançar e me divertir", volta Maria Neuma ao presente.
Descabelada mesmo, mas com sorriso aberto no rosto de quem se divertia sem se importar, a manicure Ramona Góes, de 44 anos, é frequentadora assídua. "Eu venho sempre, é para me divertir, a música é boa. O ambiente tranquilo. Se era melhor o passado do que as músicas de hoje? Mil vezes! Eram músicas saudáveis, sem malícia. Sabe do que eu me lembro? Nossos pais deixavam a gente lá, eu tomava refrigerante Funada... Quem conhece sabe a música boa que é aqui".