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Meio Ambiente

Gota a gota, alunos economizam 8 mil litros de água por mês do ar-condicionado

O que antes era um problema para a infraestrutura da escola, se tornou economia com consciência ambiental

Gabriela Couto | 29/10/2021 08:25
Criança conta gota de água que cai da garrafa. (Foto: Marcos Maluf)
Criança conta gota de água que cai da garrafa. (Foto: Marcos Maluf)

Cada gota d'água importa. O jardim verde e florido na entrada da Escola Estadual Professor Silvio Oliveira dos Santos, localizada no conjunto Aero Rancho, em Campo Grande, em pleno período de estiagem, é prova de que a natureza retribui as boas ações ambientais.

Sobre o jardim, um cano furado que liga ao sistema de reaproveitamento de água do ar condicionado da escola. A ideia surgiu em 2019 e foi desenvolvida pelos próprios alunos na aula de projeto de vida, com o professor Cesar Floriano.

Jardim na entrada da Escola Estadual Silvio Oliveira dos Santos, com canalização superior que leva água do ar-condicionado para molhar as plantas. (Foto: Marcos Maluf)
Jardim na entrada da Escola Estadual Silvio Oliveira dos Santos, com canalização superior que leva água do ar-condicionado para molhar as plantas. (Foto: Marcos Maluf)

Os 17 equipamentos que chegaram até a unidade escolar acabaram deixando de ser um problema para a infraestrutura e resultaram em economia de 8 mil litros de água por mês, o suficiente para molhar o jardim, a horta e lavar a quadra de esporte toda semana. Além disso, também proporcionaram muitas viagens para apresentar o trabalho pelo País, que ganhou prêmios e deixa um legado de sustentabilidade para as novas gerações.

“Depois que todas as salas de dois blocos tiveram esses aparelhos equipados, começamos a perceber que estava havendo uma contradição quando as funcionárias da escola utilizavam a água potável para fazer limpeza da quadra de esporte, sendo que havia desperdício de água do ar-condicionado ali, bem próximo. Pensamos, por que não fazer um destino consciente?”, relembra Cesar.

Muitos cálculos matemáticos, análise química da água, várias disciplinas trabalhando juntas e pronto. Com menos de R$ 1 mil, eles compraram uma caixa d’água, canos, cotovelos e parafusos. Assim, estava criado o sistema que interliga o ar-condicionado de toda a escola, até a cisterna e funciona até hoje. (Confira o vídeo abaixo)

“Em uma semana de calor, com ar ligado nos três turnos, enche a caixa d’água de 2 mil litros. A água é usada para lavar a quadra e regar plantas. Foi muito bacana desenvolver o projeto. Os alunos participaram de várias feiras científicas e ganharam prêmios e títulos. E até hoje, isso ainda tem um efeito na minha vida. Não estou mais na escola e em sala de aula. Me deixa grato, porque foi algo que eu deixei. Um legado com os estudantes”, destacou o professor. Ele pretende implantar o mesmo sistema na nova escola, assim que colocarem ar-condicionado. “Eu vi que deu certo e é muito barato.”

Nosso projeto precisa ser concreto. Fez parte da minha vida como professor. Temos que deixar algo que seja referência e sirva como incentivo para outros estudantes e para escola. Seja um exercício para a educação ambiental. Que tenhamos a consciência sustentável", disse Cesar Floriano.

Conversar com uma das alunas que participaram da implantação do sistema é inspirador. A estudante do curso de Administração Sthefani Pilatte, 19 anos, estava no terceiro ano quando participou da ideia na escola, em 2019.

Canos passam por toda a parte externa da escola, levando água do ar-condicionado até cisterna de caixa d'água com força da gravidade. (Foto Marcos Maluf)
Canos passam por toda a parte externa da escola, levando água do ar-condicionado até cisterna de caixa d'água com força da gravidade. (Foto Marcos Maluf)

“A escola que eu estudava antes não tinha nada disso. Participar de feiras científicas foi um divisor de águas na minha vida. Me tornou autoconfiante”, conta. Ela acompanhou todo o processo desde a parte teórica até a implantação. “Lembro que nesse dia, vários professores da escola e de outras escolas foram ajudar. A gente ficou muito feliz, uma coisa é escrever o projeto, a outra é ver ele funcionando. Foi emocionante”, conta.

Agora, já na faculdade, ela teve facilidade de passar na matéria de responsabilidade sustentável. “Essa base que eu tive me ajudou muito. E aqui em casa, nós reaproveitamos a água da chuva. Vou levar esse projeto para vida, porque sei que minhas atitudes causam impacto. Não agora, mas eu sei que nossa geração tem que ter essa consciência para que não falte para o futuro.”

O diretor da escola, Leandro Colombo Pedrini, fala com orgulho do sistema que continua funcionando há três anos e que deve ser ampliado. “O projeto já deu certo. Antes, a água do ar-condicionado era um problema. Embolorava toda a pintura na parede. Agora, eu uso até em casa com meus equipamentos. Toda a água foi direcionada para meu jardim. A ideia agora é estender o sistema de canos da escola para os novos equipamentos que chegaram.”

Sem perdas – Pensando em não desperdiçar, a Águas Guariroba, concessionária que administra o serviço de água e esgoto de Campo Grande, também desenvolveu seu método. Em uma sala repleta de telas com dados da rede de fornecimento da Capital, funciona o CCO (Centro de Controle Operacional), capaz de identificar o maior problema da empresa: a perda de água.

Sala do CCO (Centro de Controle de Operações) da Águas Guariroba, onde é feito monitoramento 24h da rede da Capital. (Foto Divulgação)
Sala do CCO (Centro de Controle de Operações) da Águas Guariroba, onde é feito monitoramento 24h da rede da Capital. (Foto Divulgação)

Por trás do monitoramento com inteligência israelense, que apita quando sensores espalhados pela rede de distribuição encontram falhas, está a gerente de operações, Francis Moreira Faustino Yamamota. Em 2006, ela identificou que quase 57% do que a empresa produzia ia literalmente “para o ralo”.

“Evitar desperdício é nosso pensamento principal. Nosso produto é a água. Como qualquer outra empresa, temos que minimizar desperdícios. Pela análise, vi que valia mais a pena investir em reduzir perda de água, do que fazer investimento em novas produções”, relembra.

Consciência ambiental é um conjunto que a gente traz de casa. Vemos perda, desperdício na própria privada. Onde eu ia, pensava: 'Meu deus, tá vazando água'."

Com capacitação das equipes, começou então a ser implantado na empresa uma forma de evitar vazamentos nos ramais, cavaletes, redes e, também, foi ampliada a fiscalização para evitar fraudes, ou o famoso “gato”.

“Fizemos um mutirão para buscar a regularização dos clientes. A fraude pode contaminar, inclusive, a própria rede de água, da rua e até do bairro inteiro. Hoje, conseguimos o patamar de 19% de perdas de água. Foi um dos maiores investimentos da empresa. Conseguimos um bom índice, já que a média nacional gira em torno 34%”, explica Francis.

A gerente ainda decidiu redividir a forma de analisar a cidade. Antes, a Capital tinha apenas três grandes setores de fornecimento. “Hoje, temos 103 grandes setores e conseguimos controlar. A torneira abriu na casa da pessoa, conseguimos ver quanto estou mandando de água para ela, pela minha micromedição. Em certos momentos do dia, diminuímos a pressão da água, também para evitar estourar a rede de água.”

Caça-vazamento – A fiscalização e o monitoramento na luta contra o desperdício é feito 24h. Até mesmo de madrugada, enquanto toda a cidade dorme, quem entra em ação são as equipes apelidadas de ‘caça-vazamento’.

Funcionário da Águas Guariroba, conhecido como 'caça-vazamento', passando ultrassom sobre a rede de água. (Foto: Divulgação)
Funcionário da Águas Guariroba, conhecido como 'caça-vazamento', passando ultrassom sobre a rede de água. (Foto: Divulgação)

“Essa equipe noturna trabalha da meia-noite até as 06h procurando o que não é visível pelo CCO. Eles passam pelas ruas com ultrassom capaz de escutar o ruído da rede de água para encontrar vazamentos”, revela Francis.

Por mês, esses ‘caçadores’ diferentes percorrem mais de 5 mil km e conseguem identificar mais de 100 vazamentos não visíveis. “São de intensidade menor e não sabemos quanto tempo estavam ali vazando. E quanto tempo iria aflorar para ser visível. Mas que fazem grande diferença.”

Para ter um plantão ‘full time’ trabalhando contra o desperdício, são 60 funcionários no CCO e 93 na fiscalização se revezando. “Trabalhamos para tirar o vazamento o mais rápido possível. Porque não faz sentido, gastar para produzir, distribuir para a população e perder água no caminho”. Muitas vezes, a própria rede de fornecimento é substituída para evitar futuros vazamentos.

Francis combate a perda de água todos os dias e achou excelente a ideia dos alunos. “Hoje em dia, a população vem se conscientizando, porque tem que reaproveitar a água. Na escola, o próprio aluno leva a ideia para a casa dele. As pessoas começam com balde. Acho que para o futuro é fundamental as crianças estarem vendo isso.”

Desperdício – O Instituto Trata Brasil divulgou um estudo que confirma que no Brasil, 39,2% da água tratada sofre perdas na distribuição. Isso significa que 7,5 mil piscinas olímpicas de água tratada são desperdiçadas diariamente. O montante seria suficiente para abastecer mais de 63 milhões de brasileiros em um ano, equivalente a 30% da população brasileira em 2019. Essa quantidade também atenderia perfeitamente os mais de 13 milhões de brasileiros que habitam em favelas, durante o período de três anos.

Para o presidente executivo do instituto, Édison Carlos, ações como as dos estudantes da Escola Estadual Professor Silvio Oliveira dos Santos são muito importantes. “Nem tanto pelo volume que economiza, mas pelo exemplo que se dá. Ar-condicionado tem em todas as repartições do País hoje. Normalmente, as pessoas colocam um dreno e ligam no esgoto ou rede da água da chuva. Essas ações, vindo de alunos, são muito simbólicas. São pessoas que, daqui a pouco, serão adultos e terão essa preocupação.”

Cisterna onde água do ar-condicionado da escola é armazenada e utilizada para reaproveitamento. (Foto: Marcos Maluf)
Cisterna onde água do ar-condicionado da escola é armazenada e utilizada para reaproveitamento. (Foto: Marcos Maluf)

Segundo ele, a grande dificuldade encontrada hoje é virar a chave da consciência ambiental nos mais velhos. “Os adultos tinham um hábito de ter água em abundância. Quando a gente vai ser informando e vê que as cidades começam a passar por crise de abastecimento reflete. É só uma gotinha de água do ar-condicionado, mas quando você soma essa gotinha, é a mesma coisa que uma torneira, um chuveiro. Quando você vê, jogou uma caixa d’água inteira fora”, destacou.

A Região Centro-Oeste é a que menos perde água potável no País. Apenas 34,4% do que é tratado não chega nas residências. Sendo que Campo Grande se destaca no ranking regional como a primeira colocada no cuidado para as perdas da água e a terceira cidade do Brasil a se preocupar com o fornecimento do serviço. A Capital já atingiu índices de perdas com os padrões de excelência estabelecidos como meta para 2034.

“Usamos Campo Grande como exemplo no País. Nas palestras que ministro, cito a cidade como referência de avanço no saneamento. É modelo. Avançou muito em água potável. É fruto de muito investimento e de muitos anos desse investimento”, completou.

Tem muito projeto para o lixo. Fala-se pouco de água. A gente precisa ensinar direito. A água não vai ter em qualquer lugar. Isso deveria ter uma política educacional, parte do currículo escolar, todo ano. Precisamos de adultos mais conscientes e pessoas mais responsáveis."

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