Frio e calor no mesmo dia: como aquecimento global atinge Mato Grosso do Sul
Pesquisador conversou com o Campo Grande News a respeito dos extremos climáticos em território estadual
Tempestade de areia, chuva forte, frio recorde e calor intenso. Em diferentes momentos do mesmo ano, vários fenômenos climáticos ocorrem em Mato Grosso do Sul e em Campo Grande. Para além da incerteza em esfriar ou esquentar no mesmo dia, muitos prejuízos acontecem a sul-mato-grossenses.
Nesta sexta-feira (22), a Energisa - empresa responsável pela distribuição de energia elétrica à maioria dos municípios do Estado, incluindo a Capital - informou que quase todas as residências e estabelecimentos que tiveram queda de energia, já estão com a transmissão restabelecida. No entanto, alguns moradores ainda têm dificuldades no acesso ao recurso e relatam uma série de perdas.
O professor e pesquisador em Climatologia da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul) Julio Cesar Gonçalves, explica que Mato Grosso do Sul fica em uma região de transição climática entre o Norte e o Sul do País. “O Mato Grosso do Sul é um estado em que há uma transição climática, entre o ar mais quente do Norte e o ar mais frio do Sul. Isso já é estudado, muito conhecido, e é muito comum que na mudança de estação, você tenha episódios de passagens de frentes frias."
Desta forma, é esperado que o Estado tenha algumas mudanças bruscas na temperatura. “É muito comum que você tenha uma diferença muito grande entre ar quente e ar frio e essa diferença gera as tempestades, por exemplo", aponta.
No entanto, ele explica que esses extremos climáticos têm surgido com uma maior frequência, ao longo das últimas décadas. Isso ocorre, de acordo com o cientista, em função dos efeitos do aquecimento global. Esse fenômeno acontece em todo o planeta, por conta do efeito estufa - quando os gases carbônicos, gerados pela queima de combustíveis fósseis e agropecuária, impedem com que o calor na Terra se dissipe.
Aquecimento global - O cientista explica que os fenômenos climáticos naturais têm se intensificado em Campo Grande e em todo Mato Grosso do Sul. Chuvas mais concentradas em um período menor de tempo e maior incidência de temporais com aumento da velocidade dos ventos são alguns dos indícios para isso.
De acordo dados do S2ID (Sistema Integrado de Informações sobre Desastres), órgão vinculado ao Ministério de Desenvolvimento Regional, do Governo Federal, entre os anos de 1980 e 2019, o número de cidades brasileiras afetadas por desastres naturais dobrou. Além disso, o número de eventos climáticos nesse mesmo período passou de 5 mil para cerca de 33 mil, indicando que muitos municípios sofrem mais de um desastre por ano.
O fato é que essas mudanças já estão acontecendo e cada vez mais pessoas estão sendo afetadas em todo o mundo. O Brasil não está isento.”
Também é possível notar que o aumento no número de eventos foi mais acentuado na última década, crescendo 120% em relação à década de 2000. Entre as categorias, os fenômenos de seca foram os que aumentaram de forma mais marcante. Os dados de 2013 a 2019 mostram que mais de 2,5 milhões de pessoas foram afetadas por eventos de seca ou excesso de chuvas, uma média anual de danos econômicos da ordem de R$ 6 bilhões.
“Como são fenômenos naturais, que estão sendo intensificados pela ação do homem, não tem como conter estes extremos climáticos. Cabe apenas aos gestores aumentar a antecipação destes cenários e estruturar melhor seus órgãos de apoio à população."
Segundo ele, isso seria feito por meio de investimentos em tecnologias meteorológicas, na Defesa Civil, além da conscientização, sobretudo em regiões de risco, como morros e desníveis. “Implementar legislação que atuem no combate ao aquecimento global - diminuição do desmatamento, diminuição e combate eficiente das queimadas no Cerrado e Pantanal, principalmente. Nas áreas rurais, criar mecanismos de incentivos à implementação de técnicas como a pecuária-floresta e ao plantio direto na agricultura.”
“Nas áreas urbanas, criar incentivo para aumentar a sustentabilidade do ambiente, como o uso da água da chuva nas residências, condomínios e comércio, o reuso de água na indústria, geração de energia de fontes alternativas limpas”, exemplifica.
O pesquisador entende que com a conscientização ambiental da população e da responsabilidade das empresas, será possível reverter essa situação. “Uma ação imediata é cuidar das bacias hidrográficas. Uma bacia bem cuidada pode ajudar tanto nos períodos de escassez de água como no controle de cheias.”
“A organização do território, o planejamento do uso da água, por meio de criação de comitês de bacias entre os municípios, políticas de uso consciente da água de reuso e uso da água da chuva no ambiente urbano e rural, e a proteção de áreas de recarga, onde ocorre o processo de infiltração e percolação da água, são algumas das ações que podem nos auxiliar nos problemas que devemos enfrentar em um futuro próximo.”
Além disso, se houver uma redução do desmatamento, haverá menor emissão de gases de efeito estufa, assim como irá preservar outros aspectos naturais, tais como os ciclos de água, carbono e manutenção da diversidade. “Para muitas regiões, é necessário restabelecer os serviços naturais perdidos com esforços de restauração - recuperação de nascente, áreas assoreadas de rios e córrego, florestamento e o reflorestamento, entre outros", explica o professor.
Além de tudo, é fundamental cuidar das áreas e das pessoas vulneráveis. Sistemas de alertas são indispensáveis, assim como ações de reassentamento de populações de áreas de risco, fruto de um planejamento dos territórios rurais e urbanos.”
Para Gonçalves, gestores públicos podem decretar situação de emergência para que possam ser feitos investimentos na área. No Estado, os municípios de Amambai, Dourados, Itaquiraí, Japorã, Nova Andradina e Sidrolândia fizeram medidas nesse sentido.
“Temos um grande desafio pela frente. Já sabemos que os eventos climáticos extremos estão ficando cada vez mais frequentes, as temperaturas médias anuais do planeta estão subindo e o desmatamento continua aumentando. Mas ainda dá tempo de mudar – a ciência nos mostra não apenas as causas, mas também as possíveis soluções para trabalharmos em ações com potencial de mitigar ou diminuir os impactos.”
O que dizem os gestores - O governo estadual promete que até 2030, o Estado reduziria a emissão de gases do efeito estufa. Para isso, foram decretadas alguns investimentos para pesquisas, dentre outros incentivos. Procurada, a Defesa Civil Estadual não respondeu a questionamentos da reportagem sobre o tema.
Já a Prefeitura de Campo Grande informa que tem atuado intensivamente no combate aos crimes ambientais, atendendo denúncias, fiscalizando e também promovendo programas de incentivo à preservação ambiental. "Dentre eles, destacamos o Programa Via Verde, que trata da arborização de passeios públicos em áreas residenciais e visa trabalhar em conjunto com a população local, envolvendo a comunidade de bairros e regiões menos arborizadas, por meio do plantio de espécies arbóreas apropriadas."
O município também ressalta o Programa Manancial Vivo, que segue diretrizes da ANA (Agência Nacional de Águas), para restauração do potencial hídrico e do controle da poluição difusa no meio rural. "Prevê pagamentos aos produtores rurais que, por meio de práticas e manejos conservacionistas, contribuam para o aumento da infiltração de água e para o abatimento efetivo da erosão, sedimentação e incremento de biodiversidade."
"Tais programas visam a preservação do meio ambiente, em como evitar e minimizar possíveis impactos ambientais, desenvolvendo diretrizes e mecanismos importantes como medidas mitigadoras e compensatórias."
Por fim, a prefeitura diz que há também o Programa Córrego Limpo, que visa monitorar córregos e rios dentro do perímetro urbano de Campo Grande, "em um programa de fiscalização e também de desenvolvimento de atividades de educação ambiental para conscientizar a população".