ACOMPANHE-NOS     Campo Grande News no Facebook Campo Grande News no X Campo Grande News no Instagram
NOVEMBRO, SEXTA  22    CAMPO GRANDE 27º

Meio Ambiente

No Pantanal, onça “xereta” não aguenta “briga” com tamanduá bandeira

Projeto instalado no Refúgio Ecológico Caiman, em Miranda, habitua onças à presença humana e ajuda a preservar o animal. “Avistamentos” flagram tamanduás enfrentando onças pintadas

Izabela Sanchez | 04/01/2019 11:30
Xereta, a onça jovem, ao lado do tamanduá bandeira (Foto: Divulgação/Onçafari)
Xereta, a onça jovem, ao lado do tamanduá bandeira (Foto: Divulgação/Onçafari)

Os dois se rodeiam e parecem ensaiar passos de uma dança. Após alguns momentos nesse movimento, um deles consegue afugentar o companheiro. A “dança”, na verdade, é um confronto entre um tamanduá bandeira e uma onça pintada e quem levou a melhor, dessa vez, foi o tamanduá. O encontro inusitado foi uma das imagens que marcaram e “viralizaram” em 2018 e foi flagrada no pantanal sul-mato-grossense.

Quem conseguiu filmar o encontro entre os animais foi o projeto Onçafari, trabalho inovador que promove “habituação” das onças com os seres humanos. O “avistamento” dos animas, que ocorre com uso de carro adaptado, é alojado dentro do Refúgio Ecológico Caiman, em Miranda, a 201 km de Campo Grande.

Bióloga e coordenadora do Onçafari, Lilian Rampim explica que o “flagra” ocorreu no dia 6 de agosto de 2018, durante um entardecer, por volta das 18h33, um dos momentos, contou, mais propícios para o aparecimento das onças. Quem enfrentou um tamanduá bandeira adulto foi uma onça jovem, ou subadulta, a “Xereta”, como é carinhosamente chamada no projeto. Corajosa, a jovem onça estava testando as habilidades, mas a falta de experiência foi, provavelmente, o que fez com que ela perdesse a briga.

“Nós estávamos avistando a xereta. Ninguém imaginou que ela fosse aparecer. Foi no início do entardecer quando é o melhor momento para avistar as onças, e aí o tamanduá apareceu. A gente ficou super surpreso”, contou a bióloga. “Se fosse um animal adulto, experiente, ela não iria apanhar tanto como apanhou”, contou a bióloga.

Xereta, explicou, tem dois anos e pesa cerca de 75 quilos. “Ela estava sozinha, foi mexer onde não devia, começou a testar as habilidades, e acabou se dando mal, porque o tamanduá tem duas garras gigantes. Mas ela foi muito ágil”, explicou a coordenadora.

Uma das reações do tamanduá, sob estresse, foi salivar, explicou. A cena, apesar de rara, não é incomum. O embate que terminou com o tamanduá vencendo a briga já aconteceu outras vezes, contou Lilian.

“Já avistamos outras vezes. Eu lembro de um avistamento de uma mãe, uma fêmea de tamanduá, carregando um filhote nas costas e aí aconteceu uma tentativa de ataque, de uma outra fêmea de onça e ela também apanhou dessa mãe. As pessoas subestimam os tamanduás, acham que eles são lentos e bobos, mas farejam muito bem e na verdade galopam como um cavalo. As pessoas subestimam o bicho, as onças não”, esclareceu.

Confira o vídeo:

Onçafari – O Onçafari surgiu há 8 anos e buscou na África a inspiração e a técnica que unem preservação e turismo sem agredir a natureza.

“Surgiu através de uma ideia do fundador do projeto, Mario Haberfeld. O projeto trabalha com habituação, não envolve domesticação nem alimentação. Nós encontramos uma forma de visitar os animais todos os dias sempre no interior de um veículo, e eles entendem que o carro não é uma ameaça. Ele é feito naturalmente, e acabam se acostumando com a presença do ser humano. É um processo realizado na África há muitos anos”, comentou Lilian.

O processo de habituação da onça com os seres humanos, ainda assim, exige paciência, conta a bióloga. A tranquilidade do animal perto do veículo pode levar meses para ser atingida. “Exige um tempo, aos pouquinhos ela entende que o carro faz parte da paisagem. Hoje em dia a gente leva bastante turistas para lá e a gente está provando que a onça vale muito mais viva do que morta”, afirma.

Um bom lugar paras onças e tamanduás – Ecossistema que abrange boa parte de Mato Grosso do Sul, o pantanal é um bom lugar para os animais. É o que explica Ronaldo Morato, coordenador do Cenap (Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Mamíferos Carnívoros) do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade). Entre os motivos, conta, está a disponibilidade de alimentos.

“O pantanal tem uma grande disponibilidade de presas naturais, como o porco do mato, a anta e a capivara, que atraem a onça pintada”, explica. A farta alimentação, relata, faz com que as onças do pantanal atinjam tamanhos maiores do que outras regiões e chegam a pesar até 140 quilos. “São onças muito grandes comparadas a outros animais no Brasil”, afirma o coordenador.

Deitada, Xereta parece brincar com o tamanduá bandeira (Foto: Divulgação/Onçafari)
Deitada, Xereta parece brincar com o tamanduá bandeira (Foto: Divulgação/Onçafari)

O pantanal, explica, é uma das áreas naturais mais bem preservadas do Brasil, outro ponto favorável para a vida natural. “É muito favorável à ocorrência da onça e isso vem sendo mantido inclusive com a criação de gado, a convivência entre a produção pecuária e a naturez. Cada vez mais há um entendimento que podem conviver os dois”, explica.

Tanto a região norte como a região do pantanal, comentou, são propícias para avistar os animais. “O turismo tem se beneficiado do aumento de avistamento das onças. O nível de turismo no pantanal não é um risco ou ameaça para as espécies nativas”.

Ameaças - A mesma oferta de alimentos da região favorece o tamanduá, em especial na parte seca do pantanal, conta Ronaldo, mas as duas espécies estão, hoje, ameaçadas de extinção. “Estão na categoria vulnerável, que se dá principalmente pela destruição nas áreas onde é convertido em pastagem. O desmatamento é um dos fatores de ameaça, mas existe uma consciência cada vez maior para manter as áreas naturais”.

O embate que rendeu a melhor para o tamanduá, complementa Ronaldo, é uma espécie de “sorte de principiante”, assim como pontuou Lilian. Jovem e inexperiente, Xereta não foi páreo para o companheiro cheio de garras. “O predador faz a tentativa dele, nem sempre tem sucesso”, esclarece.

Nos siga no Google Notícias