Capo da droga no Paraguai, Pavão vira ‘hóspede’ de cabeça raspada no Brasil
Apontado como o maior fornecedor de cocaína através do Paraguai, sul-mato-grossense foi personagem criminosa mais noticiada em MS neste ano; mesmo preso, comandou o tráfico
Mesmo atrás das grades, o sul-mato-grossense Jarvis Gimenes Pavão foi a personalidade do crime organizado no Paraguai e Mato Grosso do Sul em 2017. Apelou de todas as formas possíveis para evitar sua extradição, tentando derrubar até um tratado internacional de 1922, inventou uma doença do sono para ser levado para uma clínica, continuou comandando sua rede de rádio e, apesar de ser visto como inimigo número 1 do governo de Horácio Cartes, continuou gozando de mordomias na cadeia.
Mas essa mordomia acabou, pelo menos por ora. Desde 16h de quinta-feira (28), Jarvis Gimenes Pavão, natural de Ponta Porã, onde tem familiares influentes, inclusive na política, é um dos internos do Presídio Federal de Mossoró (RN), onde vai cumprir a pena de 17 anos e 8 meses de prisão por tráfico internacional, organização criminosa e lavagem de dinheiro, imposta pela Justiça de Santa Catarina.
Policiais brasileiros informaram à polícia paraguaia que ele teve a cabeça raspada – norma do presídio – e vai ficar trancafiado 23 horas por dia, durante um mês, outro procedimento interno do estabelecimento de segurança máxima.
Lei do fuzil – No meio de uma sangrenta batalha entre facções criminosas que lutam pelo controle do contrabando e do tráfico na linha entre Mato Grosso do Sul e o Paraguai, Pavão teve o irmão mais novo, Ronny Chimenes Pavão, 38, metralhado enquanto fazia caminhada no centro de Ponta Porã, em março.
A morte de Ronny, que segundo fontes policiais ao contrário do irmão mafioso não tinha ligação com o crime, iniciou um novo capítulo da guerra suja e sem regras que mancha a fronteira.
Uma semana após a morte de Ronny, o paraguaio Americo Ramírez Chaves, 37, foi sequestrado em sua casa em Pedro Juan Caballero, esquartejado e as partes de seu corpo colocadas em sacos pretos que foram espalhados na rua, perto do aeroporto de Ponta Porã.
Esquartejamentos e decapitações - A cena macabra foi só o prenúncio do que viria pela frente. No dia 8 de junho, as irmãs Fabiana Aguayo Baez, 23, e Adriana Aguayo Baez, 28, assim como Americo, foram sequestradas em casa, em Pedro Juan, levadas para uma mata próxima, torturadas e esquartejadas com facões e motosserra.
Os corpos foram queimados em uma caminhonete Ranger encontrada ainda em chamas por moradores da zona rural de Pedro Juan. As cabeças estavam jogadas a 400 metros dali.
De acordo com o Departamento de Investigações de Delitos da Polícia Nacional do Paraguai, as irmãs eram amigas de Americo e sua mulher e teriam bancado as despesas com funeral e enterro do paraguaio, apontado como um dos pistoleiros que executaram Ronny Pavão.
Na fronteira, o comentário é que Pavão mandou executar todas as pessoas ligadas à morte do irmão, mas ninguém fala quem teria ordenado o assassinato de Ronney. Americo foi um dos pistoleiros e as irmãs, apesar de envolvidas com o tráfico, eram “peixes pequenos” e morreram apenas por ajudarem Americo.
Mais sangue – Em julho, mais um capítulo da guerra do crime na fronteira. Quatro pessoas foram metralhadas na inauguração da boate After Office em Pedro Juan Caballero. Gabriela Antonello, 18, e Sabrina Martins, 24 anos, se divertiam com outros jovens e morreram fuziladas.
Os outros dois mortos eram bandidos do PCC (Primeiro Comando da Capital): Ivanilton Moretti, 36, vulgo “Grandão”, natural de Presidente Prudente (SP) e com várias passagens por tráfico, e Felipe Alves, o “Filhote”.
Segundo a polícia paraguaia, Ivanilton e Filhote eram seguranças do atual chefão do PCC na fronteira, o paulista Elton Rumich da Silva, 33, o Galã. Elton, que usa identidades falsas, tanto brasileiras quanto paraguaias, é apontado como o líder da execução de Jorge Rafaat Toumani, em 2016.
Mas, neste caso do ataque à boate, Jarvis Pavão demorou certo tempo para ser envolvido. Só em outubro a polícia estabeleceu uma ligação dele com o ataque à boate. Willian Giménez Bernal, 28, que se matou ao ver o filho de 5 anos metralhado em Assunção, teria participado do atentado à boate. Willian trabalhava para Pavão, mas estava a serviço de outro grupo criminoso da fronteira.
Extradição – Enquanto os aliados e inimigos se matavam na fronteira, Pavão travava outra guerra, mas essa no campo jurídico. Ele contratou pelo menos seis advogados para tentar, a qualquer custo, impedir sua extradição para o Brasil.
Uma das estratégias foi contestar o tratado de extradição, assinado entre os dois países em 1922. No dia 3 de outubro a Câmara Constitucional da Corte Suprema do Paraguai rejeitou, sem análise, a ação de inconstitucionalidade do tratado de extradição, impetrada pela defesa de Pavão em 2010.
Todos os recursos de Jarvis Pavão foram negados pela Justiça, que manteve a decisão da juíza penal de Garantias Lici Sánchez. Em setembro, ela tinha decidido que Pavão seria extraditado imediatamente após cumprir sua pena de oito anos de prisão no Paraguai, o que ocorreria em 27 de dezembro.
Medo de resgate – Enquanto Pavão travava sua guerra com a Justiça, o governo paraguaio tratava de reforçar a vigilância no quartel do grupo de elite da Polícia Nacional, para onde ele tinha sido levado em julho do ano passado após as autoridades nacionais descobrirem que ele levava uma vida de luxo no presídio de Tacumbu.
Citando informações da inteligência da polícia brasileira, o governo de Horacio Cartes triplicou o número de policiais para vigiar Pavão e colocou atiradores das Forças Armadas nos arredores da cadeia. O medo era de uma tentativa de resgate antes da extradição. Policiais responsáveis pela guarda foram afastados por suspeita de favorecimento ao narcotraficante.
Laura Casuso, advogada paraguaia que virou porta-voz de Pavão, disse que o cliente nunca pensou em fugir e que a vontade dele era permanecer, mesmo preso, no Paraguai, porque teme ser assassinado no Brasil. Casado com uma paraguaia, com quem tem filhos paraguaios, Pavão também tem nacionalidade paraguaia.
A última cartada para evitar a extradição ocorreu no dia 26 de dezembro de 2017, dois dias antes de Pavão ser entregue ao Brasil.
Crescencio Ocampos, juiz de primeira instância em assuntos civis, comerciais e trabalhistas em San Estanislao, concedeu um habeas corpus genérico determinando que Pavão só fosse entregue ao Brasil após o caso ser julgado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos.
A Corte Suprema do Paraguai rejeitou o habeas corpus, manteve a ordem de extradição imediata e abriu investigação contra Ocampos. Nesta sexta-feira (29) o juiz renunciou ao cargo.
Desde 16h de quinta-feira (28), Jarvis Gimenes Pavão é um dos internos do Presídio Federal de Mossoró (RN), onde vai cumprir a pena de 17 anos e 8 meses de prisão por tráfico internacional, organização criminosa e lavagem de dinheiro, imposta pela Justiça de Santa Catarina.
Mais processos – Além da pena que está cumprindo no Rio Grande do Norte, o sul-mato-grossense responde ainda a dois processos pelos mesmos crimes no Rio Grande do Sul, onde pode pegar mais 30 anos de cadeia. Enquanto Pavão permanece isolado no presídio federal, a fronteira se prepara para uma nova guerra, agora pelo controle do cartel que até o dia 28 de dezembro de 2017 era comandado por ele.
Seus advogados afirmam que Pavão agora é um homem “entregue a Deus”, está resignado com a extradição e só quer cumprir a pena imposta pela Justiça brasileira.