Rua Campo Grande é a representação da cidade em três quadras da Vila Ipiranga
Rua acolheu quem veio de outro estado, os filhos pródigos e faz parte da memória afetiva e da história
São pouco mais de 300 metros de asfalto remendado e salpicado com buracos, incrustado na Vila Ipiranga. A Rua Campo Grande não deixa de ser um microcosmo da capital que a nomeia: é formada por moradores de outros cantos do Estado e do País, que reivindicam melhorias, mas sem deixar de lado a memória afetiva que carregam do local que faz parte de suas histórias de vida.
A Rua Campo Grande estava prevista na planta do loteamento Vila Ipiranga desde 1964, mas só foi oficialmente denominada no decreto nº 4.075, de 1977.
Andando pelas três quadras da rua, o que chama atenção é o aparato de segurança. Muitas casas cercada por muros, grades, câmeras, concertinas e pouca movimentação na rua. O silêncio é quebrado pelos carros e os latidos dos cachorros. Difícil não achar pelo menos dois em cada imóvel visitado pela reportagem.
“Adoro morar aqui, não trocaria por nada”, afirma a dona de casa Tânia Aparecida Padilha, 52 anos, há 16 vivendo na Rua Campo Grande. Nascida em Ribeirão Preto (SP), veio para o Estado acompanhar o marido, administrador de empresas, e onde criou dois filhos.
Na casa da Rua Campo Grande, Tânia se recorda que já viveram 11 pessoas de uma vez, época que os parentes de Ribeirão Preto passaram pela cidade em busca de novas oportunidades de vida. Hoje, a circulação é menor: ela, o marido, a filha e cinco cachorros.
Tânia também se recorda de outra movimentação, esta, do outro lado da rua. No terreno em frente da sua casa funcionava famosa whiskeria da cidade, responsável pelo ir e vir de carros durante todo o dia. Foi por causa dessa vizinhança que conseguiu comprar o terreno a preço baixo, explica. “Mas a movimentação nunca me atrapalhou”, garante.
A casa noturna fechou há pelo menos dez anos, segundo apuração da reportagem. O imóvel foi vendido, desmembrado e parte dele se tornou conjunto residencial. Mas isso é outra história.
Vigilância – Em várias casas, a placa “Vizinho de Olho” indica que a tranquilidade também é garantida pelo olhar atento e constante dos moradores. A troca de informações é feita pelo grupo de WhatsApp “Vizinhos Unidos”, onde os moradores falam sobre movimentação suspeita e até ajudam aqueles que perderam os pets de estimação.
“Eles sabem de tudo, o grupo se ajuda”, diz a aposentada Antônia Vasco dos Santos, 57 anos. Há 43 anos, foi a 1ª da família a morar na rua e “puxo” o restante dos irmãos. A via, lembra não tinha asfalto e sempre foi tranquila. Do lado, ficava a linha férrea, hoje, avenida Fábio Zahran. Quando o trem de passageiros passava, era alegria da criançada. “Minha filha era pequena gostava de ver, dar tchau”, se recorda.
Também lembrou da praticidade, por morar ao lado do local onde trabalhou por 20 anos. “Nem gastava com ônibus”.
Antônia se mudou e mora em casa na rua ao lado. A casa de paredes vermelhas e de portas brancas é habitada por outras duas irmãs, que ficaram mais próximas dos cuidados dos pais, até o falecimento deles. “A casa é o aconchego da família”.
Enquanto conversam com a reportagem, um vizinho fala um pouco de outro vizinho. “Eu moro aqui há 10 anos, mas dona Generosa mora há mais tempo”, diz Ivanete Félix, 58 anos. “Vai aqui do lado, essas duas casas são da mesma família, são irmãs”, diz outro morador, sobre Ivanete e Sandra.
Vários moradores lembram que cresceram e brincavam juntos. “Nos anos 80 não tinha asfalto, era puro barro, a gente brincava na lama”, diz Ivanete, contando que a pavimentação chegou na época do prefeito Juvêncio César da Fonseca. Também fala do cuidado que um tem com o outro. “Passou algum estranho mais de uma vez, a gente já avisa”.
Asfalto - Citada mais de uma vez, a famosa da rua, “dona Generosa” é uma senhora de estatura baixa, direta, de frases curtas, mas que dizem mais do que muita gente. Generosa Nogueira de Carvalho, prestes a completar 80 anos na próxima semana, mora há Rua Campo Grande há 50 anos. “Não tinha nada aqui, só mato. E o trilho passando, matou muita gente”.
Generosa veio de Amambai com o marido, criou os três filhos e, agora, senta na varanda para tomar tereré, rodeada de plantas, das duas cachorras Neguinha e Formiga e da neta, Thaiza, 27 anos, suas “companheiras” recorrentes, explica.
“Essa rua é só buraqueira, não tem o que comemorar”, disse. “Cansei de pedir, tem que ter quebra-molas aqui, já matou meu cachorro”, emendou. “Ah, e tem os nóia andando aqui também”, reclamou.
A neta, a técnica de enfermagem Thaiza Salinas de Carvalho, mora na casa ao lado com os pais, exalta a calma do bairro e a proximidade com o centro. “Aqui é perto de tudo”.
Praticamente uma “novata” na área, está a comerciante Luzia Cristina Alves Moreira, 32 anos, que se mudou há 8 anos para a cidade e há 5 anos para a Rua Campo Grande. É a dona da Mercearia da Luh. “Aqui é parado, meus clientes são meus vizinhos”, diz. A cearense veio parar em Mato Grosso do Sul por causa do trabalho do marido, mascate que veio da Paraíba há 15 anos.
Apesar da movimentação restrita, não reclama da rua. “Aqui é tranquilo, perto de tudo”. Amplia os elogios à cidade. “Eu gosto daqui, só é longe, já cheguei a ficar quatro anos sem viajar para o Ceará”, contou.
A comerciante se preocupa com a segurança. A exemplo de outros vizinhos, instalou grades e câmeras. Contou que o imóvel era padaria e o antigo inquilino sofreu com o furto da fiação da energia elétrica. “Perdeu o estoque”.
A movimentação de moradores de rua, citada por dona Generosa, também foi apontado por outros vizinhos.
“Tem muito malandro passando mesmo, mas isso não é problema só nosso, é de Campo Grande, não é?”, questionou o corretor Reginaldo Piveta, 54 anos, dono do terceiro comércio encontrado na rua, uma imobiliária e escritório de agronegócio. O outro, é um Martelinho de Ouro, há apenas um ano na via.
Piveta contou já saiu e voltou da Vila Ipiranga e teve três endereços, só na Rua Campo Grande, vivendo 22 anos na região. Hoje, optou em instalar a imobiliária lá, perto de onde vive com a família. “Vou para o almoço a pé, olha que privilégio”.
O corretor contou que os pais vieram de São Paulo e a mãe quis comprar a casa onde vive hoje. “Eu era contra, falava que esse trilho não vai deixar o bairro crescer nunca, mas ela insistiu”. O trilho saiu, a avenida veio e a cidade cresceu. “Isso aqui tomou outra dimensão”.