125 anos do Arraial de Santo Antônio de Campo Grande da Vacaria
Hoje Campo Grande completa 125 anos. Orgulhosamente, desde o dia 22 de agosto deste ano, passei a ser mais um entre as centenas de milhares de cidadãos campo-grandenses. Eu nasci no extremo sul do Brasil. Sou gaúcho do Alegrete. Lá da fronteira oeste do Rio Grande do Sul, no garrão do Brasil. Naquela região somos brasileiros, mas também somos meio argentinos, meio uruguaios. Eu sempre tive muito orgulho de ser pampeano.
Saí do Alegrete para estudar, “ser doutor”, afinal eu tinha ido “tirar faculdade” e quem fazia isso, pensava-se na minha terra, automaticamente “virava doutor”. Nesse périplo para ser doutor, eu passei 7 anos em Santa Maria e comecei a peregrinar por muitos lugares: Coimbra (Portugal), Barcelona (Espanha), Naviraí, Corumbá, Campinas, São Paulo, Boulder (Estados Unidos), Lisboa (Portugal). Tudo muito diferente entre si, como é próprio da vida de um sujeito meio cigano/meio antropólogo.
Até que, aos 26 anos, me tornei professor da Fundação Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. E, preciso confessar, foi em um arraial, bem no centro do oeste do Brasil, que eu encontrei conforto e cheiro de casa outra vez, depois de anos e anos uma hora aqui e a outra ali. Falo do Arraial de Santo Antônio de Campo Grande da Vacaria. Meu “Big Field”. Falo dessa terra vermelha onde Tia Eva cravou o seu Quilombo e fez-nos cidade. Evoé, Tia Eva!
Campo Grande das pessoas queridas, que já estão no meu coração. Campo Grande dos meus alunos, que me enchem de esperança. Campo Grande do meu filho, Valentim, que eu ainda não conheço, mas que logo estará aprendendo a andar de bicicleta na ciclovia da Avenida Afonso Pena.
Na Campo Grande que eu perambulo, tambores batucam o samba pelas esquinas e pelas ruelas. Campo Grande é o meu carnaval, colorido pelas plumas, pelos paetês, pelas lantejoulas, pelos confetes e pelas serpentinas do Cordão Valu e do Capivara Blasé. Dos enredos da Vila Carvalho e da Igrejinha. Carnaval que toma as ruas, evocando Baco no necessário Teatro Imaginário Maracangalha.
Campo Grande das madrugadas no Bistrô, no Drama, no Genuíno, nos botecos, pelas esquinas, na Praça Aquidauana, no trailer do Carlinhos na Antiga Rodoviária. Campo Grande do Batata, do Escobar e do nosso Bar da Tia nas noites de sexta-feira pós-aulas na UFMS.
Campo Grande é poesia de Manoel de Barros encravada entre o cerrado e o Pantanal. Campo Grande é sinfonia dos Espíndola. Mas nada parece mais bonito que Begèt de Lucena, nosso cigano de Exu, com seu manto vermelho cantando Cafeshop, com seu Santo Chico, na concha do Parque das Nações.
Eu poderia falar de tantos lugares, dos parques, do pôr do sol, das capivaras, das largas avenidas, da Feira Central, das feiras de tantos bairros, do Lago do Amor, do Armazém Cultural, da Afonso Pena e da Mato Grosso, da nossa Esplanada Ferroviária. Dos bairros que crescem pujantes e tornam-se verdadeiras cidades. No entanto, meu refúgio sempre foi o Poção da Moreninha. Ali, nas doces águas de Oxum, eu me escondia do calor e mergulhava em um arroio encantado e quase secreto.
Há muitas ausências, também, nesse Campo Grande. Há emergências. Há dores. Há violência. Há preconceito. Há discriminação. Há fundamentalismo. Há tudo isso no grande balaio que tentamos equilibrar sobre nossas cabeças. Hoje, no entanto, fiz a opção de não acentuar todas essas dores. Esses desafios, porém, não devem ser esquecidos nem em dia de festa.
Como disse no começo, desde o dia 22 de agosto, eu sou mais um cidadão campo-grandense. Não tive o privilégio de nascer na maternidade Cândido Mariano, nem dar os primeiros passos no Belmar Fidalgo, mas, pelas mãos da querida Luiza Ribeiro, e de todos os demais vereadores, recebi, em Sessão Solene, o Título de Cidadão Campo-Grandense. É de emoção indelével ser alçado oficialmente a filho da morena mais frajola do centro-oeste, do arraial do meu coração, do Quilombo de Tia Eva. Eu amo Campo Grande desde o primeiro dia que aqui cheguei. Essa cidade mudou a minha vida e nada que eu faça paga o que ela fez por mim. Obrigado, Campo Grande, minha morena! Feliz 125 anos. Que sejam venturosos, prósperos e afetuosos os teus dias vindouros.
(*) Guilherme R. Passamani é professor de Antropologia da UFMS e um cidadão campo-grandense.
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