A CPI e o apagão da sensatez
A própria designação ‘híbrida’ de Comissão Parlamentar de Inquérito Enersul/Energisa denuncia insanável – e talvez insensata – crise de identidade política e constitucional da CPI instalada pelo Poder Legislativo de Mato Grosso do Sul.
Além de afronta flagrante ao fundamento constitucional que estabelece, como pré-condição essencial para sua criação, a existência de fato determinado a ser investigado, essa inusitada CPI genérica confunde, em seu próprio nome de ‘batismo’, realidades histórico-jurídicas reconhecidamente distintas, forçando uma relação formalmente insustentável.
Ao pasteurizar, na mesma massa de interesses erráticos, o controvertido período em que a distribuição de energia em Mato Grosso do Sul esteve a cargo do Grupo Rede – cujos desvios, aliás, foram apurados por órgãos reguladores como ANEEL, CVM e por auditores independentes – a trajetória de recuperação instalada pela Energisa a partir do momento em que assumiu a empresa, a atual Comissão Parlamentar de Inquérito comete flagrante desvio.
Com uma história de 110 no setor energético, mais de seis milhões de clientes – distribuídos em 778 municípios de dez estados, e investimentos fixados em R$ 4 bilhões até 2017, a Energisa adquiriu a Enersul com o propósito objetivo de implantar novos métodos de eficácia nos serviços e de gestão profissional.
E isso não só como compromisso com as instituições reguladoras, mas especialmente como efetivação de sua filosofia de empresa privada de capital aberto focada na satisfação de seus clientes.
Portanto, ao requentar fatos e versões já devidamente levantados em 2012 – e punidos quando caracterizada sua ilicitude – pelos órgãos reguladores e pela CPI original, essa Comissão que agora se ‘reedita’ sem motivo determinado, põe em questão, em flagrante abuso de poder, o patrimônio ético e a seriedade gerencial de uma empresa posta no título e no foco de uma investigação parlamentar sem a mínima razão plausível para tal.
O desgaste de imagem e os prejuízos objetivos causados à Energisa por essa aventura inquisitorial e genérica são imensos. E, em última instância, podem comprometer investimentos no estratégico setor da energia em Mato Grosso do Sul.
Quando já foi reiterado pelos órgãos competentes que remunerações indevidas e outras ‘liberalidades’ cometidas pelo Grupo Rede não repercutiram na composição das tarifas, beira a insensatez que o dinheiro do contribuinte seja usado para financiar gastos com uma reedição da CPI anterior, agora com autonomia e alcance absolutamente sem limites.
Para que o Poder Legislativo de Mato Grosso do Sul tivesse acesso aos relatórios da ANEEL, da CVM e da auditoria Pricewaterhouse não seria necessário, em absoluto, criar mais uma CPI. Bastaria tão somente que a Assembleia se valesse de sua autoridade – recorrendo ao Judiciário, se fosse o caso – para obtê-los.
Neste sentido, essa CPI seria ‘apenas’ inócua e descabida, não fosse o potencial de prejuízos que pode causar ao Estado e a uma empresa privada que, sob rígidos mecanismos de fiscalização de organismos de regulação e controle, assumiu, mediante altos investimentos, a responsabilidade de resgatar a eficiência no fornecimento de energia e a gestão eficaz e transparente que compete a uma concessionária de serviços públicos.
A menos que os ilustres membros dessa extemporânea CPI tenham fundados motivos para duvidar da seriedade de instituições como ANEEL e CVM, Polícia Federal, Ministério Público Federal, bem como da lisura da renomada Pricewaterhouse, é inconcebível o alarido por terem lançado mão sobre os tais relatórios, como se dali pudessem extrair evidências de irregularidades e desvios que já não tenham sido identificados e devidamente saneados.
Para concluir: instrumentos democráticos, como o fundamental instituto da CPI, quando usados de forma abusiva podem por em risco sua própria legitimidade.
(*) Ernesto Borges Neto é advogado.
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