A crise ambiental e injustiças sociais
Mudanças climáticas também resultam do custo ambiental da monocultura sojeira, da pecuária, do latifúndio canavieiro, do abuso do consumo da água, da desflorestação e da desertificação dos cerrados.
A diminuição dos recursos hídricos em várias bacias hidrográficas sinalizam perigos. A devastação do pantanal, do cerrado, da mata atlântica, dos lavrados setentrionais e da Amazônia em oito países da América do Sul se deve tanto a produção mineral quanto a pecuária e atividades do latifúndio monocultor.
A modernidade agrícola e o desenvolvimentismo de segunda mão estão cheios de idiossincrasias. A desindustrialização da pauta exportadora nacional anda de mãos dadas com a “commoditização” da economia nacional.
A bovinopirataria permitiu a países sem tradição pecuária se transformar nos maiores exportadores de calçados. O contrabando do couro deslocou a produção de sapatos e roupas fabricadas com tecido epitelial do Brasil para a China e Vietnam. O cálculo biliar bovino saído ilegalmente do Brasil abastece indústrias farmacêuticas de alta tecnologia na Europa e Ásia.
O contrabando do ouro, de metais raros e pedras preciosas essenciais às indústrias mais avançadas, deixa em seu rastro uma impagável destruição.
A desindustrialização trouxe de volta artigos supérfluos que delinearam o novo consumismo. A produção de máquinas e de automóveis abriu estradas. O “rodoviarismo” se acompanhou de intensiva desflorestação. Aliou-se a lógica da acumulação alimentada pelo capital amoral, sustentada pela mineração e queimadas que viabilizaram a produção de grãos e pastagens.
A sustentabilidade do apartheid social no derradeiro país do mundo a abolir a escravatura negra está casada com a degradação social. Ela foi arquitetada tanto por governos de direita quanto por ditos governos de esquerda. Resistente a mudanças estruturais a política ambiental brasileira nos últimos cinquenta anos se faz de camaleão. Se pigmenta de verde, amarelo ou vermelho sem mudar o corpo.
Aqui as políticas ambientais não se acompanham de programas de transferência de renda para resgatar as dívidas do sistema capitalista para com a população pobre. A existência de um pacote de leis injustas a favor da concentração da renda na elite do serviço público desmoraliza os Três Poderes.
A injusta repartição da renda agrava a crise climática. A contaminação das terras e das águas resulta da acumulação das riquezas dos donos do poder e da pobreza dos excluídos.
As mudanças epidérmicas e o continuísmo político tornam insolventes as dívidas socioambientais. Quantos hectares de florestas se queimam e quanta água se gasta na produção de 60kg de soja? Quanto se necessita para que o imposto sobre esse grão garanta o salário e mordomias, entre outros de juízes e parlamentares.
É bom perguntar quem arcará com a conta da água virtual. Os cuidados para mitigar danos oriundos da diminuição dos índices da evaporação fluvial ainda não constam nas agendas ambientais. A névoa úmida dos rios, com partículas trazidas e levadas a milênios por ventos, parece o elixir da vida e do que nela se respira.
Forças eólicas transportadoras de grãos de areia também carregam umidade. Correntes úmidas e quentes ora seguem para a parte setentrional continental, ora para o universo meridional patagônico, corredor natural para a Antártica. Ou seja, o descaso para com as questões ambientais é causa da desertificação.
(*) Argemiro Procópio Filho é professor da Universidade de Brasília e doutor em Sociologia pela Universidade Livre de Berlim, Alemanha.