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A dimensão simbólica no Sistema Nacional de Cultura

Por Allan Carlos Moreira Magalhães (*) | 03/06/2024 13:30

O campo cultural no Brasil apresenta contradições jurídicas que demandam atenção daqueles que atuam nesta área do conhecimento. A que mais chama a atenção é o fato, agora evidente pelo contexto legislativo, de que o País possuía um PNC (Plano Nacional de Cultura) — Lei nº 12.343/2010 —, mas não dispunha de um SNC (Sistema Nacional de Cultura) para operacionalizar a sua execução, sendo que o próprio PNC indica o SNC como o seu principal articulador federativo, com o estabelecimento de mecanismos de gestão compartilhada.

Este hiato jurídico perdurou por 14 anos e apenas superado formalmente com a edição da Lei nº 14.835/2024 que institui o Marco Legal do Sistema Nacional de Cultura, que na sua estrutura conceitual aponta a existência de três dimensões: a dimensão cidadã, a dimensão econômica e a dimensão simbólica, replicando os eixos norteadores do Plano Nacional de Cultura que consistiam na:  cultura como expressão simbólica; cultura como direito de cidadania; e cultura como potencial para o desenvolvimento econômico.

A ideia do PNC transposta para o SNC é adotar uma concepção ampliada de cultura como fenômeno social e humano de múltiplos sentidos que está ancorada nessas três dimensões. No presente texto, aborda-se a dimensão simbólica prevista no SNC que é definida na referida lei como sendo o “conjunto de bens que constituem o patrimônio cultural do país, que abrangem os modos de viver, fazer e criar dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira”.

Contradição - Neste sentido, há uma contradição entre a propalada adoção de uma concepção ampliada quando a Lei do SNC limita a dimensão simbólica aos bens que constituem o patrimônio cultural brasileiro e, mais restritivo ainda, quando indica que tais bens abrangem apenas os modos de viver, fazer e criar. Ou seja, o referido dispositivo legal acabou por mutilar o campo de abrangência da dimensão simbólica da cultura, reduzindo-o a uma parcela diminuta do patrimônio cultural, quando sequer deve ficar restrito a ele.

No caso, a dimensão simbólica da cultura deve abranger os bens jurídicos tutelados pelos direitos culturais que se encontram expressamente previstos no artigo 215 da Constituição ao afirmar que “o Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais”, e cujo conteúdo é seccionado por Humberto Cunha Filho em três campos: o das artes, das memórias coletivas e dos fluxos de saberes.

Logo, o apoio, o incentivo, a valorização e a difusão das manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras e dos demais grupos formadores da sociedade brasileira são alcançados pela dimensão simbólica das suas respectivas manifestações culturais e não apenas aqueles abrangidos pelos bens que constituem o patrimônio cultural.

A dimensão simbólica da cultura encontra nos símbolos o seu elemento constitutivo que, para Pierre Bourdieu, correspondem aos “instrumentos por excelência da integração social: enquanto instrumentos de conhecimento e de comunicação […], eles tornam possível o consensus acerca do sentido do mundo social que contribui fundamentalmente para a reprodução da ordem social […]”.

Desta feita, o patrimônio cultural na sua dimensão simbólica exerce esse papel de instrumento de conhecimento e de comunicação, mas o faz primordialmente sob a perspectiva das relações afetas à memória coletiva. Mas a cultura e os direitos culturais possuem outros campos como os atinentes às artes e aos fluxos de saberes que igualmente contemplam dimensões simbólicas, mas que estão excluídas na definição dada pela lei do SNC.

Assim, o marco legal do SNC adota uma concepção restrita de cultura ao limitar a sua dimensão simbólica à seara do patrimônio cultural, o que demandará do intérprete da norma jurídica o esforço exegético para evidenciar que o seu texto disse menos do que deveria dizer, sendo necessário uma interpretação ampliativa para que a dimensão simbólica da cultura corresponda aos bens jurídicos tutelados na abrangência dos direitos culturais que envolvem as artes, as memórias coletivas e os fluxos de saberes.

(*) Allan Carlos Moreira Magalhães é doutor e pós-doutor em Direito, professor da Universidade do Estado do Amazonas, articulista do Instituto Brasileiro de Direitos Culturais (IBDCult).

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do portal. A publicação tem como propósito estimular o debate e provocar a reflexão sobre os problemas brasileiros.

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