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A lei Maria da Penha só protege a esposa ou companheira?

Por Gilberto Bandeira Assunção (*) | 14/07/2017 14:20

A cada dia, inúmeras mulheres são vítimas de violência doméstica e familiar no Brasil. Esse tipo de violência na maioria das vezes é silenciado pelo medo que a vítima tem das retaliações de seu agressor após denunciá-lo ou então pela vergonha em pedir ajuda ou em expor a violência à família, amigos ou a polícia.

A agressão suportada pela mulher não se restringe apenas a violência física como alguns podem pensar, mas também inclui a violência psicológica, sexual, patrimonial e moral.

Na busca de proteger e evitar esses tipos de agressões a Lei 11.340/06, conhecida como Lei Maria da Penha, em vigor a mais de 10 anos, tem contribuído significativamente no enfrentamento da violência feminina, principalmente com o emprego imediato de medidas protetivas contra as agressões sofridas.

No que tange a aplicação da lei Maria da Penha, percebe-se que há dúvidas quanto as pessoas que podem invocar a aplicação da lei em seu favor.
Será que somente a mulher, esposa ou companheira, poderá ser protegida pela lei Maria da Penha?
Pensando em esclarecer essa dúvida, compartilho algumas situações jurídicas já enfrentadas pelo judiciário em que foram aplicadas a lei Maria da Penha a casos em que a mulher não era a esposa ou companheira do agressor.

a) Violência doméstica e familiar contra a mulher esposa ou companheira.

Os casos de aplicação da lei Maria da Penha mais comuns de fato são aqueles relacionados a violência praticada contra a esposa ou companheira.

Em algumas situações a vítima e agressor convivem ainda no mesmo espaço, mas em outros a agressão surge após o término do relacionamento, em especial porque o cônjuge ou companheiro não aceita o fim do casamento.
Registra-se que o fato do casamento ou relacionamento ter terminado, não impede a aplicação da lei se as agressões sofridas foram em decorrência do relacionamento existente entre as partes.

b) Violência praticada pelo (ex-)namorado.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já decidiu que Lei Maria da Penha se aplica em caso de violência praticada pelo namorado ou pelo ex-namorado.

O namoro é considerado uma relação íntima de afeto sujeita à aplicação da Lei n. 11.340/06, independente do agressor morar ou não com a namorada. Portanto, agressões e ameaças – mesmo que o relacionamento tenha terminado – que ocorram por causa do namoro caracterizam violência doméstica e deve ser aplicado a lei Maria da Penha.

c) Estupro contra empregada doméstica.

O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), reconheceu num caso de estupro praticado pelo patrão contra a empregada doméstica que deve ser aplicado a Lei Maria da Penha.

De acordo com o julgador, “a Lei Maria da Penha tem como objetivo oferecer proteção integral à mulher, independentemente da existência de laços familiares ou de relação íntima de afeto entre agressor e vítima, pois a vulnerabilidade é reconhecida em razão do gênero e do local onde a conduta foi praticada”.

No caso em julgamento, o réu é acusado de suposta prática de violência sexual praticada contra a sobrinha de sua falecida companheira, que foi contratada por ele para prestar serviços de empregada doméstica e de babá na residência do casal.

d) Proferir ameaça contra cunhada se enquadra na Lei Maria da Penha.

Outra situação que se enquadra na Lei Maria da Penha é a ameaça proferida contra cunhada. O agressor na ocasião estabeleceu contato com a cunhada através de ligações telefônicas para proferir ameaças. O Tribunal de Justiça de Santa Catarina entendeu que “cunhada é parente por afinidade em segundo grau na linha colateral, o que permite a sua inserção no âmbito familiar”, aplicando, via de consequência, a Lei Maria da Penha.

e) Aplica-se a Lei Maria da Penha contra mulher que agrediu ex-sogra.

Aplicou-se a Lei Maria da Penha contra mulher que agrediu ex-sogra. Na ocasião a ré morou com a vítima no período em que era companheira de seu filho. O Tribunal de Justiça de Santa Catarina consignou que restou “devidamente caracterizado que ré e vítima são, respectivamente, nora e sogra, que residiram juntas por um período de tempo, restando delineado o vínculo da relação doméstica e familiar, e ainda a vulnerabilidade física da ofendida, que possui mais idade que a ré, é indiscutível que as lesões [...] configuram, efetivamente, violência doméstica e familiar.

f) Aplicação da lei Maria da penha na relação entre mãe e filha.

O STJ decidiu que é possível a incidência da Lei 11.340/06 nas relações entre mãe e filha. Isso porque, de acordo com o art. 5º, inc. III configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.

g) Lei Maria da Penha é aplicada em caso de agressão de pai contra filha.

A Lei Maria da Penha é aplicável no caso em que o pai agride a filha. No caso específico, a vítima foi agredida pelo pai com murros depois de brigar com a irmã mais nova.

h) Aplica-se contra agressor de transexual.

Na cidade de Anápolis (GO), a magistrada decidiu pela aplicação da Lei Maria da Penha ao caso em que o agressor agrediu sua companheira, transexual. De acordo com a sentença, “a mulher ..., independentemente de sua classe social, de sua raça, de sua orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social”.

i) Lei Maria da Penha é aplicada para proteger homem.

A proteção do homem pela Lei Maria da Penha é tema controvertido, sendo que a maioria da doutrina e jurisprudência entende que a proteção é restrita a mulher.
O caso de homem protegido pela Lei que se tem notícia fora proferido pelo juiz Mário Roberto Kono de Oliveira, do Juizado Especial Criminal Unificado de Cuiabá. Ele acatou os pedidos do autor da ação, que disse estar sofrendo agressões físicas, psicológicas e financeiras por parte da sua ex-mulher.

j) Vítima de violência doméstica tem direito à remoção durante estágio probatório.

A sentença do Tribunal Regional Federal da 1ª Região concedeu à servidora pública em situação de violência doméstica o acesso prioritário à remoção, determinado com base no art. 9º, §2º, inc. I. da Lei n. 11.340/06.

l) Outros casos de aplicação da Lei Maria da penha.

Certamente, os casos listados acima, não foram os únicos em que se aplicou a Lei Maria da Penha em defesa dos direitos da Mulher.

(*) Gilberto Bandeira Assunção é advogado criminalista (www.gilbertoassuncao.com.br)

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