A priorização das mulheres nas políticas de enfrentamento ao tráfico de pessoas
O fenômeno do Tráfico de Pessoas refere-se, fundamentalmente, a uma forma de exploração das pessoas, independentemente da finalidade exploratória. Há a coisificação da pessoa, em função do quanto se pode lucrar ou em função do poder que se pode exercer sobre ela.
O enfrentamento ao crime tem seu impulso conceitual com a Convenção contra o Crime Transnacional e, especialmente, no Protocolo de Palermo da ONU.
Os dados mundiais são inquietantes e mostram que mulheres e meninas são a maioria das vítimas detectadas desde que a ONU começou a divulgar dados em 2003. A maioria delas, traficadas para exploração sexual (ONU, 2016). A grande maioria das vítimas na América do Sul também sempre são mulheres ou meninas e talvez a mensagem principal dos dados mais recentes seja lembrar que é prioritário continuar a gerar cooperação para prevenir, detectar, atender e combater com eficácia os casos.
As relações desiguais de gênero são socialmente construídas, culturalmente aceitas e historicamente reproduzidas, e tal vertente confirma-se de forma definitiva no âmbito do Tráfico de Pessoas, configurando-se como uma das piores formas de violência de gênero (RMAAM, 2012).
O fenômeno é constituído por três elementos. O primeiro é o “ato”, uma ação que pode ser um recrutamento, transporte, transferência, alojamento ou acolhimento. O segundo é o “meio”, referente à forma, indicando o protocolo, através de uma ameaça, uso da força, rapto, fraude, engano, abuso de autoridade, abuso de uma situação de vulnerabilidade, ou da entrega e aceitação de pagamentos, como também de benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre a vítima. E, o terceiro é a “finalidade” da exploração, que pode ser para exploração sexual, exploração do trabalho, serviços forçados, escravidão, servidão, medicância, extração de órgãos ou outros.
O enfrentamento exige um caminho de transformação da sensibilidade, disseminada e articulada dentro dos Estados nacionais, no âmbito do cenário internacional e principalmente através dos indivíduos. Pois a pulsão ética nos mobiliza não somente a contestar e modificar as leis que regulam o contrato em que se funda a nação, mas também nos distanciarmos do leito cultural que nos viu nascer, para transformar os costumes das comunidades morais de que fazemos parte.
O enfrentamento no Brasil demanda uma corresponsabilidade por parte de todo o Estado brasileiro, em todas as suas esferas de poder. E mesmo com a construção de uma política pública de enfrentamento no Brasil desde 2004, com a Política Nacional e três Planos Nacionais, os desafios são inúmeros, seja no âmbito da prevenção, repressão e responsabilização, como no atendimento às vítimas.
A priorização da agenda do enfrentamento das políticas Públicas é fundamental para potencializar as ações dos atores estratégicos nessa luta, especialmente em tempos de crise sanitária, econômica e política, onde o cenário de desmonte dos processos democráticos no Brasil têm agudizado ainda mais as vulnerabilidades e proporcionado novas formas de violações de direitos humanos contra as mulheres adultas e meninas, em situação de tráfico.
(*) Anna Carolina da Conceição Aureliano é graduada em Relações Internacionais (IESB, Brasil) e mestra em Relações Internacionais e Integração na América Latica (UDE, Uruguai).
(*) Verônica Maria Teresi é pesquisadora posdoutoral da Universidade Federal do ABC. Doutora em Ciências Humanas e Sociais pela mesma Universidade. Mestra em Direito Internacional pela UniSantos.
(*) Maria Lúcia Leal possui pós-doutorado pelo Programa Pós-Colonialismos e Cidadania Global do Centro de Estudos Sociais da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra/Portugal (2008).