Alterações na lei da alienação parental e no ECA
Com o fim “do amor eterno” entre os pais, a tentativa de romper o vínculo de convivência entre pais e filhos surge como arma para o desejo de vingança. Essa prática sempre existiu e infelizmente continuará existindo. Entretanto é importante proteger a criança dos conflitos e desavenças do casal e impedir que as situações entre os pais afetem esse vínculo, pois a figura dos pais é uma das principais referências de mundo e de sociedade para os filhos.
A Síndrome de Alienação Parental (SAP), também conhecida pela sigla em inglês PAS, é o termo proposto por Richard Gardne, psiquiatra estadunidense, em 1985, para classificar uma grave situação que ocorre dentro das relações de família, em que, a criança ou adolescente é induzida, mediante diferentes formas e estratégias de atuação, a destruir seus vínculos com um dos genitores. A Síndrome causa inúmeras consequências para a criança ou adolescente alienado, colocando em risco a saúde emocional e comprometendo desenvolvimento sadio.
Alguns sintomas podem incluir: depressão crônica, incapacidade de adaptação em ambiente psicossocial normal, transtornos de identidade e imagem, desespero, sentimento incontrolável de culpa, sentimento de isolamento, comportamento hostil, falta de organização, dupla personalidade e às vezes suicídio.
A Lei 12.318/2010 dispõe sobre a alienação parental considerada como a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este.
A lei surgiu em razão da necessidade de preservar os direitos fundamentais de crianças e adolescentes, conferindo ao Judiciário e Ministério Público o poder/dever de resguardá-los dos abusos praticados por seus próprios responsáveis, regulando de forma eficaz o convívio dos filhos com ambos os genitores.
Em maio de 2022, foi publicada a Lei 14.340 que altera a Lei da Alienação Parental e o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, estabelecendo principalmente as seguintes alterações: que ajam procedimentos adicionais para a suspensão da autoridade parental na ação autônoma ou incidental que versa sobre a prática alienadora; a concessão de liminar precedida, preferencialmente, pela escuta prévia de crianças e adolescentes por meio do depoimento especial, sob pena de nulidade processual; assegurar à criança ou ao adolescente e ao genitor garantia mínima de visitação assistida no fórum em que tramita a ação ou em entidades conveniadas com a Justiça, a não ser os casos em que há iminente risco de prejuízo à integridade física ou psicológica.
Essas mudanças podem ser vistas como ampliação da garantia à convivência familiar dos filhos com ambos os pais, ainda que seja por meio da convivência assistida, em espaços adequados, inexistentes na maioria dos fóruns.
É Importante ressaltarmos que, embora as crianças e adolescentes devam ser ouvidos/entrevistados pelo método do depoimento especial, a avaliação técnica, psicológica ou biopsicossocial, deve considerar a dinâmica familiar como um todo, com ampla análise da sistemática em que a criança e o adolescente estão inseridos, por profissional ou equipe multidisciplinar habilitados (histórico profissional ou acadêmico), compreendendo, inclusive, entrevista pessoal com as partes, exame de documentos dos autos, histórico do relacionamento do casal e da separação, cronologia de incidentes, avaliação da personalidade dos envolvidos e exame da forma como a criança ou adolescente se manifesta acerca de eventual acusação contra genitor.
A revogação da suspensão da autoridade parental (inciso VII do artigo 6ª), no curso da ação autônoma ou incidental que investiga a prática alienadora, não afastou a previsão dos artigos 24 e 155 e seguintes do ECA, com a possibilidade de ajuizamento de ação própria para a suspensão ou a destituição do poder familiar (na Vara da Infância), com base inclusive na prática alienadora (ex: quando houver descumprimento injustificado das determinações judiciais).
Outro ponto importante, é a garantia de que os processos não se estendam, prejudicando o bem-estar da criança ou adolescente envolvido, portanto, estabeleceu-se o prazo de três meses para apresentação de laudo psicológico dos processos que estejam pendentes de avaliação há mais de seis meses, em busca da celeridade do trâmite das ações de alienação parental.
O direito fundamental das crianças e adolescentes na convivência familiar, saudável e protegida, não pode ser desconsiderada por adultos e deve ser resguardada pelo sistema de justiça e pela rede de proteção.
Kelly Neves (*) - diretora de Interior da AMAMSUL e juíza Titular da 2ª Vara de Aparecida do Taboado.