Brasil contemporâneo: o fenômeno dos "gurus" digitais
Os que de fato têm algo a dizer a seus seguidores constituem honrosas exceções em um universo onde a regra é a autocelebração e a ‘unção’ de produtos e serviços prontamente ‘consumidos’ pela submissa audiência. Educação é o antídoto eficaz.
Movida pelos indefectíveis ‘likes’, a busca pela fama imediata, pela projeção social e financeira motiva um incontável exército de pretendentes à celebridade imediata e, se possível, mais ou menos duradoura. Neste caso, são rapidamente guindados ao panteão dos oráculos das redes sociais, e instados a opinar sobre os mais variados temas, sobre os quais muitas vezes “filosofam” com desconcertantes e desconexos ‘argumentos’.
Naturalmente, muitos artistas populares, acadêmicos e profissionais de diferentes áreas galvanizam, por sua arte ou conhecimento, incontáveis seguidores, e não podem ser confundidos com os tantos ‘arautos’ da superficialidade travestida de sabedoria.
Contudo, os que de fato têm algo a dizer a seus milhares, ou até milhões, de seguidores constituem honrosas exceções em um universo onde a regra é a autocelebração, a publicidade, às vezes dissimulada, de produtos e serviços prontamente ‘consumidos’ pela submissa audiência. E, o que é ainda mais sério: a disseminação de valores fluidos e de uma ‘ética’ relativista, na qual tudo, ou quase tudo, se encaixa ao sabor das conveniências, inclusive a afronta aos princípios democráticos.
Seria rematado obscurantismo – além de quixotesca ‘empreitada’ – pretender modular a algaravia de ‘influencers’ nas redes sociais. Sob quaisquer critérios ou pretextos, sempre se estaria afrontando o direito à livre manifestação, paradigma das democracias e do liberalismo. E intentar restabelecer ‘comedimentos’, próprios dos tempos arcaicos pré-redes sociais, seria não só proverbial saudosismo, mas descabida negação da ‘revolução disruptiva’ que move a sociedade contemporânea.
Porém, é preciso crer que em algum momento a própria sociedade possa criar, paulatinamente, mecanismos de defesa ante a exacerbação do individualismo, a autocelebração personalista e farisaica, professada por muitos ‘influenciadores’, cujo conteúdo intelectual tem, em muitíssimos casos, peso diametralmente oposto à quantidade de ‘súditos’ seguidores.
Ainda que estudiosos afirmem que, no mundo etéreo das redes sociais, ter milhões de seguidores não significa, necessariamente, exercer influência real sobre suas decisões, a realidade ‘mercadológica’ que dita as regras do atual consumismo aposta no contrário: os investimentos milionários de marcas, produtos e serviços nesses ‘gurus’ não deixam dúvidas de que, sim, eles ‘vendem’ muito. Ou seja, são habilidosos prestidigitadores em um mundo que se move e se pauta pelo consumo extravagante, ancorado na volatilidade com que ‘fenômenos da mídia digital’ surgem e se esvanecem.
A questão de fundo, contudo, não está nas vendas milionárias que esses magos digitais alavancam ao manipular (e criar) sonhos de consumo; nem no quanto faturam para convencer seguidores de que os supérfluos são essenciais para suas vidas. Afinal, isso a mídia tradicional sempre fez.
O grande problema é que, para apregoar mercadorias e serviços dispensáveis – ou adiáveis –, como produtos de primeira necessidade, eles precisam embalá-los em ‘informações & reflexões’ que, no mais das vezes, não passam de platitudes embaladas como experiências vencedoras, como “triunfo do saber” ou paradigmas de comportamento social.
A grave repercussão humana e social desse triunfalismo digital, que alimenta e exacerba no indivíduo o desejo não só pelo essencial, mas pelo luxo, pelo supérfluo e pelo espetacular, certamente será avaliada mais à frente como efeito danoso e duradouro dessa avassaladora celebração do “sucesso” como condição fundamental à própria existência.
Como já dito, há muitos influenciadores digitais produzindo conteúdo de alta relevância e de grande interesse, nas mais diversas áreas. São, contudo, louvável e honrosa minoria na maré montante de superficialidades e de autocelebrações, que inunda as redes sociais.
O antídoto a essa onda desconcertante de futilidades erigidas como parâmetros de julgamento sobre tudo e todos é a educação. Com uma boa formação, o cidadão tem plenas condições de fazer suas escolhas com base nos valores sociais e humanos essenciais. Assim, não será presa fácil do canto da sereia de certos influenciadores digitais elevados ao status de gurus.
(*) Iran Coelho das Neves é presidente do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso do Sul.