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Cenário de inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho

Por Laís de Figueirêdo Lopes e Stella Reicher (*) | 03/08/2024 13:33

A inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho é uma questão desafiadora e multifacetada. Embora a Lei nº 8.213/1991 estabeleça cotas para o setor privado de contratação obrigatória de pessoas com deficiência, que variam de 2% a 5% das vagas a partir de 100 empregados, dados da Relação Anual de Informações Sociais (Rais) mostram que pelo menos 50% das vagas reservadas não são preenchidas. No último dia 24 de julho, a chamada “Lei de Cotas” completou 33 anos e vale uma análise de seus avanços e desafios.

No Brasil, o conjunto de normas que regem a inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho inclui, além da Lei de Cotas, a Lei Brasileira de Inclusão — Lei nº 13.146/2015 (LBI) — e a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD) da ONU, ratificada com equivalência constitucional. São marcos legais importantes que tratam de ação afirmativa e emprego apoiado, mas que ainda não são suficientes para garantir uma inclusão plena.

Pessoas com deficiência ainda são consideradas “incapazes” para trabalhar, especialmente em serviços tidos como mais complicados, em razão de impedimentos permanentes de natureza física, sensorial, intelectual ou psicossocial. Empregadores muitas vezes justificam a não contratação relatando dificuldades em encontrar trabalhadores “qualificados”. Mas é o ambiente laboral que precisa ser modificado e não as pessoas. Por isso, é preciso esforços adicionais para além das normas.

No setor jurídico, por exemplo, 42,84% das vagas reservadas por lei não estão ocupadas. Em setores como saúde, e em outras áreas em que os ambientes de trabalho são considerados de risco (quando envolvem fábricas e outros locais que requerem a operação de maquinários ou o desenvolvimento de tarefas consideradas de maior complexidade), o nível de exclusão é alto.

Este número evidencia um déficit significativo entre vagas criadas e as efetivamente ocupadas, o que é reflexo, dentre outros motivos, da falta de entendimento sobre o que são as adaptações razoáveis no ambiente de trabalho e como se diferem da garantia de acessibilidade.

 Muitos empregadores, seja no mercado privado, no setor público, seja no setor sem fins lucrativos, temem custos elevados associados à implementação de adaptações razoáveis. Isso acontece sem a real compreensão de que, na maioria das vezes, os valores a serem investidos para sua garantia são menores do que os supostos.

No Brasil, há regras para acessibilidade em geral, mas não há regulamentação que pormenorize o tema das adaptações razoáveis, ou seja, uma norma que a explique de forma mais detalhada. A legislação nacional repete a definição da CDPD acerca do que são as adaptações razoáveis, definindo-as como:

“adaptações, modificações e ajustes necessários e adequados que não acarretem ônus desproporcionais ou indevidos, quando requeridos em cada caso, para assegurar que as pessoas com deficiência possam gozar ou exercer, em igualdade de condições com as demais pessoas, todos os direitos e liberdades fundamentais.”

Nesta linha, falta clareza sobre o que constitui um “ônus desproporcional” — que ônus seria este e qual a sua dimensão. A norma não oferece parâmetros mais objetivos para estes aspectos e tal ambiguidade gera questionamentos por parte de empregadores, dificultando a aplicação das medidas necessárias para garantir a inclusão das pessoas com deficiência no mercado de trabalho. Há regras mais claras para a acessibilidade em geral, mas não para os casos individuais. A aplicação prática do texto da CDPD neste ponto é, portanto, limitada, não tendo sido bem regulamentada pela LBI.

As adaptações razoáveis buscam alcançar justiça individual ao levar em consideração a dignidade, autonomia e escolhas do indivíduo, e as suas necessidades a serem atendidas para que possa participar do ambiente do trabalho e desenvolver suas atividades em igualdade de condições com os demais.

Apoio às pessoas com deficiência - Segundo a legislação vigente, uma pessoa com deficiência que requer um apoio específico, por exemplo, uma mesa em altura específica ou um determinado software para leitura de documentos, tem direito a solicitar esta adaptação, mesmo que esteja fora do escopo de qualquer norma de acessibilidade padronizada, e isso deve ser ofertado pelo empregador. A negativa de adaptações razoáveis é considerada discriminação por motivo de deficiência, o que sujeita o empregador a penalidades em caso de descumprimento.

Entretanto, a falta de conscientização sobre o que significa promover a inclusão no mercado de trabalho funciona como um dos principais obstáculos para os empregadores. O tamanho da empresa ou da organização e o setor de atuação também influenciam significativamente a garantia das adaptações razoáveis: empresas ou organizações globais tendem a envidar mais esforços para assegurá-las que as nacionais e de menor porte. Da mesma forma, o setor privado muitas vezes se mostra mais flexível em relação às adaptações necessárias em comparação com o setor público.

De toda maneira, é inegável a falta de conhecimento para promover a inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho. Hoje, ao invés de cumprir a Lei de Cotas, muitos preferem arcar com o pagamento de multas, cujo valor certamente poderia ser utilizado para promover a inclusão.

Um outro aspecto é a falta de percepção sobre como as pessoas com deficiência contribuem para os ambientes de trabalho em que estão inseridas, agregando seu conhecimento e novas perspectivas, a partir de um olhar da diversidade.

Assim, o real cenário de dificuldade de acesso ao mercado de trabalho inclui a falta de esclarecimentos sobre o que são as acomodações razoáveis, o medo de altos custos, a falta de compreensão sobre o valor que as pessoas com deficiência agregam e a ausência de real de compromisso em promover a inclusão.

Para transformar este contexto, é essencial que novos paradigmas sejam colocados em prática pelo poder público e órgãos de fiscalização, como o Ministério Público do Trabalho, e que inclua iniciativas como:

Conscientização: promover campanhas de conscientização sobre a importância e os benefícios da inclusão de pessoas com deficiência, com exemplos concretos e apoio para quem precisar esclarecer mais informações;

Capacitação: implementar programas de capacitação que considerem as necessidades específicas deste público, desde o processo seletivo e etapa de contratação até o desenvolvimento profissional contínuo e progressão nas carreiras;

Políticas de incentivo: ter políticas que em vez de punir incentivem os empregadores a cumprir cotas de contratação de pessoas com deficiência.

Conquistar um sistema de não-discriminação e de igualdade e promover a inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho requer um esforço conjunto de governos, empresas e sociedade civil.

Nos 33 anos da Lei de Cotas, celebramos os avanços muito significativos que o Brasil já conquistou no caminho para uma plena inclusão — mas precisamos acelerar. Ampliar a conscientização, melhorar a legislação e garantir a acessibilidade e as adaptações razoáveis são passos fundamentais para termos ambientes de trabalho verdadeiramente inclusivos e diversos.

(*) Laís de Figueirêdo Lopes é advogada.

(*) Stella Reicher é advogada.

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do portal. A publicação tem como propósito estimular o debate e provocar a reflexão sobre os problemas brasileiros.

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