Conheça as particularidades da reparação dos danos ao meio ambiente
Entender a responsabilidade civil ambiental é importante para todos, pois ela pode ter impactos diretos no patrimônio até mesmo de quem nunca praticou um ato direto de degradação ambiental. Você sabia que ao comprar um imóvel com danos ambientais causados por algum dos proprietários anteriores, o dever de reparar integralmente esses danos é seu? Isso se aplica mesmo que você não soubesse que existiam danos ambientais ali.
Recentemente, uma decisão do Superior Tribunal de Justiça no Tema Repetitivo 1.204 esclareceu e deixou ainda mais em evidência as peculiaridades do regime jurídico da reparação dos danos ambientais.
Esse artigo vai explicar, de maneira simples e didática, as características da responsabilidade civil ambiental no Brasil, para que você não seja pego de surpresa e responsabilizado pela irresponsabilidade ambiental de outras pessoas.
Responsabilidade civil ambiental - A responsabilidade civil é o instituto jurídico que traz a obrigação de o causador de um dano indenizar aquele que sofreu esse dano. A responsabilidade civil ambiental, dessa forma, determina que qualquer pessoa (física ou jurídica) que cause danos ao meio ambiente tem a obrigação de repará-los. Esse conceito é fundamental para assegurar que nossos recursos naturais — como florestas, rios, e o ar que respiramos — sejam preservados e mantidos em condições saudáveis para nós e para as futuras gerações.
Em termos práticos, a responsabilidade civil ambiental funciona como um mecanismo de reparação. Quando alguém causa poluição ou degradação ambiental, não basta apenas cessar a atividade danosa; é necessário também restaurar o meio ambiente ao estado anterior, ou, quando isso não for possível, compensar os danos de outra maneira. Isso pode incluir a limpeza de um rio poluído, o replantio de árvores em uma área desmatada ou a adoção de medidas para mitigar o impacto ambiental de uma atividade industrial.
Características da responsabilidade civil ambiental - A responsabilidade civil ambiental possui quatro características fundamentais: a responsabilidade é objetiva, integral, solidária e propter rem. Vamos entender melhor cada uma delas.
Responsabilidade objetiva e integral - A responsabilidade objetiva no âmbito ambiental significa que não é necessário provar a culpa ou dolo do causador do dano para que ele seja obrigado a repará-lo. Basta a comprovação de que existe um dano ambiental e que determinada atividade foi a causadora desse dano (nexo causal). Saber se o dano foi intencional é algo que não interessa aqui. Se um dano foi causado, ele deve ser reparado. Este regime é adotado devido à importância do meio ambiente, que deve ter máxima proteção.
A responsabilidade integral, também conhecida como teoria do risco integral, se une à responsabilidade objetiva e confere ainda mais proteção ao meio ambiente. Seu ponto principal é a impossibilidade de o causador do dano invocar excludentes de responsabilidade civil, como caso fortuito, força maior, fato de terceiro ou culpa exclusiva da vítima, para se eximir da obrigação de reparar o dano. O STJ pacificou a aplicação dessa teoria no direito ambiental ao decidir o Tema Repetitivo 681.
Por exemplo, se um terremoto (caso fortuito) destruir o oleoduto de uma refinaria e causar poluição ambiental, ela ainda será responsável pela reparação dos danos causados, pois a teoria do risco integral não permite a exclusão de responsabilidade com base em tais argumentos.
A empresa deve arcar com os custos de limpeza, restauração dos ecossistemas afetados e compensação das comunidades impactadas, independentemente das circunstâncias que causaram o dano. Deve apenas ser provada a ligação entre a atividade da refinaria (ela era a dona do oleoduto) e o dano ambiental (o óleo que vazou matou animais e plantas).
Em resumo, a responsabilidade objetiva e integral assegura a máxima proteção ambiental, eliminando a possibilidade de se analisar culpa ou invocar excludentes de responsabilidade e garantindo que os danos sejam reparados de forma completa e abrangente.
Responsabilidade solidária - A responsabilidade solidária no Direito Ambiental significa que todos os responsáveis por um dano ambiental — sejam eles diretos ou indiretos — podem ser chamados a responder integralmente pela reparação do dano. Isso implica que qualquer um dos causadores do dano (ou todos eles) pode ser obrigado a arcar com a totalidade das obrigações de reparação, independentemente de sua participação específica no dano.
Esse regime assegura que a vítima do dano ambiental (incluindo o próprio meio ambiente) tenha uma garantia de reparação, podendo acionar qualquer um dos responsáveis para obter a reparação integral. Posteriormente, o responsável que arcou com a reparação pode buscar o ressarcimento dos demais co-responsáveis (direito de regresso).
Responsabilidade propter rem - Se diz propter rem um tipo de obrigação que está diretamente vinculada a um bem específico, geralmente um imóvel, e não à pessoa que possui ou detém esse bem. Essa característica faz com que a obrigação acompanhe o bem em qualquer transferência de propriedade ou posse. Ou seja, a obrigação é transferida automaticamente para o novo proprietário ou possuidor, independentemente de qualquer acordo específico entre as partes.
Dizer que a responsabilidade ambiental é propter rem significa que ela acompanha o bem imóvel ao qual está vinculada. Em outras palavras, a responsabilidade pela reparação de danos ambientais não é apenas do causador direto do dano, mas de todos aqueles que tenham tido a posse ou propriedade do imóvel degradado. Ou seja, quem compra um imóvel com dano ambiental pré-existente passa a ter a obrigação de reparar esse dano, mesmo não tendo sido o seu causador.
A obrigação propter rem ambiental, contudo, permanece com todos aqueles que foram possuidores ou proprietários do bem, ligando-se permanentemente a toda a cadeia de transmissão. Dessa forma, a venda do imóvel não isenta o antigo proprietário da responsabilidade existente até o momento da venda.
Como já afirmou o STJ: “Reputar como propter rem a obrigação ambiental visa precisamente fortalecer a efetividade da proteção jurídica do meio ambiente, nunca a enfraquecer, embaraçar ou retardar.”
A aplicação da responsabilidade propter rem em matéria ambiental garante a continuidade da proteção, pois evita que proprietários transfiram seus bens para escapar de suas obrigações de reparação. Isso assegura que o meio ambiente será protegido, independentemente das mudanças na titularidade dos imóveis, e que os novos proprietários estarão cientes e serão responsáveis pela manutenção e recuperação das condições ambientais.
Você pode imaginar que é injusto ter que reparar uma área que foi degradada por outra pessoa, mas a lógica aqui é a máxima proteção do meio ambiente. Portanto, a realização de uma análise ambiental adequada antes da aquisição é uma prática essencial para evitar futuras complicações legais e financeiras, além de contribuir para a proteção e preservação do meio ambiente.
Por fim, aquele que foi obrigado a indenizar um dano causado por terceiros pode se valer da ação de regresso para que o efetivo causador do dano seja responsabilizado.
Exemplo prático: Imagine que uma pessoa compra uma casa pronta construída às margens de um rio. O antigo proprietário desmatou ilegalmente a área para a construção da casa. Mesmo já tendo adquirido o imóvel com a vegetação desmatada, o atual proprietário tem a responsabilidade de reparar o dano ambiental. Isso significa que ele pode ser obrigado a recompor a vegetação nativa, independentemente de não ter sido o responsável pelo desmatamento original.
A responsabilidade de recuperação ambiental acompanha o imóvel e é transmitida automaticamente ao novo titular, mesmo em caso de uma nova venda da casa. Ou seja, qualquer futuro proprietário também assumirá essa responsabilidade.
O dano ambiental pode ser cobrado de todos aqueles que já foram proprietários ou possuidores do imóvel, exceto das pessoas que tiveram a propriedade ou posse do imóvel antes da degradação ambiental ocorrer. No entanto, aquele que efetivamente pagar pela reparação do dano pode, através de uma ação de regresso, cobrar o primeiro proprietário que causou a poluição desmatando a área.
Esse exemplo ressalta a importância de fazer uma análise ambiental adequada de um imóvel antes de sua aquisição, para evitar surpresas com responsabilidades ambientais preexistentes.
As características da responsabilidade civil ambiental — objetiva, integral, solidária e propter rem — formam um sistema robusto e eficaz de proteção do meio ambiente.
A responsabilidade objetiva elimina a necessidade de comprovar culpa, permitindo uma resposta rápida aos danos. A responsabilidade integral garante que nada afastará a responsabilidade e o dever de reparação completa e abrangente. A responsabilidade solidária assegura que todos os envolvidos na degradação ambiental sejam responsabilizados, podendo a indenização ser cobrada de qualquer um deles ou de todos. Por fim, a responsabilidade propter rem assegura que as obrigações ambientais acompanhem o bem imóvel, garantindo a continuidade da proteção ambiental, independentemente de mudanças na titularidade dele.
Essas características, combinadas, ajudam a promover a sustentabilidade e a preservação dos recursos naturais, essenciais para a qualidade de vida das gerações presentes e futuras.
(*) Pedro Esperanza Sudário é juiz federal coordenador do Centro Judiciário de Resolução Consensual de Conflitos e Cidadania da Justiça Federal em Sergipe (Cejusc/JFSE) e pós-graduado em Direito Público e em Mediação, Conciliação e Arbitragem.
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