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Conteúdos não elaborados voltam com precisão cirúrgica

Por Cristiane Lang (*) | 08/10/2024 09:00

Há um ditado popular que diz: "O que você não resolve, se repete". E essa máxima se aplica a diversos aspectos da vida, desde situações aparentemente triviais até profundas questões emocionais. Aquilo que deixamos de elaborar, seja por medo, negação ou simples desatenção, tem uma habilidade quase cirúrgica de retornar à nossa vida. Muitas vezes, de forma mais intensa e complexa, como se o universo insistisse em nos confrontar até que lidemos, finalmente, com o que precisa ser enfrentado.

O que significa elaborar?

Elaborar um problema, um trauma ou uma questão interna significa dar a ele um significado consciente. É olhar para aquilo com a disposição de entender, processar e aceitar. Elaborar não é simplesmente reconhecer a existência de um problema, mas trabalhar ativamente para compreendê-lo em sua totalidade, desmistificá-lo e, eventualmente, superá-lo. Quando fugimos desse processo, seja através da negação ou de uma falsa sensação de controle, estamos apenas adiando o inevitável.

O retorno inescapável

Imagine uma ferida que nunca foi tratada corretamente. A princípio, ela pode parecer curada, mas basta um pequeno impacto, e a dor retorna, talvez ainda mais intensa. Assim também ocorre com questões não resolvidas. Elas se acumulam em camadas subconscientes, aguardando o momento propício para emergirem. E quando isso acontece, raramente se manifestam da mesma forma como surgiram pela primeira vez. Podem voltar em novos relacionamentos, em padrões de comportamento autodestrutivos ou em crises existenciais que parecem surgir do nada.

A repetição dos padrões

Um dos sinais mais claros de que não elaboramos algo é a repetição de padrões. Seja na escolha dos parceiros amorosos, nas dinâmicas de trabalho ou na maneira como lidamos com nossas emoções, esses padrões atuam como um eco do que ficou mal resolvido. Repetimos as mesmas histórias, como se estivéssemos em um ciclo infinito, até que nos demos conta da necessidade de uma verdadeira mudança.

Esse retorno preciso e, muitas vezes, doloroso, não é uma punição. É, na verdade, uma oportunidade. Um convite para que olhemos de frente aquilo que evitamos, para que possamos, finalmente, aprender a lição que nos cabe e seguir em frente.

O desconforto da elaboração

Elaborar algo é desconfortável. Requer coragem para enfrentar a dor, humildade para reconhecer nossas limitações e disposição para mudar. Não é um processo rápido, nem linear. Pode exigir a ajuda de um profissional, como um terapeuta, e tempo para que as feridas cicatrizem. No entanto, a recompensa é a libertação. É a possibilidade de não mais ser refém de padrões repetitivos e, finalmente, alcançar uma nova maneira de viver e de se relacionar com o mundo.

A decisão de romper o ciclo

Tomar a decisão de elaborar aquilo que retorna é um ato de coragem. É reconhecer que, por mais doloroso que seja, o enfrentamento é o único caminho para a transformação. Ao aceitar o desafio de olhar para dentro, com honestidade e compaixão, abrimos espaço para o novo. Não apenas deixamos de repetir os velhos padrões, mas criamos a possibilidade de construir uma nova história.

Elaborar é, portanto, um ato de amor-próprio. É escolher a própria liberdade em detrimento da estagnação, é aceitar que aquilo que ignoramos não desaparece; pelo contrário, volta com precisão cirúrgica, insistindo para que o enfrentemos, para que possamos, finalmente, ser livres.

(*) Cristiane Lang é psicóloga clínica, especialista em Oncologia pelo Instituto de Ensino Albert Einstein de São Paulo. 

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do portal. A publicação tem como propósito estimular o debate e provocar a reflexão sobre os problemas brasileiros.

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