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Cuidados com o corpo na prática da dança

Izabela Lucchese Gavioli (*) | 05/05/2022 08:30

Quase todo mundo gosta de dançar. É raro encontrar alguém que, em algum contexto da vida, não sinta grande prazer em dançar, seja como diversão, entretenimento, atividade física ou profissão. A dança é uma prática corporal artística altamente motivante, despertando sentimentos relativos à autoimagem, afetividade e autoconfiança.

É uma das atividades físicas que mais conquista adesão e continuidade dos praticantes, justamente pelo grande componente de expressividade e prazer. Mas, como em qualquer atividade corporal, alguns cuidados devem ser observados, pois o prazer pode se transformar em lesão, dor, frustração e parada precoce da prática.

Durante muito tempo a dança foi vista apenas como uma atividade recreacional para os praticantes amadores e uma atividade artística para os profissionais. Isso significava não levar em conta todas as questões corporais de uma atividade repetitiva: nutrição adequada, fadiga, lesões, treinamento específico, planejamento de carreira, reabilitação – só para mencionar algumas.

Talvez por isso fosse tão comum ouvirmos “não tenho mais idade para dançar” ou observarmos que bailarinas e bailarinos muito jovens estivessem já encerrando suas carreiras profissionais.

Como poderíamos aceitar que a dança não fosse desfrutada plenamente e por muito mais tempo? Foi então que começou a surgir o termo “longevidade artística”, que engloba conceitos de dançar com saúde e para a saúde e, assim, continuar dançando pelo tempo que quisermos. 

Esses conceitos se desenvolveram mais claramente a partir do surgimento de uma subárea das ciências da saúde e da arte do movimento, intitulada “Medicina da Dança”. Ela surgiu no final da década de 1980, em países do hemisfério norte, e hoje congrega um expressivo número de profissionais da área da saúde no mundo todo.

São mulheres e homens que são também artistas da dança: médicos, fisioterapeutas, psicólogos, nutricionistas, terapeutas ocupacionais, graduados em dança, osteopatas, entre outros profissionais interessados na área. Isso fez com que o campo crescesse e se desenvolvesse exponencialmente desde então, trazendo vários conhecimentos importantes para a longevidade artística.

A Associação Internacional de Medicina e Ciência da Dança (IADMS) explica que “a área aplica os preceitos da medicina especificamente ao corpo e à vida do bailarino. Como disciplina, investiga as causas das lesões decorrentes da dança; promove o seu tratamento, a prevenção, a reabilitação e o acompanhamento no retorno à dança; e explora as habilidades e técnicas para a realização do movimento. Algumas áreas de interesse são: a biomecânica, a fisiologia, a psicomotricidade, a nutrição, os aspectos psicológicos, as terapias corporais e a educação somática”.

Uma importante reflexão sobre por que a dança pode levar a lesões é a compreensão de que as aulas são geralmente focadas em desenvolver uma técnica ou uma vivência. Nem sempre a dança é uma atividade fisiologicamente “completa”, como se costuma dizer. Aliás, praticamente nenhuma atividade corporal – seja ela artística, desportiva ou cotidiana – tem a capacidade de desenvolver de forma equilibrada todas as valências físicas e neurológicas do indivíduo. A visão idealizada de “atividade perfeita” ou “completa” há muito tem sido afastada das discussões acadêmicas sobre o tema.

É muito importante oferecermos uma variedade de estímulos ao nosso corpo, entendendo que cada atividade tem uma ênfase e que cada corpo tem suas particularidades. Assim, a recomendação é de que a dança seja sempre acompanhada de outras práticas, seja no contexto amador ou profissional. 

Pensando nas principais valências físicas – fôlego, força e flexibilidade –, a aula de dança pode ter ênfase sobre apenas uma delas, trazendo desequilíbrios ao corpo do praticante. No contexto profissional ou pré-profissional, por exemplo, a relação esforço-pausa pode ser bastante desfavorável, significando que os bailarinos ficam muito tempo parados durante as demonstrações, memorizações e correções dos exercícios feitas nas aulas.

Isso acaba por prejudicar o desenvolvimento de fôlego, capacidade que, paradoxalmente, é muito exigida durante os ensaios e apresentações. Essa discrepância entre o que o treinamento oferece e o que a performance exige já foi demonstrada em numerosos estudos da área da fisiologia da dança.

Nem só os profissionais de dança sofrem lesões e desequilíbrios em sua prática: quem pratica por prazer, diversão ou indicação médica também pode passar por situações adversas, como periartrites (bursites, tendinites, capsulites, problemas ligamentares) e outras lesões articulares. É importante procurar sempre um profissional de dança habilitado, que estará ciente dos cuidados que um programa de dança deve ter.

Conto mais sobre a história da Medicina da Dança no capítulo “Medicina da Dança em Porto Alegre”, do livro “Escritos da Dança 1” (de 2016, organizado por Airton Tomazzoni, Mônica Dantas e Wagner Ferraz; páginas 182-195). E também no livro comemorativo dos 10 anos do curso de Licenciatura em Dança da UFRGS, organizado por Aline Haas, Cibele Sastre e Lisete Vargas. Nele, escrevo o capítulo “Medicina da Dança: minhas vivências no encontro arte-ciência”, que pode ser encontrado entre as páginas 159 e 188.

Então, não esqueça: procure um profissional de dança habilitado e estimule seu corpo com diversas atividades, de preferência distribuídas ao longo de toda a semana. E dance para sempre!

(*) Izabela Lucchese Gavioli é professora adjunta do Departamento de Educação Física, Fisioterapia e Dança, médica especialista em Reumatologia e Medicina do Esporte, mestre e doutora em Artes Cênicas, bailarina, coreógrafa e professora de dança.


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