Deveres dos bancos diante dos golpes aplicados em consumidores
A atividade bancária evoluiu nos últimos anos para que alcançasse a era digital, tendência inescapável para a maioria dos fornecedores que se aventuram no mercado de consumo contemporâneo. Adaptar-se ao digital significa atingir um número muito maior de consumidores e aumentar substancialmente o seu número de contratações, haja vista que todos os serviços oferecidos estão ao alcance de alguns toques na tela do celular.
Tais vantagens, no entanto, também acompanham desafios que devem ser enfrentados pelas instituições financeiras. Um desses desafios, muito em voga atualmente, é o de lidar com as fraudes eletrônicas que são, infelizmente, tão difundidas pelo Brasil. Foi-se o tempo em que era necessário convencer o correntista a ir até um caixa eletrônico para ludibriá-lo — agora basta uma ligação para consumar o ato criminoso.
Tanto é verdade que os clientes do Nubank, um dos bancos digitais de maior sucesso no mercado brasileiro, têm recebido mensagens quase que diárias a respeito do golpe da “falsa central eletrônica”. Nessa modalidade, os golpistas entram em contato com o correntista informando serem funcionários do banco e pedem que seja realizada alguma operação pelo aplicativo, normalmente sob o pretexto de proteger a própria conta bancária de uma ameaça externa. O que desejam, no entanto, é induzir o consumidor a autorizar uma transação fraudulenta.
Embora à primeira vista possa parecer um golpe pouco sofisticado, há toda uma engenharia social envolvida: os criminosos utilizam-se de mensagens gravadas que se assemelham às do próprio banco, conhecem dados pessoais da vítima e são mais do que capazes de produzir ares de autenticidade à manobra. Enganam, assim, dos correntistas mais ingênuos aos mais cuidadosos — não fosse verdade, não seria necessário que o Nubank remetesse mensagens a todos para que tomassem cuidado com essa modalidade de estelionato.
Limites da responsabilidade das instituições financeiras - Justamente em razão da enorme difusão dessa prática e de outros crimes digitais (o Brasil é o segundo país que mais registra esse tipo de ocorrência [1]), casos como esses estão sendo rigorosamente analisados pelo Poder Judiciário, que possui a missão de estabelecer, por meio da jurisprudência, quais os limites da responsabilidade das instituições financeiras por essas manobras contra seus clientes.
O ponto principal a ser discutido é se há o reconhecimento da existência de fato exclusivo de terceiro ou do consumidor para afastar a responsabilidade do banco, ou há o chamado fortuito interno, para atraí-la. Enquanto o primeiro determina que o fornecedor não responderá pelo ocorrido, pois não deu causa àquele resultado, o segundo dá conta de que, por estar o fato englobado pelos riscos da atividade bancária, deverá a instituição financeira ser responsabilizada.
O Superior Tribunal de Justiça, ao analisar caso em que o consumidor foi induzido a contratar mútuo bancário por estelionatário, estabeleceu importante precedente que deverá balizar o entendimento dos tribunais estaduais a respeito dessa questão, que ainda deve ser bastante discutida nos próximos anos. Ao julgar o Recurso Especial nº 2.052.228/DF, o STJ determinou que os bancos respondem objetivamente, ou seja, sem a necessidade de comprovação de eventual imprudência, negligência ou imperícia, pelas fraudes praticadas por terceiros contra seus consumidores.
A decisão está fundamentada no dever de segurança dos serviços oferecidos no mercado de consumo, em consonância com o artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor, e com o conceito da legítima expectativa do cliente a respeito do fornecedor com quem está contratando. Dessa forma, sabendo que existem fraudes desse calibre sendo praticadas, deve a instituição financeira criar mecanismos capazes de identificar e bloquear tais transações, especialmente quando elas não estão de acordo com o perfil financeiro do cliente.
Dever de antecipação - Nesse sentido, é dever do fornecedor que atua com a atividade bancária antecipar-se aos falsários e desenvolver medidas que impeçam tais fraudes de ocorrerem, pois é sua obrigação garantir que o serviço prestado seja seguro, especialmente se os riscos estão diretamente relacionados com o seu empreendimento. Não basta, portanto, que afirme que não deu causa ao dano sofrido pelo consumidor, principalmente se era possível evitá-lo.
O entendimento do STJ nesse caso é agora espelhado pela maioria dos julgados provenientes dos tribunais estaduais e apresenta uma novidade realidade para os fornecedores no mercado de consumo, e não somente para aqueles que atuam na atividade bancária. Não é suficiente remediar a situação após a sua ocorrência, é necessário antecipar-se e garantir a segurança do produto ou do serviço ofertado, observando os riscos do mercado em que se está inserido.
(*) Vitor Esmanhotto da Silva é advogado do núcleo de Relações de Consumo.
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