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Fim da saída temporária ameaça ressocialização e pode aumentar insegurança

Por Carlos Eduardo Machado e Ignácio Machado (*) | 20/02/2024 13:30

Em ano eleitoral, projetos de lei de forte apelo populista até então paralisados nas casas legislativas voltam a tramitar, geralmente de forma açodada e sem o debate necessário.

É o caso do PL 2.253 (originalmente PL 583/2011), de autoria do deputado federal Pedro Paulo (MDB-RJ), que visa a abolir a saída temporária de presos.

Embora estivesse parado há cerca de 11 anos, no dia 7 de fevereiro esse projeto recebeu do Senado aprovação de urgência para votação, o que significa que prosseguirá sem a deliberação pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ).

A decisão de acelerar a tramitação deste projeto, evitando a análise pela CCJ, é particularmente preocupante.

A CCJ desempenha um papel crucial no processo legislativo, avaliando a constitucionalidade, a juridicidade e a técnica legislativa dos projetos de lei.

A falta de debate nesta comissão priva o projeto de uma análise aprofundada de suas implicações legais e constitucionais, essencial para assegurar que as leis aprovadas estejam em conformidade com os princípios fundamentais do ordenamento jurídico brasileiro.

Além disso, o debate na CCJ proporciona uma oportunidade para que diferentes perspectivas sejam consideradas, contribuindo para a elaboração de leis mais equilibradas, eficazes e que não violem as garantias fundamentais de todo cidadão.

Foi a morte de um policial militar, baleado em Belo Horizonte, em janeiro, que reacendeu o debate em torno do tema. O principal suspeito do crime teve permissão de deixar a prisão durante o feriado do Natal e não se reapresentou ao sistema penitenciário.

Se o PL 2.253/2022 for aprovado, a Lei de Execução Penal (Lei 7.210, de 1984) será alterada para aumentar as hipóteses do uso da tornozeleira eletrônica, prever casos de exame criminológico (feito por psicólogos e outros profissionais, atualmente facultativo), além de extinguir a saída temporária.

Com as regras atuais, o condenado entre quatro e oito anos de prisão tem o direito de pleitear cinco saídas por ano, de até sete dias cada, para visitar familiares, realizar cursos ou outras atividades sociais. Mas, para isso, o detento precisa comprovar comportamento adequado, ter autorização do juiz e cumprir outros requisitos.

Saidinha é forma de ressocialização - Popularmente conhecida como “saidinha”, a saída temporária é uma ferramenta estabelecida pela Lei de Execução Penal com o objetivo de promover a ressocialização dos apenados.

Este benefício permite que detentos em regime semiaberto, que cumpriram parte significativa de suas penas e demonstraram bom comportamento, possam reestabelecer laços familiares e sociais, essenciais para sua reintegração à sociedade.

A justificativa para acabar com o benefício apresentada pelo senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), relator do projeto, enfatiza o velho jargão da necessidade de reduzir a criminalidade e proteger a sociedade, mesmo que à custa dos direitos do preso.

Contudo, essa perspectiva ignora evidências que demonstram o papel vital das saídas temporárias na diminuição da reincidência criminal, ao oferecer aos detentos a chance de reconstruir suas vidas de maneira positiva e produtiva.

Na verdade, os benefícios da saída temporária são múltiplos, tanto para os apenados quanto para a sociedade. Além de fortalecer os laços familiares e comunitários, a reintegração social assistida e progressiva dos apenados reduz significativamente as chances de reincidência.

Serve, ainda, como um incentivo ao bom comportamento dos detentos, visto que é um benefício condicionado ao cumprimento de requisitos objetivos e subjetivos rigorosos, como bom comportamento carcerário e progressão de regime.

Contrapondo-se à visão do projeto, organizações como o MPF, defensorias públicas e entidades da sociedade civil destacam a inconstitucionalidade da proposta e defendem a manutenção das saídas temporárias como instrumento de ressocialização.

O comunicado divulgado por estas entidades ressalta a baixa taxa de fugas relacionadas às saidinhas, evidenciando seu sucesso como política pública de reintegração social e não como vetor de insegurança pública.

Além disso, como destacado pelo senador Jorge Kajuru (PSB-GO), que apresentou emenda substitutiva, o projeto elimina um mecanismo que contribui para a paulatina reinserção social do apenado e confere o mesmo tratamento ao condenado primário e de bom comportamento, como ao reincidente que comete faltas graves.

Retrocesso na política de execução penal - Portanto, a supressão das saídas temporárias, sem o devido debate e análise, representa um retrocesso nas políticas de execução penal e uma ameaça aos princípios constitucionais que devem reger o sistema penitenciário.

A reintegração social dos apenados deve ser o objetivo central da execução penal, conforme estabelecido pela Lei de Execução Penal e pelos tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil é signatário. Por conta de casos pontuais de mal uso do benefício, tentam generalizar e quebrar um instituto que tem uma história de êxito.

Pelos erros de dezenas querem punir milhares. Seria como proibir a circulação de veículos automotores nas ruas por conta do grande número de atropelamentos. Trata-se de uma resposta punitiva meramente simbólica e ineficaz.

Em síntese, é imperativo que haja um debate aberto e fundamentado sobre as implicações deste projeto, com a participação de todos os setores da sociedade, incluindo especialistas em direito penal, organizações de direitos humanos e os órgãos do sistema de justiça criminal.

A proposta de proibição das saídas temporárias subestima a importância deste benefício para a ressocialização dos apenados e para a segurança pública.

A manutenção e o aprimoramento deste mecanismo, com foco na fiscalização e no acompanhamento efetivo dos beneficiados, surgem como alternativas mais alinhadas aos princípios de justiça restaurativa e ao objetivo último da pena: a reintegração do indivíduo à sociedade.

(*) Carlos Eduardo Machado é 3º vice-presidente do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), presidente do Grupo Brasileiro da Associação Internacional de Direito Penal (AIDP) e conselheiro efetivo da Seccional do Rio de Janeiro da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/RJ).

(*) Ignácio Machado é advogado.

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