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Governo criou factoide sobre a reforma da Previdência

Carlos Alberto Pereira de Castro | 07/01/2018 14:35

A política vive de factoides: frases que são tidas como verdadeiras por sua repetição. A nova propaganda milionária (custo de R$ 99 milhões) sobre a reforma da Previdência diz combater privilégios e não mexer nos direitos dos aposentados.

Privilegiados seriam os que “trabalham pouco, ganham muito e se aposentam cedo” — e estes seriam os servidores públicos.

Você conhece pessoas que se enquadram no slogan da campanha?

Seus pais, irmãos, parentes ou amigos próximos são professores da rede pública? Algum é médico(a) ou enfermeiro(a) do SUS? Com as condições de trabalho que possuem, seriam estes privilegiados? Algum deles é agente da segurança pública, que enfrenta toda sorte de risco para proteger a sua vida inclusive investigando os poderosos? Seriam estes privilegiados? Ou auditores-fiscais e servidores do Judiciário?! Que privilégio ter de enfrentar traficantes e criminosos de alta periculosidade, ou prender pessoas que são flagradas com dezenas de milhões de reais em seus imóveis, ou combater o trabalho escravo ainda que sob ameaça de morte... ou não? Ah, sim! Juízes e membros do Ministério Público! Conhece algum? Por exemplo, os juízes e procuradores que atuam na operação "lava jato" seriam privilegiados, tendo de viver sob escolta 24h por dia?

Vamos a dois exemplos do que a “reforma dos privilegiados” pretende impor.

O leitor aceitaria ser um desses “servidores privilegiados” acima sabendo que, se sofrer um “acidente fora do serviço” (mas que pode ser uma tocaia) receberá, de proventos, em certos casos, de 25% a 50% do que hoje recebe em atividade, não podendo exercer mais nenhuma atividade, porque ficou inválido? E você considera isso justo? Pois é o que a reforma propõe.

Você, leitor — e tanto faz onde tenha trabalhado, se no serviço público ou em qualquer atividade privada — sabe que, caso seja aposentado e viva com outra pessoa aposentada, quando um dos dois falecer, o outro terá sua renda reduzida, pois somente poderá acumular aposentadoria com pensão até dois salários mínimos? Sim, no dia seguinte ao do óbito, você vai ter que repensar sua vida, porque sua renda familiar vai despencar. É o que a reforma propõe.

Mas você, sendo servidor ou não, se considera um privilegiado?

A reforma atinge, sim, direitos dos aposentados, portanto.

Agora, é bom que se diga: há, sim, privilegiados de verdade.

Aposentam-se com 4 ou 8 anos de mandato em cargo político, como no caso dos ex-Governadores do Estado de Santa Catarina até hoje. 

Outros não ocupam cargos: os megaempresários e especuladores financeiros beneficiados pelo Refis com perdão de até 99% dos juros e multas; os que gozam da isenção concedida a “entidades filantrópicas” e clubes de futebol, entre outros; ou os que confiam na não-cobrança da dívida bilionária de milhares de empresas — inclusive estatais — para com a Previdência. Nenhum destes é afetado pela reforma.

Os parlamentares devem satisfações: a você, seus familiares e amigos; e aos familiares e amigos deles, muitos também servidores, nada “privilegiados”.

A Previdência deve ser sustentada por todos, e não apenas pelos que pagam em dia, enquanto pessoas inescrupulosas se beneficiam da inércia do governo em cobrar quem deve ao Fisco.

Contra factoides, estão aí os fatos para quem quiser ver.

Nosso verdadeiro privilégio – e da esmagadora maioria dos servidores – é dormir o sono tranquilo de quem vive honestamente.

*Carlos Alberto Pereira de Castro é juiz do Trabalho. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário e da Comissão de Previdência da Anamatra.

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